• Nenhum resultado encontrado

4.1 Quadro de denunciados do espaço familiar

4.1.3 Pai acusado

Assim como a mãe no final do século XVIII passou a exercer um novo papel nas relações familiares, sendo responsável pela saúde e bem-estar da mesma, com o pai, embora em dimensão menor, também se passou a exigir que este estivesse mais presente junto aos cuidados para com os filhos. A aproximação foi uma novidade,

129 (TOURINHO, 2006). Nisso, o distanciamento tornou-se característica marcante da relação mantida entre ambos (pai-filho).

O pai devia exercer uma boa influência sobre o filho, ter um bom caráter e reputação e aquele que desse um bom exemplo estaria cumprindo seu dever. Era bem visto o homem que participasse da educação de seu filho ou fosse seu primeiro professor, mas tal fato, na maioria das vezes, não acontecia por lhes faltar tempo e em muitos casos, vontade. O pai, que até o século XIX era absoluto, ganhou a possibilidade de ser falível, ignorante e até em muitas situações mau, o que determinou uma intervenção do estado sobre as relações: o pai perdeu o pátrio poder sobre o filho e passou a estar exposto a julgamento quando sua má conduta era notória e escandalosa, tornando- se objeto de investigação e vigilância (TOURINHO, 2006, p.11).

Com o surgimento da escola, onde a criança passou a ser uma detentora

de um “saber familiar”, sendo conhecedora dos acontecimentos que aí se

engendravam, a autora destaca que houve a transferência da imagem do pai despótico para o pai mantenedor, sendo este agora responsável pelo conforto e sobrevivência da família (2006, p.11).

Sobre o papel do pai na família, poucos são os estudos que trabalham esta temática52, sendo o foco voltado para a questão da maternidade. Quanto ao pensamento vigente na sociedade, o que se sabe é que, enquanto a mãe foi incumbida como responsável pela função de cuidar e educar os filhos, ao pai foi dada a tarefa de ser o provedor do lar. Contudo, na realidade atual, é possível perceber

mudanças ocorrendo nessas configurações, com isso, “observa-se um número crescente de pais que também compartilham com a mulher ou até mesmo assumem

as tarefas educativas e a responsabilidade de educar os filhos” (WAGNER et al., 2005).

As posições estabelecidas a homens e mulheres vêm de certa forma sendo modificadas. Nisso, “um novo entendimento sobre as relações se instaurou e hoje as famílias possuem as mais diversas configurações”, onde as figuras de pai e mãe, antes rigidamente demarcadas, vêm se diluindo, dando lugar a uma forma mais flexível e afetuosa de se relacionar (FUSTER & OCHOA, 2000 apud DIAS e GABRIEL,

2011).

52 Trabalhos que discutem esta questão: Cia, et al., (2005); Meincke e Carraro (2009); Dessen e Lewis (1998).

130

Desta maneira, o ser pai é um papel que se encontra em ampla transformação. Percebe-se que uma nova postura é exigida do homem, não só pela etapa do ciclo vital no qual ele está ingressando, na qual novas funções são esperadas, mas também pela sociedade e principalmente pela mídia, que cobra do homem ser um pai mais próximo e envolvido com as questões da família e do filho. Não é mais aceito que o pai apenas pague as despesas do filho; ele deve despender um tempo com a criança, atuar na sua educação e cuidados e estar disponível emocionalmente para ela [...] (DIAS e GABRIEL, 2011, p.253).

Essas transformações ocorrentes tanto no espaço familiar quanto no social em relação à figura masculina, ou seja, mudanças que vêm se passando no espaço público e privado, vêm pondo em discussão o papel assumido pelo homem na sociedade e as representações criadas em torno deste (BARBAM e CIA, 2006; FREITAS et al., 2009; WAGNER et al., 2005). Fala-se em uma “crise de identidade

masculina” e em um “mal-estar masculino” no atual mundo contemporâneo (ROSA, 2006).

Nesse sentido, podemos dizer que a crise da identidade masculina é, ao mesmo tempo, uma crise das representações através das quais o imaginário social define o que é ser homem, podemos dizer que é uma crise das identificações. Em vista disso, se sexualidade, paternidade, vida conjugal, iniciativas etc. funcionam como significantes cruciais, como significantes mestres na construção dessa identidade, quando surge um sintoma que afeta a sexualidade, uma situação de dificuldades com a paternidade ou mesmo com as iniciativas em direção ao outro sexo, esses acontecimentos fazem vacilar a identificação com esses significantes e introduzem o que é tido como “crise”. Tal crise, diga-se de passagem, não deixa de ser interessante, na medida em que abre para o sujeito a possibilidade de interrogar as suas relações com o Outro do amor, do desejo e do gozo. Todavia, apesar de interessante, isso nem sempre é simples e também nem sempre ocorre sem angústia. Daí o mal-estar masculino no mundo contemporâneo (ROSA, 2006, p. 438).

A autora enfatiza que esse mal-estar ocorre não apenas “porque algumas representações que o imaginário social definia como sendo masculinas tornaram-se anacrônicas, mas também na medida em que faltam novas representações” (2006, p.438).

Um dos pontos que pode ser pensado, que, aliás, surge frente a essas

possíveis “crises de identidade” é a questão da autoridade exercida pelo pai (e marido), algo considerado incontestável tempos atrás, “pois pressupunha não apenas o comando dos filhos, mas a transmissão de orientações compatíveis com uma

131

realidade em que o interesse coletivo predominava sobre vontades individuais”

(ROMANELI, 1995, p.85). É perceptível a diferença em relação à apropriação e execução da autoridade mantida pela mãe e pelo pai dentro do ambiente familiar para com os filhos. Atualmente, essa autoridade vem sendo compartilhada por outros membros familiares que não apenas os dois, embora estes permaneçam como os

“cabeças”.

Mantendo ou não uma relação de proximidade com os filhos, exercendo ou não seu papel de pai como agente provedor, o fato é que no imaginário social o pai ainda ocupa um lugar de extrema significância dentro do lar.

Retornando à análise dos dados da presente pesquisa, vemos por meio do gráfico apontado que, diante do quadro de violações de direitos, em terceiro lugar apareceu como acusado o pai da vítima. Do total de 3.741 registros, este obteve 821 casos, o que corresponde a 22% das ocorrências. Foram tomados para análise os registros referentes tanto ao pai biológico quanto o adotivo (que teve menos de 5% dos casos). Como já havia sido pontuado, as duas categorias equivalem o mesmo para os conselheiros.