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5 ESTUDO DE CASO: TRÊS REASSENTAMENTOS RURAIS E SEUS MEIOS DE VIDA,

5.1 OS REASSENTAMENTOS RURAIS DA UHE LAJEADO

No caso da Usina Hidrelétrica de Lajeado, a intenção dos empreendedores e dos técnicos era mostrar que podia ser diferente, já que a UHE era o primeiro empreendimento privado desse porte no Brasil (entrevista com técnicos da empresa, 2013). No EIA/Rima de Lajeado, a empresa de consultoria Themag engenharia define os reassentados como relocados que viviam na área atingida pela hidrelétrica e seu reservatório, integrando famílias de pequenos produtores rurais proprietários, posseiros ou ocupantes que desenvolviam como atividade principal a agricultura e ou pecuária em estabelecimento com até 80 hectares.

Em 2013, nos reassentamentos rurais do empreendimento, foi possível encontrar relocados em função de permuta e ainda, casos especiais que geralmente consistem em famílias socialmente vulneráveis e que precisavam ser reassentadas, mesmo não tendo direito pelos critérios definidos - pequenos produtores rurais proprietários, posseiros ou ocupantes.

Há também os que compraram lotes no reassentamento, os que vivem ali na condição de ocupantes de imóveis cedido e os que arrendaram terras.

Em Lajeado, foram afetadas diretamente 4.777 famílias, perfazendo um total de 16.241 pessoas, um número pequeno se comparado com a usina de Sobradinho, que afetou 60.000 pessoas e a usina de Itaipu que impactou mais de 35.000, alguns mencionam 405.000.

Em 2003 o Ministério Público Estadual – MPE fez um Termo de Ajustamento de Conduta – TAC, que, em síntese, defendia que quatro hectares não eram suficientes para uma família sobreviver da terra e, portanto, todos que tinham quatro hectares passariam a ter 11,5 ha, tamanho mínimo das propriedades dos reassentados. O resultado do trabalho do MPE ficou conhecido como “aumento de terra”.

Mesmo com o suporte do MPE e da aparente disposição do empreendedor em oferecer um tratamento diferenciado, as conquistas foram conseguidas com muito dialogo, conforme o resumo da entrevista, a seguir, do Sr.José e da Sra Maria (nomes fictícios).

114 Entrevista Sr. José, 63 anos e sua esposa Sra Maria, 57 anos. 4 filhos

Em 1989 cheguei ao Tocantins, com a família, na cidade de Paraíso. Mudamos depois para Palmas. Vendíamos massas como pão, rosca, sonho e massas para diversos pães. Vivemos quatro anos da venda de massas. Depois conseguimos uma chácara no cinturão verde de Palmas e passamos a vender os produtos da propriedade na feira da 304 Sul. A gente vendia milho, mandioca, abacaxi, caju, galinha, porco e até tapete.

Em 1998 foi feita a vistoria pela Investco. Nós tínhamos um financiamento no Banco da Amazônia e devíamos R$18.000 e a Investco avaliou a nossa área em R$14.000,00. Ou seja, não dava nem para pagar o banco. Eles olharam só o valor do calcário e das mudas plantadas. Aí percebi que tinha que lutar, e como era um líder no projeto cinturão verde entrei para o Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB). Aí vieram outras vistorias mais justas.

A Reserva Legal aqui no reassentamento é em condomínio e o problema é o fogo. Teve ano que queimou 90%. Aqui tem 51 propriedades, 43 reassentados e oito que foram permutas por problemas sociais. A casa original do reassentamento era de 6mx12m ou cerca de 72m2 e. hoje, com as reformas que fiz, tem 196m2. Em dezembro de 2000 entregaram a terra, mas entregaram a casa só em setembro de 2001, ficamos nove meses morando em uma tenda de lona preta, esperando a casa. Aqui seis proprietários venderam as terras.

Os não proprietários, caseiros e outros receberam 4,5ha. O aumento de terra que veio com o Termo de Ajustamento de Conduta do Ministério Público Estadual foi vendido pela maioria. Dos 18 caseiros, 15 venderam o aumento e dois venderam a propriedade. Dos 25 proprietários, dois venderam a propriedade. Aqui planto milho, mandioca, banana e manga. O problema maior é a água, muito sério. Ela é captada do rio e não dá para a irrigação e consumo da gente ao mesmo tempo, é sempre motivo de conflito.

Quadro 5.1: Entrevista com Sr. José e Sra. Maria Elaboração: Marli Santos/2013

115 O trabalho de remanejar as pessoas atingidas, com indenização e com projetos de reassentamento, é complexo, tanto que no PBA 23, de remanejamento da população rural, a Investco menciona que foram realizados 2.627 tratamentos diferentes. Os principais tratamentos foram: indenização, permuta, aluguel, reassentamento, relocação e autorrelocação. No final do processo, 363 famílias foram reassentadas na zona rural, em 12 áreas de reassentamento coletivo nos municípios de Palmas, Porto Nacional, Miracema, Lajeado, Ipueiras e Brejinho de Nazaré.

O empreendedor realizou, num primeiro momento, o diagnóstico socioeconômico na área afetada pela usina. Depois negociou com os atores envolvidos (MPE, Naturatins, Ibama, MPR, MAB e representantes de atingidos). Manteve, por alguns anos, assistência técnica especializada voltada à agricultura familiar por meio do Instituto de Desenvolvimento Rural do Estado do Tocantins (Ruraltins) e Cooperativa de Trabalho, Prestação de Serviços, Assistência Técnica e Extensão Rural (Coopter), também manteve a entrega de cesta básica durante a fase de adaptação e elaborou o Plano de Desenvolvimento Rural para os reassentamentos, dois anos após a implantação dos loteamentos.

No entanto, como há uma composição de diversos interesses em jogo, e poucos espaços democráticos representativos que possibilitem a efetiva participação dos atingidos na elaboração e na execução das soluções necessárias, observa-se que o dinheiro investido no remanejamento da população foi insuficiente para agradar a todos. Pode-se dizer que nem sempre a solução passa pelo dispêndio de recursos financeiros e sim muito mais pelo investimento nas pessoas. Veja o depoimento a seguir da Sra Lúcia.

Conversa com Sra Lúcia, 66 anos, casada com o Sr. Batista desde 1965, 9 filhos.

No começo a Investco ofereceu R$5 mil de indenização, não quis o dinheiro. Quis a terra. Os filhos não foram indenizados. Tivemos dois anos de assistência técnica, com arroz no paiol.

Os acordos foram muitas vezes descumpridos. No primeiro ano não íamos receber nada, mas tive que brigar com a representante da Investco e mostrar que não podíamos ficar um ano sem plantar porque ficaríamos sem comida no ano seguinte. No segundo ano perdemos o arroz porque não deu o combate no tempo certo.

Nossa vida antes era tranqüila, tudo que plantava dava, não tinha que molhar, combater pragas. A gente vendia caminhão de melancia, abóbora para levar para Gurupi. Tinha peixe e também tinha dinheiro.

Só depois dessas primeiras brigas é que tivemos o apoio do Ruraltins, da Coopter, do MAB. O Ministério Público ajudou. Eu recomendo para a gente que vive nas barrancas do Tocantins que “abra a capa do olho”* para não ser engolido. Não tinha experiência de briga, de reivindicar, tive que aprender com as perdas.

*Fique atento Quadro 5.2: Entrevista com Sra. Lúcia, reassentada da Investco, 9 filhos

116 A Investco investiu também no monitoramento semestral dos reassentamentos rurais e urbanos. O trabalho foi realizado pela Universidade Luterana – ULBRA Tocantins, que durante seis anos avaliou as condições dos reassentamentos. Na primeira campanha de monitoramento, em julho de 2001, foram analisados dados sobre a localização dos reassentamentos, dados pessoais dos assentados, infraestrutura disponível, relações sociais, perspectivas e questões específicas do meio rural. Em cada campanha, eram introduzidas modificações para a adaptação à situação do momento. As campanhas serviam para corrigir os rumos das ações realizadas com a comunidade atingida. Além da campanha de monitoramento, também foi contratada uma consultoria para avaliar o programa de relocação das populações rural e urbana.

Os trabalhos seguiram até o ano de 2006 com o empreendedor mais presente na vida das comunidades atingidas. A partir de então, houve um afastamento parcial do empreendedor das comunidades, com o trabalho dos técnicos da Investco mais focado na continuidade das ações de transferência de domínio dos imóveis para os reassentados e também para os municípios, no caso de lotes ocupados por equipamentos públicos, como escola e postos de saúde.

No trabalho de elaboração do Plano de Desenvolvimento dos reassentamentos rurais, realizado em 2002, foram identificados problemas comuns a todos eles, conforme retratado no anexo I. Em análise do anexo I, do ponto de vista da abordagem MVS, é possível verificar que existiam, em documento oficial da UHE Lajeado de 2002, reivindicações dos reassentados para a melhoria de todas as dimensões: financeira/econômica, física, humana, natural e social/política de seus meios de vida.

Esses investimentos solicitados não estavam colocados, para esses reassentados, como uma forma de manter ou melhorar a vida deles em comparação com a vida que tinham no local de origem, principalmente porque no local de onde vieram muitos tinham menos em termos de estrutura física de residência, saneamento e energia do que nos reassentamentos em 2002.

Analisa-se que as reivindicações retratavam muito mais a compensação por algo que jamais teriam de volta, ou seja, a várzea do Rio Tocantins, com a produção de alimentos e o convívio com famílias vizinhas.

O quadro 5.3 retrata os 12 reassentamentos rurais da Investco, os municípios onde estão localizados, a área dos lotes, o número de famílias e a área total. Foram reassentadas 363 famílias, em lotes que eram de quatro a 80 ha, que com o TAC de 2003 do MPE passaram a ser de 11,5 a 80 ha.

117 Reassentamento Município Área dos

lotes ha

Nº de famílias

Área total ha*

Boa Sorte Brejinho de Nazaré 4 a 10 25 335,5426

Brejo Alegre Porto Nacional 5,6 a 53,2 10 332,1677

Canto da Serra Lajeado 4 4 24,8715

Córrego do Prata Porto Nacional 4 a 58 91 1.920,7848

Flor da Serra Porto Nacional 4 a 80 49 1.050,4793

Luzimangues Porto Nacional 4 a 27,3 82 950,9619

Mariana Porto Nacional/Palmas 4,2 a 30 14 361,8539

Mundo Novo Miracema do Tocantins 4 a 24 18 198,9614

Olericultores Porto Nacional 5 a 9 7 46,9584

Pinheirópolis rural Porto Nacional 4 a 5 10 107,0642

Projeto 2000 Ipueiras 4 9 121,0000

São Francisco de Assis Porto Nacional 4 a 41 44 1.649,5397

Total 4 a 80 363 7.145,1854

Quadro 5.3: Reassentamentos da UHE Lajeado, área, número de famílias e área total Fonte: Investco/2003

*a área total contempla a área dos lotes familiares mais a de infraestrutura comunitária

Desse universo, a pesquisa foi realizada nos reassentamentos: Boa Sorte, em Brejinho de Nazaré; Luzimangues, em Porto Nacional, e Mariana, em Palmas.

A seguir serão apresentadas descrições dos reassentamentos que fazem parte do trabalho de campo da pesquisa.