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A paisagem na história das civilizações

1. CAATINGA, OCUPAÇÃO HUMANA, PALEOAMBIENTES E MUDANÇAS

1.1. O homem e a interação com o meio ambiente nos Sertões do Nordeste

1.2.2. A paisagem na história das civilizações

A noção de paisagem acompanha o próprio desenvolvimento da espécie humana, pois o homem faz parte e necessita fazer uso dos recursos que o meio lhe proporciona. Todo e qualquer grupo humano que se estabelece num dado lugar tem como premissa conhecer seu habitat, disso dependerá a sobrevivência de si e de sua prole.

O homem sempre observou o meio em que vive, para dele tirar ou retirar os bens essenciais de que necessita. Desde tempos mais remotos, a observação da paisagem causou impacto no homem, prova disso é que ele a retratou, sempre. Inicialmente nos blocos rochosos das cavidades naturais, depois nos afrescos das casas, nas telas dos pintores, nos manuscritos e livros. O retrato da paisagem serve como forma de o homem exteriotipar a importância que o meio exerce para sua sobrevivência. Geralmente, eterniza-se a paisagem mais impactante, as afeições que maior importância apresentam para a sobrevivência do ser humano. Nas telas de

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Eckouth, por exemplo, destacam-se alimentos nativos do Brasil, essenciais para à sobrevivência do europeu, agora inserido num novo contexto e num novo mundo, cultural e natural, até então desconhecido, mas capaz de ser conquistado. A conquista da paisagem, ou seja, seu conhecimento, antecedeu a conquista humana (do outro), pelo europeu ou, no mínimo, alianças entre europeu/índio favoreceu o domínio sobre o outro e seu habitat.

Cada sociedade e/ou grupo humano desenvolve noções diferentes de paisagem (MAXIMINIANO, 2004: 84), de acordo com suas observações, mas principalmente tendo em vista suas necessidades básicas de sobrevivência.

O conceito de paisagem não é muito antigo, apesar de ser alvo de estudos (mesmo que empíricos) por marcar a própria existência humana.

Rugendas (1959: 1) chama de paisagens naturais do Brasil do pós-contato de “Pitorescas”, talvez tenha sido esse viajante quem melhor as estudou e as mencionou.

Spix e Martius (1976) afirmaram que cada região do Brasil apresentava características naturais, principalmente vegetais, peculiar.

Foram os alemães que provavelmente instituíram o primeiro termo para designar paisagem (landschaft). Desde a Idade Média, a terminologia era utilizada para o desígnio de uma região de médias dimensões com ocupação parcial para o homem.

A partir do Renascimento, o desenvolvimento artístico passou a dar ênfase as paisagens nos quadros, afrescos e até na literatura.

Na França, o termo paysage serve como delimitador de um espaço e, só no século XVI, é que se une o termo paisagem a estética e ao belo. A partir de então, surge ou resurge a preocupação em aliar aspectos naturais ao belo. A simetria, por exemplo, dos jardins de países da Europa, como Espanha e França, passou a servir de modelo para o mundo, numa simbiose do natural e do belo.

A arte dos jardins que vigorou na Europa até o século XIX, consistia na intervenção do homem para “concertar” a natureza: dragagem de pântanos, construções de pontes, desvios de rios, construções de belos jardins em praças amplas e centrais nas cidades que (re) surgiam graças ao impulso de um novo sistema

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econômico que gritava por novos modelos que satisfizessem os desejos de uma classe que enriquecia e queria conhecer o mundo, mesmo que fosse em zoológicos ou num parque. Surge a noção de paisagismo, ou dar uma nova roupagem ao velho, ao ultrapassado que não se adequava ao novo modismo da época. No mais, a partir do século XVI em diante, na impossibilidade de se visitar os lugares bucólicos, as pinturas e xilogravuras aparecem como pano de fundo das várias paisagens naturais de um novo mundo, agora ampliado com as recém-descobertas de paisagens novas, culturas, diferentes das conhecidas até então. Nesse sentido, o mundo se revoluciona à medida em que entram em cena realidades desconhecidas, uma natureza tropical relatada apenas por alguns poucos cronistas e pintores que tinham se aventurado em outras plagas do planeta antes das grandes navegações do século XV.

Humboldt (Apud PRATT, 1991), ao analisar a paisagem no século XVIII, seu interesse recai na análise dos aspectos fisionômicos formadores do ambiente sobre os seres que habitam uma dada paisagem. Para Humboldt, a paisagem varia de acordo com os elementos que a formam, especialmente solos e vegetais.

Ratzel (Apud MARTINS, 2009), no século XIX, evidenciou que existem relações causais na natureza, existindo leis que organizam a natureza e que são cientificamente observáveis.

Dokoutchaec definiu, no século XIX, o Complexo Natural Territorial (CNT), identificando as estruturas da natureza que iriam influenciar cientistas da Alemanha e países do Leste Europeu. Humboldt e Gresebach conservam a vegetação como elemento principal formador da paisagem, resultando, no futuro, nas novas concepções de ecologia da paisagem, defendida por Carl Troll (MAXIMINIANO, 2004).

Com o desenvolvimento de novas pesquisas e análise acerca do conceito de paisagem, componentes sociais passaram a ser integrados ao conceito.

Mas foi no início do século XX, que Schluter propõe associar elementos culturais ao conceito de paisagem; em meados do mesmo século, Schmitüssen propõe um “alargamento” do conceito acreditando que o estudo da paisagem deveria englobar vários aspectos, do natural ao social/cultural.

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A Escola Norte-Americana de Berkeley, idealizada por Sauer a partir de 1925, propõe que a paisagem seja um organismo complexo, “resultado da associação de forma que podem ser analisadas” (MAXIMINIANO, 2004: 86), sendo a junção dos recursos materiais (culturais) e naturais de um lugar, mais as obras construídas pelo homem num processo de interdependência e sujeitas a ação do tempo. A paisagem não é estática, ao contrário, existe uma dinamicidade que envolve do natural ao cultural, num constante processo de transformações.

A França foi uma exceção no mundo, no século XIX, por não optar em criar um conceito por região ou gênero de vida, ligando-se mais a história propriamente dita dos grupos humanos do que aos traços físicos da natureza.

Em 1938, cientistas reunidos no Congresso da União Geográfica Internacional (UGI), em Amsterdã, reconhecem a necessidade em definir o conceito de paisagem, mesmo cientistas como Humboldt e Troll já de muito terem, a seu modo, conceituado paisagem. Visava-se, a partir desse congresso, congregar os vários pensamentos e correntes na busca de um conceito que abarcasse as principais idéias discutidas até então.

Segundo a Organização para Educação, Ciência e Cultura das Nações Unidas (UNESCO), considera-se que paisagem é a “Estrutura do Ecossistema”.

O Conselho Europeu afirma que o meio natural, moldado pelos fatores sociais e econômicos, constitui-se paisagem através de uma perspectiva do olhar do homem.

Para os franceses, a paisagem está ligada basicamente ao visual, da mesma forma, o holandês vê a paisagem como tudo aquilo visível, nesse sentido, não dar para distinguir o que seja paisagem natural de cultural.

Para os alemães, a paisagem envolve noções de territorialidade, mas, voltada ao aspecto visual.

Já os Russos fazem uso dos aspectos territoriais e visuais para conceituar paisagem.

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Maria do Socorro Lemos (1989) afirma que a paisagem é o resultado da interação do conjunto de fatores de formação, especialmente do solo. A partir desse conceito, o solo pode ser visto como importante agente formador da paisagem.

Norton e Smith, citado por Maximiniano (2004: 87) afirma ser “a expressão da relação entre vertentes e propriedades dos solos, onde ocorre uma relação inversa entre os ângulos de inclinação das vertentes e a espessura do horizonte a dos solos.”

Lima (1989, Apud Maximiniano, 2008) diz que paisagem pode ser identificada como um conjunto de formas e habitats ligados por corredores naturais.

Nos campos da Sociologia e Economia, paisagem pode ser vista como a base do meio físico onde o homem atua.

Burle Marx (1981) partindo de uma visão paisagística, vê as plantas como fundamentais no processo formador da paisagem. Há, nesse conceito, uma interrelação de plantas com o meio pressupondo que os aspectos ecológicos, biogeográficos e culturais se interrelacionam, formando uma paisagem estética.

Na Geografia, existe certo concenso para definir paisagem: sendo visto como o resultante da união dos seus elementos formadores, quais sejam: físicos, biológicos e antrópicos. Nesse caso, a questão cultural, ou humana, passa a ser importante porque o homem torna-se um agente formador ou tranformador das paisagens.

A Geografia brasileira foi influenciada por visões diferentes, pressupondo que o conceito de paisagem mescla os conceitos francês e alemão. Do lado alemães, temos a influência naturalista de Humboldt; do lado francês, temos a observação da natureza sob uma óptica cultural, com forte influência antrópica.

No Brasil, a ação humana marca a paisagem, pois a cultura agindo sobre o meio natural, resulta na paisagem modificada ou cultural. Nessa perspectiva, desde a Pré-História o homem modifica o meio, transformando paisagens, recriando sistemas ou adaptando-os a sua forma de vida e sobrevivência.

Já para Bertrand (Apud MAXIMINIANO, 2004: 88), o conceito de paisagem vai mais além do que a mera representação do ambiente, mas sim, “a combinação dinâmica, instável dos elementos físicos, biológicos e antrópicos, porque a paisagem

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não é apenas natural, mas é total, com todas as implicações da participação humana”. Dessa forma, depende do tipo de análise que irá ser inferido sobre a paisagem.

É impossível ver a paisagem, como um todo, sem a presença e intervenção humana. O homem sempre causou impactos ao meio, mesmo que seja visto através de escalas maiores ou menores.

Um dos conceitos mais interessantes que visa a estudar a paisagem do Brasil, talvez venha de Aziz Ab’Saber (1987), que no final dos anos de 1960 propõe os Domínios Morfoclimáticos Brasileiros considerando as multirelações e interdependência da vegetação, do clima e do relevo, moldando paisagens ecossistêmicas.

A partir da década de 1980, a proposta do geógrafo Ross inova no sentido de redifinir ou reclassificar o relevo brasileiro em unidades de Planaltos, Planícies e Depressões, formando 28 macro unidades geomorflógicas. A diversidade do ecossistema forma as várias paisagens do Brasil. Não esquecer de que, nesse processo, a ação antrópica é preponderante na formação.

Paisagem, enfim, seria a junção de variáveis: meio ambiente; ambiente natural; unidade espacial e visual, mais a ação antrópica. Os contornos de uma paisagem variam, também, de acordo com o tipo de análise que se faz dela.

Sem dúvida, a paisagem pode ser vista e analisada a partir de uma perspectiva macro, levando-se em consideração tanto os elementos naturais que as formam, quanto os aspectos sócio/político/culturais que as transformam.

Conclui Maximiniano (2004: 89-90) que: “A visão da paisagem sempre teve um aspecto utilitarista para praticamente todos os povos e em todas as épocas”. Variando, portanto, de acordo com a época, o espaço e a análise a ser realizada. Enfim, a paisagem influenciou os grupos humanos, do nascimento a morte, percebendo-se isso nos locais escolhidos pelos índios, na paisagem, para sepultamentos, aldeamentos, áreas de caça, coleta.