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Parâmetros cinemáticos e o “parâmetro composto para derecho”

2 REVISÃO TEÓRICA

4.5 AMBIENTES ATMOSFÉRICOS EM EVENTOS DE RAJADAS DE VENTO A PARTIR DE DADOS DO CFSR/CFS

4.5.2 Parâmetros cinemáticos e o “parâmetro composto para derecho”

Na Figura 4.16 são indicadas as estatísticas por horário sinótico para alguns dos parâmetros cinemáticos mais empregados operacionalmente na previsão de tempestades severas (NASCIMENTO, 2005). A Figura 4.16a mostra o resultado para CVV6; nota-se que para as 00UTC, 06UTC e 18UTC as medianas e percentis 25% e 75% de CVV6 para RAJ ≥ 25 m s−1 foram os mais altos entre as quatro classes, indicando então um viés no sentido de valores maiores de CVV6 nas rajadas mais intensas. Entretanto, houve também para este parâmetro muita sobreposição entre os intervalos inter-quartílicos das classes, com uma separação um pouco melhor às 06UTC e às 18UTC.

Curiosamente, os valores de CVV6 para a classe RAJ ≥ 25 m s−1mostrados na Fi- gura 4.16a, obtidos da reanálise CFSR/CFSv2, ficaram bem abaixo da mediana de CVV6 encontrada em Nascimento et al. (2016) (13,9 m s−1) para a Bacia do Prata com base em radiossondagens realizadas entre 1996 e 2015. Se os dados da reanálise estivessem reproduzindo corretamente as observações deste parâmetro, isto indicaria que as tem-

pestades causadoras de rajadas intensas no sul do Brasil desenvolvem-se com frequência em ambientes de CVV bem mais fraco do que os limiares (climatológicos) considerados altos para a Bacia do Prata. Contudo, ficará claro ainda neste Capítulo que o CVV6 é fortemente subestimado pela reanálise CFSR/CFSv2.

Para o CVV em uma camada mais rasa (entre 0 e 1 km de altura; CVV1), os resulta- dos ilustrados na Figura 4.16b mostram que CVV1 discriminou melhor a classe RAJ ≥ 25 m s−1nos horários noturnos (00UTC e, principalmente, 06UTC). É possível que este resul- tado reflita uma presença mais frequente de jatos de baixos níveis (JBNs) nos ambientes pré-convectivos dos eventos noturnos de RAJ ≥ 25 m s−1.

Além do CVV é relevante analisar também a magnitude do vento médio (VM) na tro- posfera em eventos de rajadas convectivas intensas pois a combinação destes parâmetros fornece informações úteis na avaliação do mecanismo de transporte vertical de momento. O vento médio na camada entre 0-6km (VM6) foi analisado, por exemplo, no trabalho de Cohen et al. (2007) e mostrou-se capaz de discriminar ambientes favoráveis a SCMs gera- dores de ventos destrutivos. Para VM6 a Figura 4.16c mostra que o melhor desempenho em distinguir o ambiente de RAJ ≥ 25 m s−1 foi às 06UTC, horário em que se observou a menor sobreposição entre o intervalo inter-quartílico desta classe e os intervalos das demais classes de RAJ. Às 00UTC ainda encontrou-se uma ligeira tendência para valores mais altos de VM6 para a classe de rajadas severas, enquanto que às 12UTC e 18UTC este parâmetro se mostrou menos útil.

Para o VM na camada entre 0-1 km (VM1; Figura 4.16d) foi encontrado resultado semelhante ao discutido para CVV1, que é a tendência clara de valores mais altos de VM1 na classe RAJ ≥ 25 m s−1 às 06UTC, quase permitindo uma total separação entre o intervalo inter-quartílico desta classe e o da classe de RAJs mais fracas. Às 00UTC a distinção da classe RAJ ≥ 25 m s−1 foi bem mais tênue, e às 12UTC e 18UTC foi inexistente.

A Figura 4.17a ilustra bem o ciclo sazonal de CVV6, com valores mais altos no in- verno (atmosfera mais baroclínica) e mais baixos no verão (atmosfera menos baroclínica), e mostra que CVV6 destacou melhor a classe RAJ ≥ 25 m s−1 no verão através de seus valores nitidamente mais altos. Isto sugere que no período de verão a proximidade de uma forçante baroclínica, induzindo maior CVV em uma camada profunda (e em combinação com uma atmosfera úmida e instável típica da estação), eleva a probabilidade de ocorrên- cia de tempestades severas com rajadas de vento intensas. Nas demais estações do ano CVV6 não se mostrou tão eficiente em distinguir as classes de RAJ entre si e nem a classe de RAJ ≥ 25 m s−1.

No verão o parâmetro CVV1 (Figura 4.17b) foi apenas sutil em destacar a classe RAJ ≥ 25 m s−1 com valores um pouco mais altos, mas com uma distribuição quantílica muito parecida com a das demais classes. A estação em que CVV1 apresentou uma capa- cidade razoável de distinção da classe RAJ ≥ 25 m s−1foi a primavera. Assim como CVV6,

87 o parâmetro VM6 (Figura 4.17c) apresentou um ciclo sazonal nítido, com seus valores mais altos no inverno e mais baixos no verão. Desta vez, nas quatro estações do ano valores um pouco mais altos de VM6 foram obtidos para os ambientes que favoreceram rajadas convectivas mais fortes, e na primavera a distinção da classe RAJ ≥ 25 m s−1 com este parâmetro foi a melhor. Este resultado é importante para a previsão de vendavais convecti- vos no inverno já que VM6 foi um dos poucos parâmetros que mostrou alguma capacidade em apontar condições favoráveis a rajadas de vento mais fortes nesta estação.

Na primavera e no verão o parâmetro VM1 (Figura 4.17d) apresentou mediana e percentis 75% e 95% mais altos para a classe RAJ ≥ 25 m s−1 do que para as demais classes, com uma distinção ligeiramente melhor de RAJ ≥ 25 m s−1 na primavera. Para o inverno e outono VM1 não se mostrou eficiente na discriminação das classes de RAJ. Combinando os resultados discutidos acima, tanto CVV1 quanto VM1 tiveram melhor de- sempenho em discriminar RAJ ≥ 25 m s−1 na primavera e às 06UTC, o que pode ter valor operacional quando da previsão de SCMs noturnos na Bacia do Prata, frequentes na primavera.

Outro parâmetro muito empregado na previsão de tempestades severas é a helici- dade relativa à tempestade (HRT) integrada na baixa troposfera (NASCIMENTO, 2005). A Figura 4.18 exibe os resultados para a HRT verticalmente integrada nos primeiros 3 km (HRT3) - atente para a escala invertida nas ordenadas, o que troca a posição dos percen- tis em relação à mediana (i.e., os percentis 5% e 25% aparecem acima da mediana). O amplo predomínio dos valores negativos de HRT3 na Figura 4.18 é explicado pelo fato de que os ambientes favoráveis a formação de tempestades convectivas são aqueles em que advecção quente é observada na baixa troposfera, o que induz um giro vertical anti-horário na direção do vento (no Hemisfério Sul), e em que há a tendência do deslocamento das tempestades ligeiramente à esquerda do VM6 (no Hemisfério Sul). A HRT é formulada de maneira que valores negativos apontem para a presença de vorticidade contra-corrente (“anti-streamwise vorticity ”) no ambiente pré-convectivo (NASCIMENTO, 2005).

A Figura 4.18a ressalta o ciclo diurno de HRT3, com valores mais negativos à noite e de manhã, e menos negativos às 18UTC, o que é consistente com a observação mais frequente, entre a noite e o início da manhã, de máximos no perfil de vento na baixa tro- posfera, às vezes caracterizando JBNs. É importante também notar a grande amplitude de variação de HRT3 para todas as classes de RAJ, sendo mais reduzida apenas às 18UTC. Às 00UTC a HRT3 para a classe RAJ ≥ 25 m s−1 apresentou mediana e percentis 5%, 25% e 75% mais negativos do que os das outras classes, indicando uma leve tendência de HRT3 mais intensa (em módulo) para os eventos de rajadas severas; é interessante que esta distinção não se repetiu às 06UTC. Para as 06UTC, 12UTC e 18UTC as estatísticas para as quatro classes de RAJ apresentaram grande sobreposição, sendo ineficiente na discriminação entre estas classes.

Figura 4.16 – Como na Figura 4.10, mas para os parâmetros cinemáticos: (a) “cisalha- mento” vertical do vento na camada 0-6km (CVV6; m s−1); (b) “cisalhamento” vertical do vento na camada 0-1km (CVV1; m s−1); (c) vento médio na camada 0-6km (VM6; m s−1); (d) vento médio na camada 0-1km (VM1; m s−1).

(a)

(b)

(c)

89 Figura 4.17 – Como na Figura 4.16, mas com os resultados estratificados pelas estações do ano.

(a)

(b)

(c)

A dependência sazonal de HRT3 ficou evidente na Figura 4.18b, com valores me- nos negativos e menor variância no verão. É interessante notar que o comportamento estatístico de HRT3 no inverno destoou das demais estações do ano, apresentando al- guma destreza em discriminar a classe RAJ ≥ 25 m s−1 mas através de uma mediana e percentil 75% menores (em módulo), e valores positivos para o percentil 95%. Para as demais estações, a classe RAJ ≥ 25 m s−1tendeu a estar associada aos valores mais ne- gativos de HRT3 entre as quatro classes, principalmente se considerarmos as medianas e os percentis 25% e 5%. Ainda assim, houve uma forte sobreposição entre os interva- los inter-quartílicos de todas as classes em todas as quatro estações, limitando um pouco desempenho deste parâmetro na discriminação das RAJ ≥ 25 m s−1.

Figura 4.18 – (a) Como na 4.10, mas para a helicidade relativa à tempestade verticalmente integrada nos primeiros 3 km (HRT3; m2 s−2); (b) como na Figura 4.11, mas para HRT3 (m2 s−2). Atente para a escala invertida nas ordenadas.

(a)

(b)

Naturalmente, não se deve esperar que um único parâmetro ou variável meteoro- lógica (ou mesmo um pequeno conjunto destes) seja capaz de, isoladamente, discriminar com grande destreza os ambientes favoráveis à formação de tempestades geradoras de ventos destrutivos (p.ex., Doswell e Schultz (2006)). Entretanto, partindo da filosofia da previsão baseada em ingredientes, diversos índices de previsão têm sido testados em que se agrupa parâmetros que descrevem a presença (ou ausência) dos ingredientes consi-

91 derados necessários para a geração de determinados fenômenos convectivos severos. Um destes índices é o “parâmetro composto para derecho” (tradução de derecho com- posite parameter ; DCP). Este índice adimensional combina parâmetros termodinâmicos e cinemáticos (MUCAPE, DCAPE, CVV6 e VM6; vide equação 2.6 do Capítulo 2) com o objetivo de salientar condições favoráveis a SCMs causadores de rajadas destrutivas (o derecho). O DCP esteve entre os índices incluídos neste estudo com os perfis da reaná- lise CFSR/CFSv2 para o sul do Brasil, e os resultados foram animadores, como indicado na Figura 4.19.

Figura 4.19 – (a) Como na Figura 4.10, mas para o “parâmetro composto para derecho” (DCP; adimensional); (b) como na Figura 4.11, mas para DCP (adimensional).

(a)

(b)

A Figure 4.19a mostra que as medianas e os percentis superiores de DCP foram capazes de discriminar muito bem a classe RAJ ≥ 25 m s−1 das demais no período no- turno (00UTC e 06UTC). Por exemplo, valores de DCP iguais ou acima de 0,25 às 00UTC e 06UTC foram verificados em pelo menos 50% dos eventos de RAJ ≥ 25 m s−1, mas foram bem menos comuns (menos de 25% dos eventos) nas três primeiras classes de rajada. Ainda nestes dois horários, DCPs a partir de 0,75 só foram encontrados para os episódios de RAJ ≥ 25 m s−1. Para as 12UTC houve um aumento na variância de DCP, e as me- dianas ficaram coincidentes para as quatro classes; ainda assim, os percentis superiores (75% e 95%) discriminaram bem a classe de rajadas severas. Para as 18UTC manteve-se

a tendência inciada às 12UTC de um aumento da amplitude de variação de DCP (forte- mente influenciada pela maior variância de MUCAPE neste horário; Figura 4.10b), mas, ao contrário das 12UTC, a mediana de DCP para RAJ ≥ 25 m s−1 voltou a se destacar em relação às medianas das outras classes; a maior separação da classe de rajadas severas às 18UTC ficou, contudo, para os percentis 75% e 95%.

Não chega a ser uma surpresa que DCP tenha mostrado melhor desempenho para os eventos de rajadas intensas noturnas, uma vez que os parâmetros DCAPE, MUCAPE, CVV6 e VM6, isoladamente, também demonstraram para o período noturno um desem- penho de razoável a bom na discriminação da classe RAJ ≥ 25 m s−1 (Figuras 4.10 e 4.16).

Na análise sazonal (Figura 4.19b) nota-se que os valores mais altos de DCP na classe RAJ ≥ 25 m s−1 foram encontrados na primavera. Nesta estação o DCP foi tam- bém eficiente em distinguir a classe de rajadas severas, especialmente em termos de sua mediana e percentis superiores e em comparação com as duas classes de rajadas mais fracas. Para o verão e inverno a mediana e percentis 75% e 95% de DCP também desta- caram a classe RAJ ≥ 25 m s−1 das demais; apenas o outono destoou, mostrando muita sobreposição dos intervalos inter-quartílicos de DCP entre as classes de RAJ. Os resul- tados acima indicam que o DCP apresentou um desempenho muito bom em discriminar ambientes favoráveis às rajadas convectivas mais intensas detectadas pelas EMA-INMET no setor sul do Brasil. Este bom desempenho se deu em uma ampla gama de condições, mas com maior destaque para o período noturno, e menor destaque para os meses de outono.

É importante ressaltar que os valores de DCP encontrados neste estudo, variando dentro de uma escala entre 0 e 3, ficaram muito abaixo daqueles registrados para a América do Norte em condições de ocorrência do fenômeno "derecho". Naquele conti- nente, valores de DCP acima de 2 foram considerados bons discriminadores de situa- ções conducentes à ocorrência de rajadas com poder destrutivo, e com mais de 50% dos eventos de "derecho" estando associados a DCPs acima de 3 (vide o link disponível em www.nssl.noaa.gov/users/mcon/public_html/DCP_description.htm). Contudo, dois fatores importantes precisam ser considerados: (a) neste trabalho o parâmetro DCP foi avaliado na caracterização de condições favoráveis a rajadas convectivas severas em geral, in- dependentemente do fenômeno causador das rajadas satisfazer ou não os critérios para "derecho"; (b) um motivo pelo qual os valores de DCP encontrados neste trabalho foram mais baixos foi, certamente, a má representação quantitativa das variáveis CVV6 e VM6 pela reanálise CFSR/CFSv2, subestimando consideravelmente estes parâmetros quando comparados com as observações (vide o próximo item).

Outro parâmetro composto avaliado neste trabalho foi o "Microburst Composite Parameter" (MCP; www.spc.noaa.gov/exper/mesoanalysis/help/help_mbcp.html). O MCP combina em um único parâmetro adimensional a SBCAPE, a DCAPE, a água precipitável,

93 o lifted index (LIFT) de uma parcela de superfície, o LR03 , e o índice Vertical Totals (ver Nascimento (2005)). Repare que ao contrário do DCP, o MCP é um parâmetro-composto puramente termodinâmico, explorando a identificação de perfis sabidamente favoráveis a formação de correntes descendentes convectivas intensas (SRIVASTAVA, 1985, 1987; PROCTOR, 1988; WAKIMOTO, 2001); e exatamente por isto é um parâmetro voltado para microexplosões. Em contraste com DCP, não há nenhuma variável cinemática incluída no MCP para "parametrizar"a contribuição do transporte vertical de momento na intensidade das rajadas. Os resultados encontrados para MCP neste trabalho (ver Figura A.1 no Apên- dice) apresentaram grande contraste com os resultados para DCP. O MCP foi incapaz de discriminar as condições favoráveis para RAJ ≥ 25 m s−1 e também ineficiente na discri- minação entre as quatro classes de RAJ entre si. Este resultado foi encontrado para os diferentes horários sinóticos e diferentes estações do ano.

Uma possível explicação para a diferença entre o desempenho de DCP e MCP neste trabalho é que tudo indica que a amostra de RAJ ≥ 25 m s−1 usada aqui esteve dominada pela ocorrência de SCMs (ver item 4.3), com poucos casos de tempestades dis- cretas. Estas últimas são mais propícias a geração de rajadas intensas associadas a fortes correntes descendentes ("microexplosões"), enquanto que SCMs parecem gerar rajadas intensas em superfície com uma participação mais frequente do mecanismo de transporte vertical de momento horizontal. Trabalhos futuros no Brasil devem seguir explorando esta importante distinção nos mecanismos geradores de rajadas convectivas.

Finalmente, é importante mencionar que, muito provavelmente, alguns dos resul- tados quantitativos discutidos neste estudo foram influenciados pelo problema da amos- tragem das rajadas convectivas. Dada a medição pontual das RAJs pelas EMA-INMET, não há como saber - sem realizar uma avaliação de danos pelo vento em todos os casos analisados se as RAJs reportadas representaram bem a máxima rajada verdadeira- mente gerada pelas tempestades. Certamente as RAJs reportadas pelas EMA-INMET representam uma sub-amostragem das verdadeiras RAJs ocorridas sobre uma área bem mais ampla que os sítios das EMAs. Assim, um determinado número (desconhecido) de eventos convectivos cujas RAJs foram inseridas dentro de uma dada classe de velocidade na verdade deveriam ter suas RAJs deslocadas para uma (ou mais) classe de velocidade acima, com potencial impacto em alguns detalhes dos resultados estatísticos. Tendo dito isto, se considerarmos o período relativamente longo deste estudo, é bastante razoável esperar que, na pior das hipóteses, os resultados qualitativos desta análise sejam repre- sentativos das condições reais (p.ex., na identificação dos parâmetros atmosféricos com maior e menor destreza de previsão).

4.6 UMA AVALIAÇÃO DOS PERFIS ATMOSFÉRICOS EXTRAÍDOS DA REANÁLISE CFSR