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3.1 – P RINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS NO DIREITO PROCESSUAL CIVIL BRASILEIRO

A Constituição Federal de 1988 positivou matéria de vital importância para o direito processual ao incorporar o princípio do devido processo legal, em seu art. 5º, inciso LIV: “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.

Derivado de interpretação do direito anglo-saxônico, e remontando à Magna Charta Libertatum de 1215, o “Due Process of Law” pode ser entendido como um conjunto de garantias constitucionais que protegem o indivíduo. Relacionam-se tais garantias com o direito de liberdade – em um âmbito material de proteção –, de forma a assegurar a paridade de condições frente a provocação da tutela jurisdicional, bem como a coerência na aplicação do exercício da jurisdição e a plenitude de defesa, garantindo às partes o exercício pleno de suas faculdades e poderes processuais.

Nas palavras de Antônio Pereira Gaio Júnior22:

Pressupõe-se que tal princípio repousa em um procedimento regular, previamente estabelecido, com atos sem vícios insanáveis ou insupríveis, contraditório com real igualdade de “armas” e tratamento, juiz natural, investido na forma da lei, coerente, competente e imparcial, sendo de advertir-se que nele não se pode falar quando meramente formal ou em relação àquele que, pela sua demora, permite o sacrifício do direito do autor, considerando que o processo deve ser visto como uma espécie de contrapartida que o Estado oferece aos cidadãos diante da proibição da autotutela.

Corolários do devido processo legal, os princípios do contraditório e da ampla defesa encontram-se dispostos na Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso LV: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.

Frisa-se que a Constituição Federal impõe o contraditório e a ampla defesa em um só dispositivo, e que deverão tais princípios ser observados em qualquer processo, seja ele judicial ou administrativo, e a todos os acusados e litigantes, com todos os meios e

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GAIO JÚNIOR, Antônio Pereira. Instituições de Direito Processual Civil. 3 ed. Revista e atualizada. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 131.

recursos inerentes as suas teses – possibilidade de alegar, de provar, de controlar a racionalidade da decisão e de recorrer.

Como bem explicado por Marinoni, Arenhart e Mitidiero23:

Por ampla defesa deve-se entender o conteúdo de defesa necessário para que o réu possa se opor ao pedido de tutela jurisdicional do direito (ao pedido de sentença de procedência) e à utilização de meio executivo inadequado ou excessivamente gravoso.

O contraditório, por sua vez, como também anotado por Marinoni, Arenhart e Mitidiero24 é a expressão técnico-jurídica do princípio da participação. A participação das partes garante, nesse sentido, a legitimidade do poder. Em outras palavras, para que, em um Estado Democrático de Direito, um poder possa ser considerado legítimo, é necessária a participação das partes.

Nesse sentido, visando manter a paridade de condições, o princípio do contraditório guarda estreita relação com o princípio da igualdade, cedendo instrumentos capazes de manter a isonomia. Trata-se, portanto, de garantia constitucional que assegura ao réu ampla oportunidade de defesa contrapondo-se à tese exposta pelo autor. Como bem assevera Nery Junior25:

O princípio do contraditório, além de se constituir fundamentalmente em manifestação do princípio do estado de direito, tem íntima ligação com o da igualdade das partes e do direito de ação, pois o texto constitucional, ao garantir aos litigantes o contraditório e a ampla defesa, quer significar que tanto o direito de ação quanto o direito de defesa são manifestações do princípio do contraditório.

O princípio do contraditório, ainda, relaciona-se com uma garantia fundamental à organização da justiça, o princípio da audiência bilateral. Como explicam Cintra, Grinover e Dinamarco26 a doutrina moderna considera que a bilateralidade da ação é inerente mesmo à própria noção de processo. Assim, o princípio traz o entendimento de que a bilateralidade da ação gera a bilateralidade do processo.

23 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Curso de Processo Civil

–Volume 1. 3 ed. Revista e atualizada. São Paulo: Thomson Reuters Revista dos Tribunais, 2016, p. 359.

24 Ibidem, p. 360.

25 NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do Processo na Constituição Federal. 12 ed. Revista e atualizada. São Paulo: Thomson Reuters Revista dos Tribunais, 2016, p. 243-244.

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CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel.

Por meio de provocação da tutela jurisdicional do Estado, ingressará o demandante com uma ação. Entretanto, como em todo processo contencioso há ao menos duas partes, a relação processual invocada somente se tornará completa com o chamamento do demandado ao juízo.

O juiz, nesse sentido, deverá manter-se entre as partes. Por sua vez, por força do princípio e dever de imparcialidade, terá o magistrado que assegurar sua equidistância entre elas. Apenas dessa forma será possível ouvir as partes, dando possibilidade de expor suas razões, e influir no seu convencimento como julgador. Nas palavras de Cintra, Grinover e Dinamarco27:

Somente pela soma da parcialidade das provas (uma representando a tese e a outra, a antítese) o juiz pode corporificar a síntese, em um processo dialético. Por isso foi dito que as partes, em relação ao juiz, não têm papel de antagonistas, mas sim de “colaboradores necessários” – cada um dos seus contendores age no processo tendo em vista o próprio interesse, mas a ação combinada dos dois serve à justiça na eliminação do conflito que os envolve.

Nessa toada, para que as partes tenham de fato papel de colaboradores necessários do processo, o princípio do contraditório agirá no processo, também, como impulsionador do direito de influir. Por esse aspecto, o denominado “direito de influência”, traz ao juiz não somente o dever de velar pelo contraditório entre as partes, mas também e, necessariamente, submeter-se a ele. Segundo afirma Nery Junior28:

Em razão da incidência da garantia constitucional do contraditório, é defeso ao julgador encurtar, diminuir (verkürzt) o direito de o litigante exteriorizar a sua manifestação nos autos do processo. Em outras palavras, não se pode economizar, minimizar a participação do litigante no processo, porque isso contraria o comando emergente da norma comentada. O órgão julgador deve dar a mais ampla possibilidade de o litigante manifestar-se no processo. Significa, ainda, poder acompanhar e participar da colheita da prova, de modo a poder, in continenti, fazer a contraprova, por exemplo, reperguntando para a testemunha.

A doutrina vem, há muito, enfatizando, nesse sentido, que o direito de defesa não se resume a simples manifestação do demandado ao processo. O contraditório dispõe ao demandado/réu o direito de ver seus argumentos considerados na elaboração da decisão.

27

CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO. 2014. Op. cit, p. 74. 28

Conforme explicado por Mendes e Branco29, em relação ao direito constitucional comparado:

Não é outra a avaliação do tema no direito constitucional comparado. Apreciando o chamando “Anspruch auf rechtliches Gehör” (pretensão à tutela jurídica) no direito alemão, assinala a Corte Constitucional que essa pretensão envolve não só o direito de manifestação e o direito de informação sobre o objeto do processo, mas também o direito de ver os seus argumentos contemplados pelo órgão incumbido de julgar.

Pode-se afirmar, portanto, que a garantia estampada no art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal de 1988, consagra direitos como: o direito de informação do processo, bem como dos atos praticados pelo órgão e seus elementos; o direito de manifestação no processo, assegurando a defesa do demandado sobre os elementos fáticos e jurídicos por meio de sustentação oral ou escrita e produção de provas; e o direito de ver seus argumentos considerados exigindo do julgador a análise de todos os argumentos – tese/antítese –, com isenção de ânimo, a fim de alcançar a melhor e mais justa decisão para o caso concreto.

Segundo Andolina e Vignera, conforme exposto por Gaio Júnior e Mello30, em sua obra:

O contraditório é consequência do princípio político da participação democrática e pressupõe: a) audiência bilateral: adequada e tempestiva notificação do ajuizamento da causa e de todos os atos processuais através de comunicações preferencialmente reais, bem como ampla possibilidade de impugnar e contrariar os atos dos demais sujeitos, de modo que nenhuma questão seja decidida sem essa prévia audiência das partes; b) direito de apresentar alegações, propor e produzir provas, participar da produção das provas requeridas pelo adversário ou determinadas de ofício pelo juiz e exigir a adoção de todas as providências que possam ter utilidade na defesa dos seus interesses, de acordo com as circunstâncias da causa e as imposições do direito material; c) congruidade dos prazos: os prazos para a prática dos atos processuais, apesar da brevidade, devem ser suficientes, de acordo com as circunstâncias do caso concreto, para a prática de cada ato da parte com efetivo proveito para a sua defesa; d) contraditório eficaz é sempre prévio, anterior a qualquer decisão, devendo a sua postergação ser excepcional e fundamentada na convicção firme da existência do direito do requerente e na cuidadosa ponderação dos interesses em jogo e dos

29 MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 6 ed. Revista e atualizada. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 494.

30 ANDOLINA, Italo; VIGNERA, Giuseppe. Il modello constituzionale Del processo civile italiano. Ed. G. Giappichelli: Torino, 1988, p. 109-110, apud GAIOR JÚNIOR, Antônio Pereira; MELLO, Cleyson de Moraes. Novo Código de Processo Civil Comentado. Belo Horizonte: Del Rey, 2016, p. 12.

riscos da antecipação ou da postergação da decisão; e) o contraditório participativo pressupõe que todos os contra-interessados tenham o direito de intervir no processo e exercer amplamente as prerrogativas inerentes ao direito de defesa e que preservem o direito de discutir os efeitos da sentença que tenha sido produzida sem a sua plena participação.

Em outras palavras, deve o órgão informar os atos do processo, ceder espaço para manifestação, abrangendo defesa de argumentos e produção de provas em contrário, bem como, e mais importante, conferir atenção, considerando séria e detidamente, as razões apresentadas.