• Nenhum resultado encontrado

Papel da Linguagem e da Cognição em Resolução de Problemas Matemáticos

2.1 COMPREENSÃO LEITORA

2.1.4 Papel da Linguagem e da Cognição em Resolução de Problemas Matemáticos

A linguagem é essencial para comunicação entre seres humanos. É através da linguagem que se consegue interagir mais dinamicamente com outras pessoas. Os seres humanos são dotados de capacidades cognitivas diferentes de outros animais.

Muitas diferenças notáveis separam as habilidades cognitivas humanas das de outros animais, incluindo chimpanzés. Por um lado, temos uma habilidade estranha para desenvolver sistemas de símbolos, incluindo uma linguagem matemática. Nós também somos dotados de um órgão de linguagem cerebral que nos permite expressar nossos pensamentos e compartilhá-los com outros membros de nossa espécie. Finalmente, nossa capacidade de elaborar planos intrincados para ações, com base em uma memória retrospectiva de eventos passados e em uma futura memória de possibilidades futuras, parece ser única no reino animal (DEHAENE2, 1997,

p.40, tradução nossa).

2 Many outstanding differences separate human cognitive abilities from those of other animals, including

chimpanzees. For one thing, we have an uncanny ability to develop symbol systems, including a mathematical language. We are also endowed with a cerebral language organ that enables us to express our thoughts and to share them with other members of our species. Finally, our ability to devise intricate plans for actions, based on both a retrospective memory of past events and a prospective memory of future possibilities, seems to be unique in the animal kingdom.

Nas Diretrizes Curriculares Municipais (PONTA GROSSA, 2015), quando colocados alguns caminhos para trabalhar a Matemática na sala de aula, enfatiza-se que a bagagem de conhecimento que as crianças trazem do seu espaço social influencia na construção do conhecimento matemático. É parte integrante das atividades matemáticas escolares o desenvolvimento do conhecimento matemático, que acontece pelo raciocínio lógico, e o conhecimento lógico-matemático, o qual decorre das relações que o indivíduo mantém com os objetos de conhecimento. Essas relações cognitivas que o indivíduo faz desenvolvem o seu raciocínio lógico, levando- o à compreensão dos conceitos fundamentais da Matemática. Os conhecimentos prévios que a criança traz também são proveitosos para esse mesmo fim.

Os PCN (1997), apresentando objetivos gerais para o ensino de Matemática, destacam a exploração de situações-problema, ficando evidenciada a importância de envolver a linguagem na construção cognitiva do conhecimento matemático, pois,

Ao colocar o foco na resolução de problemas, o que se defende é uma proposta que poderia ser resumida nos seguintes princípios: • o ponto de partida da atividade matemática não é a definição, mas o problema. No processo de ensino e aprendizagem, conceitos, ideias e métodos matemáticos devem ser abordados mediante a exploração de problemas, ou seja, de situações em que os alunos precisem desenvolver algum tipo de estratégia para resolvê-las; • o problema certamente não é um exercício em que o aluno aplica, de forma quase mecânica, uma fórmula ou um processo operatório. Só há problema se o aluno for levado a interpretar o enunciado da questão que lhe é posta e a estruturar a situação que lhe é apresentada; • aproximações sucessivas ao conceito são construídas para resolver um certo tipo de problema; num outro momento, o aluno utiliza o que aprendeu para resolver outros, o que exige transferências, retificações, rupturas, segundo um processo análogo ao que se pode observar na história da Matemática; • o aluno não constrói um conceito em resposta a um problema, mas constrói um campo de conceitos que tomam sentido num campo de problemas. Um conceito matemático se constrói articulado com outros conceitos, por meio de uma série de retificações e generalizações; • a resolução de problemas não é uma atividade para ser desenvolvida em paralelo ou como aplicação da aprendizagem, mas uma orientação para a aprendizagem, pois proporciona o contexto em que se pode apreender conceitos, procedimentos e atitudes matemáticas. (BRASIL, 1997, p. 32-33)

Portanto, de acordo com as Diretrizes Curriculares Municipais (2015) e com os PCN (1997), o foco na resolução de problemas, de aspectos cognitivos envolvidos no fazer pedagógico com relação à Matemática, está complementando as ideias defendidas pelo “pai da Resolução de Problemas”, George Polya (2006). Segundo Onuchic, Leal Junior e Pironel (2017, p. 177), as propostas de Polya “podem ser vistas como conselhos metacognitivos para resolver problemas”.

Esse pensar sobre a resolução de problemas, em que o aluno irá analisar os dados e as informações, enfatiza o grande valor da expressão oral e escrita de cada um, em que, através da busca de estratégias de resolução, do entendimento dos porquês das soluções encontradas, a aprendizagem acontece de maneira mais dinâmica, ou seja, é um aprender a aprender.

Juntamente a essa base pedagógica também se situa uma base filosófica. Gottschalk (2014) salienta que aprender o significado de uma palavra pode consistir na aquisição de uma regra ou um conjunto de regras, que governa o seu uso. Em consonância com essa ideia, a Matemática é repleta de conceitos, regras, enfim apresenta uma linguagem própria da área, a qual precisa ser ensinada nas aulas. Isso porque, para envolver todo esse trabalho pedagógico com a compreensão leitora, os alunos precisam estar habituados a, quando estiverem participando das aulas, falar os termos matemáticos adequados e corretos para participarem do processo de ensino-aprendizagem. Assim,

Alguns alunos têm dificuldades na matemática porque não sabem ler os números corretamente. Os números não são feitos só de algarismos. A combinação de algarismos expressa por si, no todo, realidades matemáticas que têm propriedades específicas. [...] Tudo o que se ensina na escola está diretamente ligado à leitura e depende dela para se manter e se desenvolver. (CAGLIARI, 2009, p.131).

Segundo Smole e Diniz (2001, p. 23), “os símbolos de matemática, como as letras ou os caracteres em outras linguagens, formam a linguagem escrita da matemática”.

Por esta razão, é importante envolver a linguagem própria da Matemática quando se trabalha com a proposta de resolução de problemas, já que esta apresenta um vocabulário específico da área. O entendimento da linguagem matemática é o que sustenta a compreensão dos alunos.

Paralelamente ao trabalho com a linguagem específica na Matemática, alguns aspectos cognitivos do aluno estão envolvidos. Destacam-se: “[...], sobre a elaboração dos símbolos, sobre o esclarecimento quanto às regras que tornam certas formas de escritas legítimas e outras inadequadas e [...] sobre o desenvolvimento de habilidades de raciocínio com apoio da linguagem oral”. (SMOLE, DINIZ, 2001. p.17).

Na BNCC (BRASIL, 2017, p. 263), também se salienta que, apesar de a Matemática ser uma ciência “hipotética dedutiva, é de fundamental importância

também considerar o papel heurístico das experimentações na aprendizagem da Matemática”, já que o aluno aciona seus conhecimentos prévios, experimenta formas de resolução, dialoga sobre a situação-problema, buscando caminhos para encontrar as respostas.

Nas Diretrizes Curriculares Municipais (PONTA GROSSA, 2015, p. 47), evidencia-se que, nos primeiros anos, os alunos precisam de material concreto e, aos poucos vão abstraindo. Daí a necessidade da exploração oral já que, no quarto e 5º anos, avançam em suas representações, possibilitando o uso de estratégias.

Considerando essas afirmações, dar lugar à expressão dos alunos com relação aos conteúdos de Matemática é estar contribuindo para o aperfeiçoamento de suas capacidades cognitivas relacionadas à compreensão leitora de problemas matemáticos.

Em consonância com essas considerações sobre linguagem e cognição, a psicologia cognitiva contribui. Conforme estudos de Sternberg (2008):

Nossa compreensão do que lemos depende de várias capacidades. Em primeiro lugar, de acessar o significado das palavras, seja como base de memória, seja com base no contexto. Em segundo, de deduzir significados de ideias fundamentais daquilo que lemos. Terceiro, de formar modelos mentais que simulem situações sobre as quais lemos. E quarto de extrair as informações fundamentais do texto, com base em contextos nos quais lemos e nas formas como pretendemos usar o que lemos. (STERNBERG, 2008, p. 356)

Essa concepção de Sternberg (2008) abrange conceitos relevantes para esta pesquisa, principalmente, na fase da análise quando os simulados serão postos para discussão.

Assim, as capacidades expostas de acessar e deduzir significados, formar modelos mentais e extrair informações são necessárias à compreensão visto que o aluno lê e faz relação com seus conhecimentos anteriores, os quais ficaram arquivados em sua memória, extraindo o que é necessário para resolver uma determinada situação-problema. Essa fase da compreensão é uma das primeiras ações para resolução, a qual será demonstrada na prática com os simulados, abrangendo o foco desta pesquisa.

Desse modo, no momento em que as fases de Polya (2006) são colocadas na prática, possivelmente essas capacidades irão aparecer e, o acessar significado, deduzir significados, formar modelos mentais e extrair informações fundamentais

estarão ligadas ao compreender, planejar, executar e verificar das situações- problema. Essa interligação entre as capacidades de compreensão e as fases estabelecidas por Polya (2006) podem ser exploradas na leitura de itens por meio de estratégias propostas para antes, durante e depois da leitura conforme propõe Solé (1998).

Essa leitura de itens e toda exploração envolvida, colocam em pauta Polya (2006) e Solé (1998), dois subsídios teóricos relevantes na prática da compreensão leitora no processo de resolução de problemas matemáticos. A questão será tratada com praticidade no momento de análise dos dados.

Freitas, Ferreira e Haase (2010) dizem que os estudos acerca de cognição e linguística não têm se restringido a aspectos inerentes à competência da linguagem, mas abarcam relações entre ela e as dimensões relativas à memória, funções executivas, inteligência e habilidades aritméticas.

Desse modo, aspectos cognitivos estão envolvidos no fazer pedagógico com situações-problema e “a problematização inclui o que é chamado processo metacognitivo, isto é, quando se pensa sobre o que se pensou ou fez” (SMOLE; DINIZ, 2001, p. 94).

É necessário que o professor esteja ciente do papel da memória3, pois segundo Izquierdo (2002, p. 16), o “conceito de memória envolve abstrações [...]”. Nesse caso, a memória operacional entra em cena, pois “determina se a informação é nova ou não e, deve ter acesso às memórias preexistentes”. (IZQUIERDO, 2002, p. 20).

Assim, considerando esse conceito de memória e o citado no parágrafo envolvendo as Diretrizes Curriculares Municipais4, na fase do quarto e 5º ano (população deste estudo), as crianças representam mais as convenções e começam a abstrair as informações.

Matlin (2003, p.105-112) apresenta algumas considerações sobre o uso da memória: o treino da memória através do uso distribuído ao longo do tempo; estimulação por meio da imaginação visual, de palavras chave; uso para a

3 “Memória é a aquisição, a formação, a conservação e a evocação de informações. A aquisição

também é chamada de aprendizagem: só se grava aquilo que foi aprendido. A evocação é também chamada de recordação, lembrança, recuperação. Só lembramos aquilo que gravamos aquilo que foi aprendido”. (IZQUIERDO, 2002, p. 9).

4 [...] “No quarto e quinto ano, as capacidades cognitivas avançam, passando das representações

pessoais para as convencionais, possibilitando análise de diferentes estratégias”. (PONTA GROSSA, 2015, p. 47).

organização, por exemplo, de itens em uma série de classes. Por fim, o autor salienta a abordagem multimodal de como o contexto influencia a memória por meio da evocação de informações já aprendidas.

A memória declarativa, segundo Izquierdo (2002), também entra em cena, pois essas memórias registram fatos, eventos ou conhecimentos. Desse modo, trabalhar de maneira dinâmica em sala de aula, propondo situações desafiadoras e interativas, dando lugar para a expressão dos alunos faz a diferença, já que se guarda o que se torna mais significativo.

Essas considerações são pertinentes quando se trata de estratégias para desenvolver a capacidade de resolver problemas, tão importantes na área da Matemática. Os processos cognitivos na resolução de problemas envolvem planejamento para resolver partes, elaborar planos e empregar estratégias, e que a resolução de problemas necessita da atenção e memória.

Desse modo, a compreensão pode ser alcançada quando está dentro de um contexto de sala de aula com repertório rico de informações, em que a escolha entre diversas soluções, as quais estão combinadas com interação e socialização entre alunos-alunos e professor-alunos, permite chegar a uma resposta correta.

Há de se considerar também que, “de forma semelhante ao que ocorre na linguagem, o cérebro humano tem características que o habilitam a lidar com os números.” (COSENZA, GUERRA, 2011, p. 108). Desse modo, os conhecimentos prévios e a memória são muito importantes no trabalho com a compreensão leitora de problemas matemáticos. Por esse motivo,

As pesquisas visando a compreensão de como o cérebro lida com os números, [...] mostram que pelo menos três regiões cerebrais envolvidas nessa função. [...] O primeiro é a percepção das quantidades, [...]. O segundo que se ocupa da decodificação dos algarismos arábicos, [...]. O terceiro circuito, que nos possibilita perceber a representação verbal dos algarismos, se localiza em uma região cortical do hemisfério esquerdo e parece envolver regiões temporo-parietais, que são ligadas ao processamento da linguagem. [...]. A capacidade de fazer cálculos de forma precisa parece depender de uma participação das áreas da linguagem e, portanto, do envolvimento do hemisfério esquerdo. [...]. A realização de cálculos precisos faz uso, portanto, das áreas relacionadas com a linguagem, enquanto a estimativa aproximada depende de regiões não verbais, que lidam com o processamento espacial e visual. [...]. Os fatos da multiplicação, por exemplo, são aprendidos com o envolvimento da linguagem e da memória declarativa e, [...], é bom ter em mente que uma criança com dificuldade de leitura ou linguagem pode acabar tendo dificuldades na aprendizagem matemática. (COSENZA, GUERRA, 2011, p.112-113, grifo nosso).

Todo esse trabalho torna-se significativo, à medida que se pode observar o quanto é importante o trabalho com a linguagem na área da Matemática, a qual permeia o fazer pedagógico da compreensão leitora de problemas matemáticos.

Nota-se que todo esse fazer, além de envolver a construção do conhecimento matemático, envolve a expressão oral e escrita, algo relevante na interação dos alunos em sala de aula. Aqui é que as estratégias entram em cena, as quais serão abordadas com mais especificidade na próxima seção.