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Sumário: A paisagem como elaboração cultural. Um quadro de William Hodges

(1772): a paisagem que não é. Autonomia. A representação simbólica da natureza

na Idade Média. A criação da paisagem factual no Renascimento flamengo. Des- prezo de Miguel Ângelo pela paisagem. As paisagens fantásticas do Renascimento italiano. Século XVII: as paisagens ideais de Claude Lorrain, Poussin, Dighet e Salvator Rosa; a recuperação da paisagem factual na Holanda. Crescimento da pintura de paisagens em França na segunda metade do século XVIII. A beleza

pinturesca das paisagens. Insensibilidade paisagística do neoclassicismo. Arquéti-

pos. Romantismo, paisagem e memória. Interpretação nacional das paisagens. O

padrão paisagístico norueguês. Courbet e Frédéric Paulhan. O paisagismo como

contraponto da industrialização. Corot, «o mais “francês” dos pintores». Temas

russos. A pintura russa em busca de identidade. A «Revolta dos 14» e o Grupo

dos Ambulantes. O «realismo crítico». A valorização da paisagem. Isaac Levitan. O «círculo artístico de Abramtsevo» e a «colónia industrial» de Talachkino.

Vistas suecas. O Romantismo nacional sueco e a definição de uma suecialidade

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A deriva nacional da arte – Portugal, séculos XIX-XXI

Durante o século XIX, a procura de uma identidade colectiva na pintura percorreu vários caminhos. Os eruditos orientaram-se para o passado na expectativa de encontrar uma escola portuguesa de pintura. Os pintores ilustraram a história e os costumes populares, e contribuíram para a criação de vistas nacionais. A paisagem, que à primeira vista pode ser tomada como algo natural, preexistente ao homem, só existe como elaboração cultural. A paisagem é mais do que a porção de território que o olhar alcança; resulta desse olhar.

Um quadro de William Hodges (1744-1797) mostra até que ponto as paisagens são um produto histórico e cultural. Hodges integrou a expedi- ção de James Cook que, em 1772, circum-navegou a Antárctida durante quatro meses. Dessa viagem resultou o primeiro quadro representando aquela região polar. Depois do esforço despendido nesta tarefa, realizada em condições atmosféricas tão adversas, o pintor aportou à Nova Zelândia e, indiferente à novidade da sua obra, pintou por cima uma Vista do Porto

de Pickersgill. Embora não se conheçam os exactos motivos deste acto,

que poderá ter estado relacionado com uma eventual degradação, o mais provável é que a visão dos gelos não correspondesse aos padrões do que então se considerava uma paisagem. Hodges documentou visualmente a Antárctida mas não fez uma «paisagem», porque esta qualidade não era reconhecida a um mundo gelado. Talvez ninguém estivesse disposto a adquiri-la. E assim desapareceu um quadro de grande interesse histórico e artístico até ser redescoberto pelo raio X durante uma operação de restauro. Autonomia

A pintura de paisagem não surgiu de uma só vez, o que torna difícil dizer qual foi a primeira. Kenneth Clark fez há várias décadas um relato com- preensivo dessa criação. Na Idade Média, preponderava uma representação simbólica da natureza, visível nas montanhas rochosas da pintura gótica, de que Giotto é um dos exemplos maiores. Esses rochedos, que irrompem inesperadamente das planícies, conheceram uma grande voga no final do século XV.

Cerca de 1420, a paisagem de símbolos começou a ser substituída na Flandres por outra mais real. Coube a Hubert van Eyck dar o passo

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Paisagens nacionais

decisivo para uma paisagem factual. Também o seu irmão, Jan van Eyck, nos deixou extraordinárias paisagens nos segundos planos da Virgem do

Chanceler Rolin. Os fundos realísticos conheceram um grande incremento

nas décadas subsequentes e alcançaram uma expressão notável em Baldo- vinetti e Pollaiuolo.

Na centúria seguinte, refere Kenneth Clark, «a paisagem dos factos desaparece de Itália, e, com uma grande excepção, vinda do Norte da Europa, não reaparece até meados do século XVII». O forte sentido de observação que ainda se encontra nos fundos de Giorgione, Ticiano e Veronese acabou cedendo perante uma teoria artística que privilegiava o efeito dramático e considerava indigno o «prazer de reconhecer o objecto

pintado».[1] Segundo Miguel Ângelo, os prazeres da percepção deviam ser

substituídos por uma harmonia ideal. Francisco de Holanda, nos Quatro

Diálogos Sobre Pintura, apresenta-nos Miguel Ângelo a menosprezar a

pintura flamenga. «Eles pintam na Flandres», disse o mestre do Renas- cimento, «apenas para enganar a vista exterior, coisas que alegram e que são saudáveis. Pintam ninharias, tijolos e argamassas, a erva dos campos, a sombra das árvores, pontes e rios, a que eles chamam paisagens, com pequenas figuras aqui e ali. E tudo isto, se bem que possa parecer bom a alguns olhos, é na verdade feito sem razão, sem simetria ou proporção,

sem o cuidado de escolher ou rejeitar.»[2]

A pintura de paisagem não desapareceu no século XVI, mas foi domi- nada pelo elemento fantástico, tal como se observa nas cenas imaginá- rias e emotivas de Altdorfer, Piero di Cosimo, Leonardo da Vinci, Giulio Romano, Tintoretto e outros. O amaneiramento dos fundos só não foi maior porque Brueghel soube dar continuidade ao poder de observação de Hieronymus Bosch, cujos quadros aliam a mais extraordinária fantasia às paisagens verdadeiras dos segundos planos.

Após o Renascimento, a pintura de paisagem sujeitou-se a um con- ceito ideal. A natureza não devia ser tomada literalmente. A beleza a que os pintores aspiravam residia na escolha de perspectivas e combinações harmoniosas, ao serviço de uma ideia superior tantas vezes materializada em vistas campestres. É no âmbito desta pintura arcádica, pastoral, que Kenneth Clark coloca as paisagens do século XVII. Os aristocratas ingleses

1 Kenneth Clark, Paisagem na Arte. Lisboa, Editora Ulisseia, 1965 (?), p. 46. 2 Cit. por Kenneth Clark, ob. cit., p. 47.

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regressavam do Grand Tour com quadros de Claude Lorrain (1600-1682), Nicolas Poussin (1594-1665), Gaspard Dughet (1615-1675) e Salvator Rosa (1615-1673).

Com as suas composições características e as vastas e equilibradas perspectivas, tomadas de um ponto elevado, Lorrain e Poussin criaram

paisagens ideais assentes, não no rigor da perspectiva e da composição

geométrica, mas na sucessão de planos em claro-escuro, no uso da cor e no equilíbrio entre elementos horizontais e verticais. Poussin começou a pintar paisagens cerca de 1648, quando já tinha 54 anos, e colocou nelas a severidade geométrica que constitui uma marca do seu espírito, e o carácter heróico, que alguns temas reclamavam. Salvator Rosa, com cenas menos amplas e maior atenção às texturas, privilegiou o carácter sublime.

A pintura factual da paisagem renasceu na burguesa Holanda do século XVII. E renasceu em grande ao converter-se num género principal, onde grandes artistas puderam exprimir sem restrições o gosto pela natureza.

O século XVIII, ao identificar as qualidades estéticas da natureza, converteu-a num objecto de contemplação estética e revelou a beleza dos seus trechos mais recônditos e assustadores: montanhas, desfiladeiros e oceanos. No final do século XVIII, nomeadamente através de William Gilpin, afirmou-se a ideia de pinturesco, que é, nas suas palavras, aquela «beleza que fica bem num quadro». «Nem superfícies construídas com arte», especifica Gilpin, «nem mesmo aquelas alteradas pela agricultura

fazem parte deste tipo».[3] Em França, a progressiva atenção concedida

à natureza ficou marcada pelo aparecimento de quadros subintitulados

peint d’après nature e, já no século XIX, souvenirs. Apesar do incontestado

domínio da estética neoclássica, a paisagem foi o género que mais cresceu

nas exposições do Salon entre 1759 e 1781.[4]

No neoclassicismo, a paisagem não dispõe da autonomia que o Roman- tismo lhe vai conceder. A paisagem deveria estar harmonizada com o tema e valorizá-lo. As árvores, as plantas, o solo são representados em número e com a verosimilhança estritamente suficientes. Embora os estudos fossem feitos directamente da natureza, a composição era realizada no ateliê. Por

3 Observação feita em 1789, cit. por Maria Teresa Lencastre de Melo Breiner Andresen, Para a

Crítica da Paisagem. Aveiro, Universidade de Aveiro, 1992, pp. 62-63. Dissertação policopiada.

4 Françoise Cachin, «Le paysage du peintre», in : Pierre Nora (dir.), Les Lieux de Mémoire.

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Paisagens nacionais

volta de 1830, os artistas parisienses deslocaram-se para a floresta de Fon- tainebleau. A paisagem torna-se real, idílica, sensível, plena de memória. Em breve, de memória nacional.

Arquétipos

As paisagens pintadas contêm sempre uma ideia e, muitas vezes, uma ideologia, uma concepção do mundo. As «paisagens nacionais» são a expressão do amor à pátria. E se é verdade que a natureza pode ser amada sob múltiplas formas, uma delas consiste em associar o território e os valores da pátria. O hino nacional norueguês, composto pelo poeta Bjornstierne Bjornson em 1859, define o País pelas montanhas, arquétipo do que ele tem de original e eterno, cercadas pelo mar, que simboliza o estrangeiro. Mas a verdadeira paisagem nacional está, segundo Marc Maure, nos «vales cultivados e verdejantes, com as montanhas selvagens em segundo plano», que «constituem o motivo profusamente utilizado pelos pintores, escrito- res e músicos do romantismo nacional». Nos vales, sobretudo da metade sul da Noruega, isolados do progresso e do estrangeiro, viveriam os cam- poneses, elevados ao longo do século XIX a verdadeiros heróis nacionais

e antepassados do povo norueguês.[5]

Para amar a nação foi preciso conhecê-la, e para a conhecer tornou- -se indispensável pintá-la. Daqui decorre um corolário que é a marca da arte nacional: o génio artístico pode ser medido pela sua pertença a uma pátria (ainda que regional) e caracteriza-se pela capacidade de a exprimir de forma imediata e reconhecível. Era assim no princípio do século XX, quando Frédéric Paulhan considerou que «um dos sinais mais evidentes da superioridade do talento» era precisamente a capacidade de nos poupar à aprendizagem de um país. Tal como podemos conhecer os sentimentos, ideias e qualidades de Rembrandt unicamente através da sua pintura, tam- bém diante da paisagem de um mestre se penetra na alma de uma terra. Os quadros dão-nos, não uma natureza real, mas a sua «intimidade profunda».

Para ilustrar esta ideia, cita Corot, Chintreuil, Pointelin e Cottet.[6]

5 Marc Maure, «Le Paysan et le Viking au musée Nationaliste et patrimoine en Norvège au XIXe

siècle», in: Daniel Fabre (dir.), L’Europe Entre Cultures et Nations, p. 66.

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Não é casual a coincidência entre a popularização da pintura de pai- sagem e o processo acelerado de urbanização. O movimento demográfico dos campos para as cidades parece ser compensado por um movimento inverso do imaginário colectivo. Durante a III República (1870-1914), Corot foi unanimemente considerado «o mais “francês” dos pintores». Os críticos viam nas suas telas a medida, o equilíbrio e o «bom senso», tidos por qualidades nacionais. E, efectivamente, a paisagem nacional francesa, tal como se criou durante o século XIX, não é sublime, apesar de os Alpes e os Pirenéus conterem essa possibilidade (como aconteceu na Suíça), nem pitoresca. Françoise Cachin diz que a paisagem francesa é uma «mistura harmoniosa e indissociável de cultura e de natureza», que supõe uma certa

modéstia e «perpetua a imagem de um mundo antigo, mas trabalhado».[7]

Temas russos

A elaboração da identidade nacional está patente, em elevado grau, na pintura russa. Esse foi, aliás, o tema da exposição no Museu d’Orsay entre 20 de Setembro de 2005 e 8 de Janeiro de 2006, intitulada A Arte Russa

na Segunda Metade do Século XIX: em busca de identidade. Os pintores

Répine, Kramskoi e Savistsky e os fotógrafos Boldirev, Dmitriev e Mazurin, entre outros, largaram os modelos ocidentais, ensinados nas academias de Moscovo e de São Petersburgo, e abraçaram uma causa que acabou por tocar todas as artes.

Nos anos de 1860, a paisagem converteu-se numa das vias da procura generalizada dos temas russos. Como é habitual, sublinha-se o vínculo entre a natureza e o homem, nomeadamente através da visão do mundo rural ou da representação do folclore. «Amo esta natureza monótona da terra russa,» afirmou o escritor Saltykov-Chtchedrine (1826-1889), «não a amo por ela mesmo, mas pelo homem que ela formou no seu seio e que ela

explica.»[8] A jornalista do Público que fez a notícia de abertura da exposição

7 Françoise Cachin, art. cit., pp. 463 e 465.

8 Cit. por Galina S. Tchourak, «Terre russe: le paysage en pinture et en littérature», in: L’Art

Russe dans la Seconde Moitié du XIXe Siècle: en quête d’identité, Paris, Musée d’Orsay, 2005, p. 53.

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Paisagens nacionais

destacou a «impressão de viagem pela terra russa» que se desprendia das

salas dedicadas aos paisagistas.[9]

A «Revolta dos 14», em 1863, constitui um marco nesta caminhada em direcção à arte nacional. Catorze estudantes da Academia de São Peter- sburgo recusaram-se a participar no concurso de fim de estudos por serem obrigatórios os temas mitológicos ou clássicos. Desta atitude nasceu um novo realismo assente em temas russos contemporâneos, que se difundiu pelo Império através de exposições itinerantes. Durante três décadas, os chamados Ambulantes (Peredvijniki), entre os quais se contam Antokol- vski, Ilia E. Repine, Konstantin A. Savistsky, Nikolaï A. Iarochenko e Ivan N. Kramskoi (chefe do grupo), dominaram a cena artística russa com o seu realismo que, embora algo desfasado do contexto europeu, marca indele- velmente as paisagens, a pintura histórica, o retrato e a pintura de género. A busca do tema russo é portanto a expressão de uma nova geração de paisagistas, que procuraram integrar nos seus quadros vistas efectivas do território e do povo, em vez das expressões clássicas do século XVIII e da beleza idealizada do mundo rural comum no segundo quartel do século XIX. Estamos perante um «realismo crítico», nem pitoresco nem miserabi- lista, antes temperado pela esperança tranquila que provem da abolição da servidão em 1861. Os Ambulantes denotam uma forte consciência social, um sentimento de responsabilidade perante a colectividade. Esta pintura não só exprime a busca de uma identidade nacional como constitui uma das manifestações mais relevantes dessa inquietação que nutria a cultura russa. O quadro representando puxadores de barco à sirga no Volga (1873), de Repin, foi recebido como o primeiro de inspiração verdadeiramente

nacional.[10] Galina S. Tchourak, embora adaptando um discurso levemente

mitificador, afirma que através da paisagem os pintores russos «meditavam

sobre a missão da Rússia, o destino do seu povo».[11] A plena expressão deste

paisagismo foi atingida no final do século por Isaac Levitan (1860-1900), discípulo de Savrassov e de Polenov, com as suas vistas líricas, cheias de sentimento, exprimindo apreço pela força e serenidade campestres.

9 Ana Navarro Pedro, «Exposição inédita reúne em Paris 500 obras de arte russas do século

XIX», Público, Lisboa, 26 de Setembro de 2005.

10 Assim o considerou o crítico Vladimir Stassov (1824-1906) em Março desse ano. (Tatiana

Mojenok, «Écrivains progressistes et réalismes», L’Art Russe…, p. 69.)

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Esta corrente pictórica integra-se num vigoroso movimento neo- -russo, que se estendeu à arquitectura e às artes decorativas. Depois da influência bizantina, dominante na primeira metade de Oitocentos, operou- -se um retorno à tradição etnográfica que entusiasmou tanto os pintores, que ilustram contos populares, como os fotógrafos, que se dedicam, com devoção, a documentar o rico legado rural.

A arte nacional russa desenvolveu-se no chamado «círculo artístico de Abramtsevo», aldeia situada a 57 quilómetros de Moscovo. Este círculo, organizado nos anos de 1870 por um rico industrial amante das artes, Savva I. Mamontov, congregou alguns dos mais importantes artistas russos desse tempo e marcou a pintura, a arquitectura e as artes decorativas e

aplicadas.[12] Na sua grande quinta, os artistas promoveram a casa nacional

russa e pintaram quadros que deram a Abramtsevo o título de Barbizon russa. Vassily Polenov realizou dezenas de quadros com vistas deste local. O impulso prosseguiu nos anos noventa na «colónia industrial» de Tala- chkino, uma quinta perto de Flenovo (Smolensko). Aqui, a princesa Maria K. Tenicheva reuniu um conjunto de artistas que, embora com ideias nem sempre convergentes, cultivaram a inspiração etnográfica em móveis e

utensílios domésticos.[13]

Vistas suecas

No final do século, emergiu na Suécia uma corrente que haveria de se tor- nar dominante no início da centúria seguinte. Michelle Facos chamou-lhe

Romantismo Nacional.[14] Os pintores concentraram-se em temas e valores

considerados tipicamente suecos. Os mais progressivos, que se haviam deslocado para Paris no final dos anos setenta, adoptaram, num primeiro momento, as correntes cosmopolitas, especialmente o Naturalismo e o

12 No artigo dedicado ao círculo artigo de Abrantsevo, Eleonora Paston destaca a presença dos

seguintes artistas: Ilia E. Repine, Vassily D. Polenov, Viktor M. Vasnetsov, Mark M. Antokolvsky, Valentin A. Serov, Konstantin A. Korovine, Mikahil A. Vroubel, Elena D. Polenova, Mokhaïl V. Nesterov, Apolinary M. Vasnetsov e Ilia S. Ostrooukhov. (Eleonora Paston, «Le cercle artistique de Abramtsevo», L’Art Russe…, pp. 162-173. Ver ainda, neste catálogo, Irina V. Plotnikova, «L’atelier de menuiserie d’Abramtsevo. Naissance d’un style», pp. 174-179.

13 Olga Strougova, «Les ateliers de la princesse Tenicheva à Talachkino», L’Art Russe, p. 184. 14 Michelle Facos, Nationalism and the Nordic Imagination. Swedish art of the 1890s. Berkeley –

Los Angeles – London, University of California Press, 1998. As citações foram extraídas das pp. 47 e 189.

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Impressionismo. No entanto, uma década depois, encaminharam-se deci- didamente no sentido do estabelecimento de uma «escola nacional de

arte».[15] Richard Bergh, um dos nomes cimeiros deste movimento, não

só pediu aos artistas que criassem uma arte sueca, como, em artigo de 1902, intitulado «Arte nacional», contestou com vigor a universalidade estética: «A autêntica arte nórdica deve distinguir-se tanto da autêntica arte mediterrânica como o abeto do pinheiro. O carácter geral da natureza de um país também tem de ser visível na sua arte.»

E efectivamente a paisagem natural ocupa um lugar decisivo. A tendên- cia para acentuar a relação entre as pessoas e o ambiente natural conduziu à convicção de que o passado se encontra melhor preservado nas aldeias. É a comunhão intemporal, quase bíblica, com a natureza que justifica em grande medida a admiração votada pelos pintores suecos ao quadro Ange-

lus (1859-60), de Jean-François Millet (1814-1875). Anders Zorn e Eric

Werenskiold integram os temas campestres numa espécie de harmonia cósmica. Helmer Osslund e Gustaf Fjaestad, artistas da segunda geração, deram continuidade ao interesse pela paisagem sueca. O primeiro fixou o colorido da mudança de estações. O segundo especializou-se em cenas de neve e saiu, em 1897, para a província oeste de Värmland, celebrada pelas suas florestas. O Nosso País: Motivo de Dalsland, de Otto Hesselbom, foi considerado o «epítome da paisagem sueca» e «um símbolo do sentimento patriótico sueco sobre a paisagem do Norte».

As paisagens nacionais, em estado natural ou habitadas pelo povo, constituíram um poderoso motor de transformação da pintura europeia no século XIX. A cultura dominante acolheu com regozijo estes regressos ao campo, premiando com admiração fervorosa os artistas que realizavam a tradução plástica do patriotismo. Em Portugal, Silva Porto e José Malhoa, na pintura, e Domingos Alvão, na fotografia, foram os principais criadores dessa Arcádia muito amada.

15 Entre os pintores suecos do Romantismo Nacional que fizeram estadas longas em Paris contam-se

Georg Pauli (1855-1935), que chegou em 1875, Carl Larsson (1853-1919), que chegou em 1877, Nils Kreuger (1858-1930), em 1881, Karl Nordström (1855-1923) e Richard Bergh (1858-1919) em 1881, o Príncipe Eugen (1865-1947), em 1887, quando os seus colegas mais velhos já estavam de regresso à Suécia. Anders Zorn (1860-1920) e Bruno Liljefors (1860-1939) não viveram largos períodos em Paris, mas pertencem ao mesmo movimento e estiveram em contacto estreito com os anteriores pintores. Na segunda geração, destacam-se Helmer Osslund e Gustaf Fjaestad