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2 REVISÃO TEÓRICA

4.4 SONDAGENS DE PROXIMIDADE

Em apenas quatro eventos de RAJ ≥ 25 m s−1 foram identificadas sondagens at- mosféricas que satisfizeram os critérios de sondagem de proximidade descritos na Metodo- logia, e são indicadas na Figura 4.8. Como esperado, os perfis verticais nestas sondagens mostram um ambiente condicionalmente instável, com SBCAPE [MUCAPE] variando entre 130 J kg−1e 2011 J kg−1[1540 J kg−1e 2609 J kg−1]. Apenas a sondagem das 12UTC de 29/05/2013 apresentou uma SBCAPE baixa, mas mesmo neste caso a MUCAPE foi alta (Figura 4.8c). A DCAPE variou entre 600 J kg−1e 1685 J kg−1. Para efeito de comparação, em todas estas quatro sondagens o valor de DCAPE ficou acima da mediana encontrada para este parâmetro (578 J kg−1) no estudo climatológico de Nascimento et al. (2016) vá- lido para a Bacia do Prata; em três sondagens a DCAPE ficou acima do percentil 75% (894 J kg−1), das quais em duas sondagens a DCAPE superou o percentil 95% (1286 J kg−1) encontrado em Nascimento et al. (2016). Ou seja, em pelo menos duas sondagens de proximidade (Figuras 4.8a e 4.8b) o valor de DCAPE foi extremo para a região, e em uma terceira (Figura 4.8c) o valor foi moderadamente alto.

Em termos de LR o comportamento foi mais variável. Em níveis médios (MLLR) ne- nhuma sondagem apresentou LRs particularmente intensos para a região, variando entre 5,20 e 6,80◦C km−1 enquanto que a mediana e o percentil 75% para MLLR na Bacia do Prata são 6,23 e 6,78 ◦C km−1, respectivamente (Tabela 5 de Nascimento et al. (2016)). Na camada entre 0-3km (LLLR) a magnitude de LR variou entre 5,20 e 7,50◦C km−1, com a mediana e percentil 75% para LLLR na Bacia do Prata sendo, respectivamente, 5,48 e 6,16 ◦C km−1 (NASCIMENTO et al., 2016). As duas sondagens com DCAPE mais altos (Figs.4.8a e 4.8b) foram as que apresentaram os LLLRs mais intensos, ambas superando o percentil 90% correspondente da Bacia do Prata (6,74◦C km−1), e com uma delas apre- sentando um LLLR acima do percentil 95% que é de◦C km−1. Este resultado é consistente com o fato de que a magnitude da DCAPE aumenta com o aumento de LLLR (Fig. 2.6).

O CVV variou muito entre os quatro perfis, mas, interessantemente, a sondagem com os valores mais fracos de CVV nas camadas entre 0-3 km e 0-6 km (Fig. 4.8a) apresentou um valor alto de TEI (28K; próximo do percentil 90% para a Bacia do Prata, que é 29K) e um alto valor de DCAPE (1393 J kg−1). Este resultado sugere que, neste evento, a forçante termodinâmica prevaleceu sobre o transporte vertical de momento horizontal na geração da RAJ ≥ 25 m s−1. Inversamente, a sondagem com o CVV06 mais alto (32 m s−1; superando o percentil 95% para a Bacia do Prata, que é de 30,4 m s−1) e também com um intenso CVV03 (23 m s−1; Fig. 4.8c) apresentou um baixo TEI (16K; abaixo da mediana de 19K para a Bacia do Prata) e a DCAPE mais fraca entre os quatro perfis, indicando que neste evento o transporte vertical de momento horizontal pelas descendentes deve ter desempenhado um papel mais proeminente na formação da RAJ ≥ 25 m s−1.

71 Figura 4.8 – Diagramas skew-T-log-P das sondagens de proximidade identificadas neste estudo: (a) SBSM, às 12UTC de 12/01/2010, sendo perfil de proximidade para a RAJ de 27,8 m s−1 registrada na EMA-INMET de São Gabriel/RS às 15UTC; (b) SBSM, às 00UTC de 11/12/2012, para a RAJ de 29,3 m s−1 registrada em Caçapava do Sul/RS às 03UTC; (c) SBSM, às 12UTC de 29/05/2013, para a RAJ de 25,4 m s−1 registrada em Santa Ma- ria/RS às 14UTC; (d) SBFI, às 00UTC de 02/01/2015, para a RAJ de 27,3 m s−1registrada em Planalto às 01UTC. As barbelas são fornecidas em m s−1. Em cada painel o traçado pontilhado preto mostra a ascensão da parcela de ar mais instável, o traçado pontilhado vermelho representa a correção do perfil térmico pela temperatura virtual (usado efetiva- mente para o cálculo das CAPEs), a linha vermelha mais fina entre TMP e ORV mostra o perfil da temperatura do bulbo úmido, e também em vermelho é indicada a estimativa da camada de influxo das tempestades junto com a HRT correspondente. Os níveis de con- densação por levantamento, de convecção espontânea e de equilíbrio também são indica- dos. Os parâmetros fornecidos nos painéis foram calculados utilizando o pacote SHARPpy (BLUMBERG et al., 2017).

(a) (b)

A rajada mais intensa dentre os quatro eventos (29,3 m s−1 em 11/12/2012; Fig. 4.8b) esteve associada ao perfil com o TEI mais acentuado (32K, valor igual ao percentil 95% de TEI para a Bacia do Prata), com a maior DCAPE (1685 J kg−1) e um alto LLLR (7,5 ◦C km−1), enquanto que, ao mesmo tempo, apresentando valores moderados de CVV06 (28 m s−1, acima do percentil 90% de CVV06 para a Bacia do Prata). É possível, neste caso, que a forçante termodinâmica e o transporte vertical de momento horizontal tenham se combinado para induzir a RAJ ≥ 25 m s−1.

Também foram calculados para estas sondagens os parâmetros de estimativa da magnitude da rajada de vento, WI, GU1 e GU2, com a Tabela 4.2 comparando os valores observados de RAJ com as respectivas estimativas.

O WI apresentou um bom desempenho para o evento ocorrido no dia 12/01/2010, e forneceu uma ótima previsão da magnitude da rajada para o episódio do dia 11/12/2012. No caso de 11/12/2012 isto resultou da combinação de um alto valor de LR entre 0-1 km (6,4 ◦C km−1) e um baixo valor de razão de mistura no nível de derretimento (0,66 g kg−1), dois fatores que resultam em altos valores de WI (equação 2.7). É importante frisar que nestes dois eventos de RAJ ≥ 25 m s−1 em que WI se saiu bem as condições termodinâmicas apresentavam-se bastante favoráveis a descendentes intensas, sendo os dois perfis com os maiores valores de DCAPE, LLLR e TEI (Figuras 4.8a e 4.8b), como descrito anteriormente.

Em contraste, o WI subestimou muito a intensidade da RAJ no episódio do “bow echo” de 29/05/2013, quando a forçante termodinâmica para gerar descendentes não era tão acentuada quanto nas duas situações anteriores (Figura 4.8c). Na presença de um JIR no evento de 29/05/2013 (FIGUEIREDO; OLIVEIRA; NASCIMENTO, 2016), o transporte vertical de momento deve ter sido o mecanismo dominante na geração de RAJ ≥ 25 m s−1, efeito este que não é levado em consideração na formulação de WI e que deve explicar a péssima performance deste índice neste caso. No caso de 02/01/2015 o WI também subestimou a RAJ. Uma possível explicação para isto é a combinação de fraco LR entre 0-1km e uma atmosfera mais úmida no nível de derretimento (5,8 g kg−1) resultando em um WI fraco. Neste caso, a ocorrência da RAJ pode ter sido por efeito de intenso arrasto de hidrometeoros, como será discutido mais adiante.

Ambos os índices GU1 e GU2 modificam o WI incorporando a influência do trans- porte vertical de momento de níveis mais altos para a geração de uma rajada de vento (ver equações para GU1 e GU2 na revisão teórica), fator este que geralmente contribui para que as estimativas de rajadas em GU1 e GU2 sejam maiores do que as estimadas pelo WI. No entanto, para o evento ocorrido em 12/01/2010 (Tabela 4.2) o índice GU1 resul- tou em uma estimativa mais baixa do que a obtida com WI, levando a uma subestimativa acentuada quando comparada com a rajada observada. O mau desempenho de GU1 para este caso ocorreu por causa do fraco escoamento observado em 500 hPa, de apenas 12 m s−1(Figura 4.8a). Isto fortalece a hipótese já levantada antes de que a RAJ neste evento

73 Tabela 4.2 – Rajadas de vento medidas pelas EMA-INMET e as correspondentes estima- tivas da intensidade da rajada usando os índices WI (MCCANN, 1994), GU1 (GEERTS, 2001) e GU2 (DOTZEK; FRIEDRICH, 2009) calculados para as quatro sondagens de pro- ximidade identificadas neste estudo.

Sondagem de proximidade RAJ (m s−1) WI (m s−1) GU1 (m s−1) GU2 (m s−1)

12 UTC 12/01/2010 27,8 24,2 17,6 35,3

00 UTC 11/12/2012 29,3 29,6 31,7 46,7

12 UTC 29/05/2013 25,4 7,7 20,9 31,9

12 UTC 02/01/2015 27,3 16,8 20,9 39,2

esteve fortemente associada a correntes descendentes intensas na tempestade.

Em contraste, no dia 11/12/2012 o escoamento em 500 hPa era intenso (vide Fi- gura 4.8b) e, portanto, o cálculo de GU1 forneceu uma estimativa de rajada maior do que aquela estimada por WI (Tabela 4.2). Na comparação com a rajada observada a esti- mativa através de WI pareceu melhor, contudo é difícil afirmar que o desempenho de WI superou o de GU1 neste caso. Primeiramente porque os dois valores estimados são pare- cidos, mas, além disto, deve-se levar em conta que a medição da rajada é pontual. Parece pouco razoável acreditar que a rajada mais intensa gerada pela tempestade tenha coin- cidentemente ocorrido sobre o sítio da EMA-INMET. Na verdade, é bem provável que a tempestade tenha gerado nas regiões vizinhas à EMA rajadas de intensidade acima do valor registrado, o que dificulta concluir se um dos índices teve uma destreza maior para este caso.

No caso de 29/05/2013 a existência de ventos intensos em 500 hPa (Figura 4.8c) fez com que a estimativa da rajada através de GU1 superasse, em muito, a estimativa via WI (Tabela 4.2). É interessante notar para este episódio que, apesar da melhora evidente na estimativa da rajada através de GU1, o resultado final ainda subestimou o valor obser- vado. Como mencionado antes, este evento envolveu a passagem de um “bow echo” sobre a EMA-INMET com um JIR cuja velocidade superava a do próprio escoamento sinótico em 500 hPa – velocidade radial Doppler no JIR ultrapassando os 40 m s−1; conforme Figuei- redo, Oliveira e Nascimento (2016). Logo, para este caso, o escoamento em 500 hPa no ambiente pré-convectivo (usado no cálculo de GU1) não deve ter sido representativo da quantidade de movimento efetivamente transportada para a superfície pelas correntes descendentes durante a passagem do “bow echo”, o que possivelmente explica a subesti- mativa da rajada por GU1.

Para o episódio de 02/01/2015, mais uma vez GU1 apresentou uma estimativa me- lhor que WI por causa do escoamento de intensidade moderada em 500 hPa (Figura 4.8d), mas, ainda assim, subestimando a rajada observada (Tabela 4.2). Portanto, este resultado é semelhante ao discutido acima. Neste evento, imagens do canal infravermelho térmico do satélite GOES-13 confirmam a presença de um SCM muito intenso avançando pelo

sudoeste do Paraná, porém não é possível afirmar se há a presença de um “bow echo” com este sistema. A sondagem de proximidade (Figura 4.8d) mostra valores fracos a mo- derados de DCAPE e TEI, mas entre os quatro perfis analisados foi o mais úmido, com água precipitável de 55,4 mm, superando o percentil 95% encontrado por Nascimento et al. (2016) para esta variável na Bacia do Prata (igual a 49,1 mm). Estes fatores, combi- nados com a confirmação de um SCM muito intenso sobre a EMA-INMET no horário da RAJ, sugerem que a RAJ ≥ 25 m s−1 originou-se de um acentuado efeito de arrasto por hidrometeoros precipitantes (“microexplosão úmida”), ainda que a EMA tenha registrado apenas 12 mm de chuva na mesma hora da RAJ ≥ 25 m s−1.

Ao se utilizar o índice GU2 as rajadas previstas superestimaram as rajadas ob- servadas em todas as quatro situações, deixando evidente o impacto em se substituir na formulação do índice o vento em 500 hPa (GU1) pelo vento médio entre 1 km e 5 km ponderado pela densidade (GU2; 2.9). No evento de 29/05/2013 a estimativa da rajada aumentou mais de 400% entre WI e GU2 devido ao intenso vento médio na camada entre a superfície e 6 km de altura (21 m s−1), resultando na estimativa de 31,9 m s−1enquanto a observação na EMA-INMET foi de 25,4 m s−1.

Fica claro que o pequeno número de sondagens de proximidade para os eventos de RAJ ≥ 25 m s−1 impede uma análise mais conclusiva a respeito dos parâmetros at- mosféricos indicativos de condições favoráveis a vendavais. Assim, no próximo item perfis extraídos de reanálise serão utilizados para esta avaliação.

4.5 AMBIENTES ATMOSFÉRICOS EM EVENTOS DE RAJADAS DE VENTO A PARTIR