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3 OS CONCEITOS ESTRUTURANTES E MEDIADORES

3.1 DIMENSÕES DO CONCEITO DE “PAISAGEM”

3.1.2 Paisagem urbana

Estamos considerando a paisagem urbana como um desdobramento da paisagem cultural. Entretanto é também concebido um segundo conceito mediador, derivado da categoria “paisagem”, que também é um dos nossos conceitos estruturantes. Todos aqui concebidos como categorias de análise.

A paisagem urbana pode expressar as diversas formas como os indivíduos habitam a cidade, caracterizando suas peculiaridades e modos de vida. Dessa forma, essa categoria pode oferecer pistas que contribuam para a compreensão das características dos grupos sociais que ali residem ou residiam, além da possibilidade de expressar a dinâmica socioeconômica de uma localidade ou região, a partir do conhecimento geohistórico de sua produção e organização espacial.

3 O IPHAN trabalhou na candidatura do Rio de Janeiro como Paisagem Cultural, em parceria com o Governo do

Estado e a Prefeitura do Rio de Janeiro, a Fundação Roberto Marinho e a Associação de Empreendedores Amigos da UNESCO. Em setembro de 2009, o IPHAN entregou à UNESCO o dossiê completo da candidatura, justificando seu valor universal pela interação da sua beleza natural com a intervenção humana.

O conceito de paisagem cultural foi adotado pela UNESCO em 1992 e incorporado como uma nova tipologia de reconhecimento dos bens culturais, conforme a Convenção de 1972 que instituiu a Lista do Patrimônio Mundial. Até o momento, os sítios reconhecidos mundialmente como paisagem cultural relacionam-se a áreas rurais, a sistemas agrícolas tradicionais, a jardins históricos e a outros locais de cunho simbólico, religioso e afetivo. O reconhecimento do Rio de Janeiro culminará em uma nova visão e abordagem sobre os bens culturais inscritos na Lista do Patrimônio Mundial. Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br>

La Blache em 1908, no mesmo texto anteriormente referido, propunha examinar traços das obras do homem, perceptíveis em certas paisagens, afirmando o seguinte:

Sem cair num excesso de determinismo que não seria menos falacioso que o inverso, podemos afirmar que agrupamentos, cultivos, movimentos e relações humanas não escapam em nada a essa rede de causas e efeitos. Ainda que nem sempre o fizessem, os geógrafos do passado se preocupavam em explicar a posição das cidades mais importantes – embora não imaginassem voltar suas atenções às aldeias ou aos modos de agrupamentos mais simples. Entretanto, são as formas mais elementares as que melhor revelam os motivos pelos quais o homem teve de escolher tal lugar, em detrimento de outro, para nele criar condições seguras de existência [...] (LA BLACHE, 2012, p. 127).

A cidade nesta perspectiva constitui-se como o resultado da acumulação das diversas ações sociais ao longo do tempo. Conforme argumenta Oliveira; Silva (2008, p. 2-3) “[...] é, portanto, a cidade, a materialidade social acumulada no tempo, tendo em seu patrimônio histórico as memórias coletivas e urbanas acumuladas”. Esse caráter confere a diferenciação entre as paisagens urbanas, isto porque, cada grupo social confere um atributo distinto aos espaços em que vivem.

O conceito de “paisagem urbana” está associado ao conceito de patrimônio cultural urbano, na sua dimensão mais específica, relacionada ao patrimônio edificado, o qual é o foco empírico da pesquisa.

A análise do patrimônio edificado das cidades históricas portuárias do Recôncavo se faz sob a perspectiva, segundo a qual, sua produção espacial é o conjunto de objetos e ações, como resultado da ação humana, funcionando de forma indissociável (SANTOS, 1996), e sua organização espacial traduz a forma como o espaço foi estruturado ou é reordenado para o desenvolvimento das atividades humanas (CORIOLANO; SILVA, 2005). Ou seja, como território.

Portanto, associou-se aqui aos conceitos de produção e organização espacial, a categoria de paisagem urbana, que para Carlos (1994) constitui-se,

[...] como forma de manifestação do urbano que tende a revelar uma dimensão necessária da produção espacial, o que implica ir além da aparência; nesse contexto, a análise já introduziria os elementos da discussão do urbano considerado como processo. A paisagem de hoje guarda momentos diversos do processo de produção espacial, remetendo-nos ao modo pelo qual foi produzida (CARLOS, 1994, p. 43).

A perspectiva segundo a qual “[...] da observação da paisagem urbana depreendem-se dois elementos fundamentais; o primeiro dizendo respeito ao espaço construído; o imobilizado nas construções, e o segundo ao movimento da vida” (CARLOS, 1994, p. 50), são aqui também utilizados como parâmetro de análise. Dessa forma, a produção e organização do espaço do patrimônio edificado serão discutidas como elemento principal no contexto da paisagem, originados da ação dos agentes sociais, individuais e coletivos (VASCONCELOS, 2002).

Na mesma perspectiva apontada anteriormente, Santos (2004) entende a paisagem como resultante do processo de mudança da sociedade, gerando por sua vez mudanças na economia, nas relações sociais e políticas, em ritmos e intensidades variados, nada tendo de fixo ou imóvel. Ou seja, as heranças são expressas pelo conjunto de forma, que num dado momento representam as relações localizadas entre homem e natureza sucessivamente (SANTOS, 1996).

A paisagem urbana como categoria da Geografia, ajuda a revelar, através das formas materializadas no espaço geográfico, os processos históricos da relação sociedade/natureza, submetida a constantes processos de transformação. Para Santos (1988, p. 75), a paisagem não é total, é parcial e, em relação à configuração territorial “[...] é necessário compreendê-la dentro e em função da totalidade das coisas que a formam”.

Os objetos e infraestruturas implantadas pelos agentes em determinados momentos históricos, tais como o poder público e a iniciativa privada, resultam em novas formas urbanas e paisagens.

O conceito “paisagem” está relacionado ao conjunto de fatores históricos que a produziram, através de formas estáticas, também produzidas ao longo do tempo. Tais formas aparecem, transformam-se, permanecem ou desaparecem, mudando o contexto da paisagem que pode ter diferentes interpretações para quem a observa. Ou seja, a ideia de estático diz respeito às formas tangíveis, enquanto que a ideia de movimento refere-se ao intangível. Isto é, àquilo que diz respeito à produção e organização do espaço geográfico, gerando formas que compõem o conjunto das paisagens.

Para Yázigi,

A paisagem dos geógrafos é um termo e uma noção de uso fundamentalmente pedagógico. Para o turista ou para o cidadão comum, ela é objeto de contemplação e dos mais diversos significados. Oportuno ainda lembrar que a natureza (assim como o meio) não é paisagem: a primeira

existe em si, enquanto a segunda só existe em relação ao homem e segundo a sua forma de percebê-la. O fato de a paisagem ser patrimônio cultural, coletivamente percebido com memória e imaginário, não deixa de ser também uma porção do espaço que determina um envelope e um conteúdo de todas as representações paisagísticas desta porção do espaço (YÁZIGI, 2001, p. 34).

No sentido apontado por Yázigi percebe-se uma aproximação ao que Santos (2001) concebe como o território. Isto é, o território não apenas como palco, mas, sobretudo, como uma espécie de mediador da dinâmica social. Ou seja, o território também é sujeito na dinâmica socioespacial.

A investigação da produção associado ao espaço do patrimônio histórico edificado das cidades em tela pode ser revelador do processo de transformação no campo das diferenciações e das similaridades de uso dos espaços das mesmas. Para Lefebvre, as análises do “urbano”, da vida urbana, incluindo aí a sociedade urbana, “[...] não podem dispensar uma base prático - sensível, uma morfologia” (LEFEBVRE, 2001). Nessa perspectiva, o patrimônio edificado é a base material desta pesquisa, para daí compreender o seu papel no processo de evolução urbana da cidade e, consequentemente, de sua paisagem.

Um bom exemplo das diferenciações, acima mencionadas, está na interferência do poder público em centros históricos, enquanto conjunto ou em monumentos isolados mudando as funções. Para isso são utilizados incentivos fiscais na restauração de equipamentos urbanos que viabilizem a multimodalidade de seus usos, mantendo-se as formas e mudando as funções de alguns equipamentos, como é o caso dos conventos e mosteiros em vários países do mundo. Muitos destes passaram a exercer a função de hotéis e pousadas de alto luxo. Este fato revela de forma contundente a mudança nos modos de uso do patrimônio edificado público e privado em várias cidades do mundo.

No âmbito das investigações dos processos espaciais formadores das dinâmicas territoriais urbanas, a ciência geográfica tem grande parcela de contribuição, pois analisa a evolução espacial, através da história da construção material no processo do uso do território. Isto é, o uso do território pode ser definido pela implantação do que Santos; Silveira (2001) denominam de sistemas de engenharias. Ou seja, as novas funções do espaço geográfico são configuradas a partir da implantação de infraestruturas, mas também pelo dinamismo da economia e da sociedade. Concorda-se que,

São os movimentos da população, a distribuição da agricultura, da indústria e dos serviços, o arcabouço normativo, incluídas a legislação civil, fiscal e financeira, que, juntamente com o alcance e extensão da cidadania, configuram as funções do novo espaço geográfico (SANTOS; SILVEIRA, 2001, p. 21).

Isto se aplica na produção e na organização do espaço dos serviços urbanos, determinados para atender novas funções em cidades que ampliaram sua escala geográfica de relações, incluindo-se aí o fenômeno do turismo e, consequentemente, as infraestruturas necessárias ao seu desenvolvimento. Apesar de que é importante considerar que o espaço está em constante renovação. Isto é, o novo na verdade é o espaço que se transforma constantemente.

Segundo Santos (1988, p. 21), “[...] Os novos conhecimentos ‘científicos’ apontam para o reino do possível, enquanto sua realização concreta pertence mais ao domínio das condições econômicas, culturais e políticas”. Percebe-se na afirmação deste autor que, entre o domínio das ideias, da ciência e das ações existe uma lacuna que é balizada pelas forças do capital e da política.

Silva (2003, p. 21) afirma que “[...] atualmente, economistas, sociólogos, geógrafos e muitos outros profissionais destacam a relevância da integração local/global, com suas escalas intermediárias”. Trata-se de um fenômeno ligado cada vez mais a toda estrutura interna das regiões em diferentes escalas e sua capacidade de absorver as interferências da globalização econômica e sociocultural.

Entendemos a paisagem urbana como reflexo da produção do espaço pela sociedade, sendo este organizado pela estrutura social e técnica implantada por agentes sociais que produziram elementos fixos, materializados na forma tangível, modificando-se, por sua vez, no processo de transformação de suas funções no contexto urbano. Nesse sentido, coaduna-se com Rodrigues (2003, p. 108), que, com base em Santos (1985), afirma que “[...] embora pareça paradoxal, os fixos, expressos pelos objetos, compõem a paisagem dos núcleos receptores, que é essencialmente dinâmica, cuja leitura pode ser feita através do estudo da forma”.

Quanto à questão da produção do espaço, Carlos (2002, p. 48), considera que esta “[...] se realiza enquanto consequência do desenvolvimento do mundo da mercadoria, que, num determinado momento da história, produz o espaço enquanto valor de troca”, e continua afirmando que “[...] nesse sentido, o turismo e o lazer entram neste momento histórico como

momento de realização da reprodução do capital, enquanto momento da reprodução do espaço – suscitadas pela extensão do capitalismo”.

Nesta perspectiva de análise, portanto, a leitura do patrimônio pode viabilizar e revelar parte importante da interação da cidade com sua região de influência, com o espaço nacional e com o espaço global, como equipamento de apoio ao comércio, indústria, assim como no processo da vida de relações da cidade.

É neste sentido que partiremos para a nossa segunda categoria analítica, concebida também como o segundo conceito estruturante no processo de descrição e análise do objeto de pesquisa.