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O Pan-Islamismo e o Jihadismo

3. O jihadismo e os vácuos identitários de uma construção nacional

3.2 O Pan-Islamismo e o Jihadismo

A expressão mais marcada do movimento pan-islâmico é precisamente a Irmandade Muçulmana fundada, tal como referido anteriormente, logo em 1928 por Hassan al-Banna. Em 1949, aquando do assassinato de al-Banna e da detenção de 400 membros da Irmandade pela polícia egípcia (com o objectivo de dissolver a organização), esta havia já conquistado cerca de dois milhões de aderentes e estaria já espalhada um pouco por todo o mundo islâmico.122

A rápida expansão da Irmandade e a resiliência da mesma são reflexo do ambiente de tensão, então vivido, entre as elites governativas e as comunidades muçulmanas. Ainda em 1932 surge o primeiro movimento jihadista na Palestina o qual só seria acalmado com a intervenção britânica em 1941.

De carácter profundamente nacionalista, a revolta palestiniana contra a legitimação internacional da ideologia sionista e a, consequente, migração judaica, foi amplamente impulsionada por apelos dos próprios imãs à população. O chamamento generalizado à jihad era feito com frequente recurso às palavras de Taimiya e Wahab, tendo sido liderado pelo Grande Mufti de Jerusalém e apoiado por um braço armado da Irmandade Muçulmana. Ainda no contexto do activismo islâmico será de salientar a formação do movimento político Jamaat-i-Islami (decalcado da Irmandade), no início da década de quarenta pelo jornalista indiano Abu l’Ala Maududi. Este assume-se como forte opositor à composição de um Estado laico pois, à semelhança de al-Banna, considera que todas as esferas da vida humana, incluindo a política são domínio de Deus. Na sua lógica, a necessidade de defender e proteger as comunidades islâmicas justificariam o recurso à violência, o qual era, frequentemente invocado. A pegada deixada por Maududi aliada à crescente expansão do pensamento wahabista, originariam as madrassas deobandi no Paquistão de onde nasceria o movimento talibã.123

A partir da Segunda Guerra Mundial a presença europeia no Médio Oriente é altamente desgastada e substituída pela influência americana e soviética. Um dos marcos desta viragem é a revolução egípcia de 1952 e a ascensão ao poder do ex-membro da Irmandade Muçulmana, Gamal Abder Nasser. Uma das consequências imediatas da governação de Nasser é a nacionalização do Canal do Suez, acto que provocou a ira dos britânicos, os quais, volvidos quatro anos, invadem o Egipto com o apoio da França e de Israel. A actuação do Reino Unido foi altamente criticada pelos EUA e pela União Soviética que no término da guerra sedimentariam a sua influência no Médio Oriente. O Reino Unido e a França saíram derrotados e abdicaram da manutenção da ordem regional. Um dos efeitos deste desfecho, para além da

122Friedland, Elliot (2015). Special Report: The Muslim Brotherhood, The Clarion Project [consultado a 13 de Fevereito de 2016] disponível em: https://www.clarionproject.org/sites/default/files/Muslim- Brotherhood-Special-Report.pdf

123 Migaux, Phlippe (2007). The Roots of Islamic Radicalism, In Chaliand, Gérard  Blin, Arnauld (Eds),

aproximação dos Estados do Médio Oriente aos EUA e à União Soviética, foi o impulso no nacionalismo árabe liderado pelo carismático presidente egípcio Gamam Nasser.124

Ainda no rescaldo da Segunda Grande Guerra surgiram vários movimentos nacionalistas seculares no mundo árabe, focados essencialmente na luta contra a ocupação colonial. O falhanço destes movimentos abriu espaço para a consolidação dos movimentos fundamentalistas islâmicos. Com o objectivo de acalmar as convulsões sociais e de travar as forças de oposição marxistas leninistas que cresciam no seio dos Estados árabes, as autoridades governativas dos países muçulmanos fomentaram o crescimento dos movimentos religiosos fundamentalistas (ideologicamente opostos às doutrinas marxistas e de esquerda patrocinadas pela União Soviética). Uma vaga de movimentos fundamentalistas invadiu o mundo árabe. Na Argélia e em Marrocos, cristalizavam-se sentimentos de identidade cultural no seio das escolas e das universidades, onde professores expulsos dos seus países por ligações à Irmandade Muçulmana, ensinavam os preceitos fundamentalistas do Islamismo.

As ideologias fundamentalistas islâmicas apresentavam-se como uma solução para estes países, perante o falhanço dos regimes marxistas-leninistas. No Paquistão, a partir de um golpe de Estado, em 1977, é aplicada a teoria política de Maududi, a qual provocou sentimentos de descriminação na população xiita e conduziu a um conflito entre sunitas e xiitas. Também na Indonésia, na sequência do golpe de Estado de 1965, apesar de não ter sido implementada a sharia, foi bastante promovido o crescimento e proliferação dos grupos e milícias fundamentalistas islâmicos com o intuito de travar uma potencial subversão comunista. O movimento espalhou-se por todo o sudeste asiático com a aprovação tácita dos EUA.125 Na década de setenta o fundamentalismo islâmico já se havia tornado um movimento

global, híbrido e com diversas reclamações Ele era resultado de uma aliança entre vários segmentos populacionais.126 Cientes da ameaça apresentada pelo fundamentalismo islâmico

cujo exemplo material se espelhava na revolução xiita iraniana os governos destes países optaram por combater as ambições revolucionárias destes movimentos fundamentalistas através da sua fragmentação. Assim as autoridades reforçaram os seus laços com a classe

124 Aguns autores como Kissinger afirmam que a oposição à presença de Israel no Médio Oriente terá sido o elemento ideológico com maior poder de agregação do nacionalismo árabe e maior impulsionador do movimento pan-arabista. Espelho desta reflexão terá sido a união dos países árabes na luta contra o inimigo comum, Israel, que se materializou numa coligação que entrou em vários momentos em guerra contra Israel, nomeadamente na guerra dos sete dias, na guerra de 1948, 1956, 1967 e 1973. Consultar em: Kissinger, Henry (2014). World Order: Reflections on the Character of Nations and the Course of

History, Penguin Press.

125 Migaux, Phlippe (2007). The Roots of Islamic Radicalism, In Chaliand, Gérard  Blin, Arnauld (Eds),

History of Terrorism: from antiquity to al-Qaeda, pp.255-349.

126 Os principais aderentes a este movimento eram as populações mais jovens, as quais, fruto do explosivo êxodo rural nos países de Terceiro Mundo, viviam nas urbanizações citadinas e tinha acesso a alguma educação; a burguesia mercantil excluída do processo de descolonização e emigrantes de classe média e alta, os quais, se haviam mantido excluído dos círculos políticos. Consultar em: Migaux, Phlippe (2007). The Roots of Islamic Radicalism, In Chaliand, Gérard  Blin, Arnauld (Eds), History of Terrorism:

média e com os teólogos radicais que estavam associados aos círculos conservadores, os quais manipulavam o grande corpo do movimento fundamentalista islâmico composto pelos mais pobres. Esta estratégia resultou a curto prazo, contudo, o isolamento da camada social mais marginalizada e pobre tornou-a vulnerável à manipulação de outros grupos jihadistas.127

Perante a incapacidade dos países islâmicos em alcançar o ideal de progresso económico e em melhorar as condições de vida da população, a contestação social tornou-se mais visível abrindo espaço para a proliferação da doutrina pan-islâmica. Com efeito, por esta altura as ideologias pan-arabistas haviam já desvanecido128 e as políticas seculares e socialistas

também se haviam demonstrado incapazes de responder aos problemas políticos, económicos e sociais destes Estados. A corrupção dos fechados círculos governativos, a aplicação generalizada dos instrumentos de opressão para lidar com os movimentos de oposição, nomeadamente religiosos; e a incapacidade destes regimes em alterar o paradigma de desigualdade e de pobreza presente nas suas sociedades, conduziu a uma cristalização do pan-islamismo, o qual, advogava uma forte crítica aos excessos e fracassos dos governos, juntamente com a necessidade implementar uma teocracia dotada de inspiração divina pois esta seria a única solução capaz de resolver os problemas da comunidade muçulmana.129

Neste contexto, um reavivamento da religiosidade invadiu as sociedades muçulmanas

“Raparigas cujas mães e avós haviam abandonado o véu, de repente começaram a vestir-se de uma forma mais conservadora. Os jovens aderiram aos movimentos islâmicos, muitos deles pacíficos, mas alguns violentos, em protesto contra governos autoritários e contra o materialismo e secularismo das sociedades ocidentais” (Shitrit e Lee, 2013:214)

O fundamentalismo e o radicalismo islâmico haviam, simultaneamente, na década precedente ganho novo impulso com os escritos de Qutb, no seio da Irmandade Muçulmana. Relembremos que Qutb era acérrimo defensor da jihad contra infiéis e muçulmanos apóstatas (como as elites que governavam sem respeito pelo Islamismo e em concordância com os seus interesses próprios, “corrompidas” pelas potências ocidentais). No seio dos movimentos radicalistas islâmicos a jihad era proclamada como o 6º pilar do Islão130 e apregoava-se que os

muçulmanos teriam não só o direito mas também o dever de lutar contra o estado de jahiliya ignorância, (Maudadi 1903-1979  Qutb, 1906-1966),131 no qual as suas comunidades haviam

127 Ibdem.

128 A pesada derrota sofrida pela coligação árabe na guerra dos Seis Dias de 1967, durante a qual o

carismático líder no movimento nacionalista árabe, o presidente egípcio Gamar Abder Nasser, foi assassinado, teve um grande impacto no pan-arabismo. Este evento representou uma forte derrota psicológica para os Estados árabes e conduziu a uma desilusão com o mesmo, alimentada pela frustração de não conseguirem derrotar Israel e de serem humulhados em derrotas nos conflitos com este inimigo não-árabe. Consultar em: Lust, Ellen (2013). The Middle East, Thousand Oaks, California, SAGE - CQ Press.

129 Lust, Ellen (2013). The Middle East, Thousand Oaks, California, SAGE - CQ Press.

130 Argumento centra da obra “The Absent Obligation” de Abd al-Salam Faraj. Consultar ponto 2.1.2.

caído, em larga medida, graças à natureza corrupta dos regimes vigentes.132 Muitos destes

movimentos nasceram nas comunidades urbanas no contexto de uma burguesia recém literada e no meio académico/universitário, no qual, professores, tal como o próprio al-Banna, fundador da Irmandade Muçulmana, manipulavam o descontentamento social a favor do fundamentalismo islâmico.