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O PAPEL DA GOVERNANÇA NA GESTÃO AMBIENTAL VOLTADA PARA O DESENVOLVIMENTO LOCAL

3 DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E MEIOS DE VIDA: UMA DISCUSSÃO

3.5 O PAPEL DA GOVERNANÇA NA GESTÃO AMBIENTAL VOLTADA PARA O DESENVOLVIMENTO LOCAL

O desenvolvimento sustentável local depende de um protagonismo local e precisa ser abraçado por modelos de governança que reflitam a dinâmica, a complexidade, a imprevisibilidade e a heterogeneidade da natureza dos sistemas ecológicos e humanos (BERKES, 2002). Num ambiente profundamente modificado por grandes empreendimentos, o alcançar do desenvolvimento sustentável local pode ser influenciado pelo nível de governança encontrado na unidade socioterritorial.

O conceito de governança que mais se encaixa no processo de análise dos limites do desenvolvimento local e sustentável em ambiente de grandes empreendimentos é o apresentado pela Comissão Européia: entende-se por governança as “regras, processos e comportamentos que afetam os caminhos em que o poder é exercido, em particular com referencia à participação, responsabilização, efetividade e coerência” (Comissão Européia em BURSZTYN, 2008p. 5). Para não confundir com outras categorias de governança, como a corporativa, categoriza-se aqui a governança ambiental como “um conjunto de processos, mecanismos e organizações pelo qual atores políticos influenciam ações ambientais e seus resultados” (AGRAWAL e LEMOS, 2006, p. 298).

Um exemplo da interferência da governança no desempenho do desenvolvimento sustentável local é a avaliação errônea da escala da governança. A persistência da degradação ambiental, ou da deterioração do ambiente social local, pode ser o resultado da falta de atenção com as escalas (geográfica e institucional) da governança e da necessidade de ligação entre elas (LAUDATI, 2008), especialmente porque há a tendência dos sistemas de larga escala em falhar na preservação dos nichos ecológicos de alto risco (OSTROM, 1990) e os sistemas de governança local podem não ter competência para combater problemas ambientais que extrapolam fronteiras políticas. Alguns autores defendem que a gestão ambiental de resultado talvez necessite de investimentos na governança transescalar (OSTROM, 1990) e (BERKES, 2002), em diferentes escalas geográficas – local, regional, nacional e internacional- e diferentes escalas institucionais – sociedade civil organizada e diferentes níveis de governo.

O caráter multiescalar dos problemas ambientais adiciona uma complexidade significativa a essa governança (AGRAWAL e LEMOS, 2006). Um dos motivos de tal

84 complexidade é que as causas e consequências desses problemas levantam preocupações a respeito dos custos e benefícios das questões ambientais. Nesse debate, um exemplo pode ser o aquecimento global do clima, que tem sua principal causa nos países mais desenvolvidos, por serem estes os maiores emissores dos gases de efeito estufa, embora os mais dramáticos efeitos nem sempre sejam sentidos pelos países que mais emitem esses gases. Lemos e Agrawal (2006) levantam uma série de exemplos de distribuição espacial dos problemas ambientais, como mudanças climáticas, chuva ácida, diminuição da camada de ozônio e poluição das águas transnacionais. Para eles, esses problemas transcendem as fronteiras dos países e exigem uma governança diferenciada para a implementação de soluções possíveis (AGRAWAL e LEMOS, 2006).

Outro exemplo é a construção de grandes empreendimentos de geração de energia hidrelétrica, bastante defendidos por se tratar de geração de energia renovável. Mas que, no entanto, causa profundos danos locais que afetam diretamente os meios de vida da comunidade. Esses problemas são conhecidos por diversos estudos de impactos e também por análises encomendadas pelo Banco Mundial e por governos nacionais e subnacionais ou estaduais. Apesar desse conhecimento, as soluções são postergadas e os investimentos nessa fonte de geração de energia continuam sendo incentivados. Esse exemplo mostra que a governança local não foi capaz de influenciar as decisões macro, num diálogo dos sem voz, e a governança central (centro político tomador de decisão) desconsidera os argumentos locais (HERNÁNDEZ, 2006).

Tendo como base o argumento da necessidade de uma governança transescalar para a gestão ambiental de territórios afetados por grandes empreendimentos, esse capítulo analisará a governança centralizada e descentralizada; o modelo híbrido; as limitações da ação coletiva; o papel fundamental das instituições na governança; as relações de poder existentes no bojo das instituições, a participação e as interferências dos princípios universais na “boa” governança.

A interligação entre instituições de diferentes níveis (local, subnacional, nacional e até internacional) para a gestão dos recursos naturais pode se dar tanto de forma horizontal (através do espaço) quanto vertical (através de níveis de organizações) (BERKES, 2002). O controle central da gestão de recursos naturais é uma prática comum, em que a função de gestão dos recursos é tomada por uma elite (BERKES, 2002). No entanto, a gestão central não é uniforme para os diferentes tipos de recursos e lugares, podendo gerar diferentes tipos de impacto sobre a gestão. Esses impactos podem ser separados em seis classes (BERKES, 2002): centralização das decisões; mudança no sistema de conhecimento; colonização; nacionalização de recursos; aumento da participação no mercado e criação de políticas de desenvolvimento. À primeira vista, estes elementos podem ser compreendidos

85 como impactos negativos, mas, analisando melhor, tanto podem ser positivos quanto negativos, a depender do caso.

Na argumentação de Berkes (2002), os impactos das instituições centrais sobre as locais podem ser também provocados com intervenções deliberadas. Em alguns casos, certas formas de envolvimento de governos centrais podem fortalecer ou rejuvenescer as instituições de nível local. Ações nesse sentido podem ser o estabelecimento de instrumentos que reconheçam e legitimem as instituições locais, a criação de legislação pertinente, a revitalização da cultura local, a construção de programas de capacitação e a construção e fortalecimento de instituições locais.

Algumas formas de instituição têm potencial para melhorar a interrelação institucional na gestão dos recursos comuns11, - a várzea é um recurso comum - como a co-gestão de organizações; políticas comunitárias, redes de movimentos sociais e redes de grupos ligados à produção científica. Todas essas formas de instituições têm condições de facilitar a interligação institucional para a gestão dos recursos comuns. Cada uma delas têm seus pontos fortes e fracos e alguns tipos de instituição funcionam melhor nos países mais ricos, como o caso dos grupos ligados à ciência (BERKES, 2002).

Berkes (2002) defende a ideia de que não se pode ser purista e achar que somente as instituições locais podem gerenciar bem os recursos comuns ou somente a gestão desses recursos por instituições centrais pode ser a solução. A interrelação institucional voltada para a gestão dos recursos naturais, com as instituições de larga escala interferindo ou dando suporte para as instituições locais, por meio de diversos mecanismos, pode ser a saída para tornar a gestão dos recursos mais eficiente e eficaz (BERKES, 2002).