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2 REVISÃO TEÓRICA

4.5 AMBIENTES ATMOSFÉRICOS EM EVENTOS DE RAJADAS DE VENTO A PARTIR DE DADOS DO CFSR/CFS

4.5.1 Parâmetros termodinâmicos

A Figura 4.10 mostra gráficos de caixas com a distribuição percentílica da CAPE calculada para a parcela de superfície (SBCAPE), parcela mais instável (MUCAPE), e par- cela com as condições médias de temperatura e umidade na camada limite planetária (MLCAPE), e da DCAPE, todas separadas pelos horários sinóticos e comparando-se as

75 classes de intensidade das rajadas. (É importante frisar que apenas valores a partir de 1 J kg−1 das 3 CAPEs e da DCAPE foram considerados nas amostras dada a grande predominância do valor zero para estes parâmetros). Uma grande amplitude de variação dos valores das CAPEs é perceptível nas Figuras 4.10a, 4.10b, e 4.10c, especialmente para MUCAPE e SBCAPE às 18UTC. Há também uma grande sobreposição dos interva- los inter-quartílicos das CAPEs para as quatro classes de RAJ, o que parece consistente com os resultados de Evans e Doswell (2001) para os EUA. Porém, há uma ligeira ten- dência para maiores valores das 3 CAPEs para a classe RAJ ≥ 25 m s−1 nos horários das 00UTC e 06UTC, com destaque maior para a MUCAPE na madrugada (06UTC). Às 12UTC e 18UTC não há, essencialmente, nenhuma discriminação entre as CAPEs das quatro classes de RAJ.

O aumento dos valores de MUCAPE e SBCAPE às 18UTC (Figuras 4.10b e 4.10c) reflete a maior desestabilização das parcelas próximas à superfície observada neste ho- rário, com alguns valores muito acentuados de MUCAPE e SBCAPE. Uma inspeção dos diagramas Skew-T (Figura 4.9) para uma RAJ ≥ 25 m s−1 e uma rajada fraca (entre 10 e 14,9 m s−1) mostra que estes altos valores de SBCAPE ocorrem devido à alta umidade da atmosfera (QVM) e/ou intenso lapse rate(LLLR) em baixos níveis .

Fica evidente uma tendência de aumento da DCAPE em função da intensidade das RAJs nos quatro horários (Figura 4.10d), com uma quase separação total dos intervalos inter-quartílicos entre a classe de rajadas mais fracas e RAJ≥ 25 m s−1 às 00UTC. De uma maneira geral, a DCAPE foi o parâmetro da Figura 4.10 com melhor poder de dis- criminação entre as classes de RAJ, particularmente no horário noturno. Este resultado geral parece estar de acordo com a discussão realizada em Johns e Doswell (1992) de que a magnitude da instabilidade condicional (CAPEs), útil operacionalmente na avaliação da intensidade das correntes ascendentes, pode não ser um parâmetro igualmente útil para caracterizar ambientes favoráveis a correntes descendentes. Por outro lado, como a MU- CAPE apresentou um certo caráter discriminatório para a classe RAJ ≥ 25 m s−1 à noite, este parâmetro pode ser útil na avaliação da severidade dos SCMs com iniciação noturna (típicos da Bacia do Prata).

A Figura 4.11 também mostra as distribuições percentílicas para as 3 CAPEs e DCAPE, mas separadas por estação do ano. Para todas as 3 CAPEs o ciclo anual ficou evidente, apresentando valores mais altos no verão (e também na primavera no caso da MLCAPE, Figura 4.11a) e mais baixos no inverno, como esperado. É interessante que nenhum dos parâmetros ilustrados na Figura 4.11 apresentou destreza em discriminar as classes de RAJ no outono (MAM), havendo grande sobreposição entre os intervalos inter- quartílicos das quatro classes nos quatro parâmetros. No inverno (JJA), MLCAPE (Figura 4.11a) mostrou-se como a mais útil na caracterização de ambiente favorável a RAJ ≥ 25 m s−1. Na estação quente (SON e DJF), quando as RAJ ≥ 25 m s−1 são mais frequentes no sul do Brasil (Figura 4.11a), a DCAPE voltou a ser o parâmetro com melhor capacidade

Figura 4.9 – Diagramas skew-T-log-P gerados a partir do CFSR/CFSv2 para o ponto de grade mais próximo: (a) do evento de rajada fraca ( 14,6 m s−1) registrada no dia 13/11/2015 na EMA-INMET de São Miguel Arcanjo (São Paulo). (b) evento de rajada in- tensa (29,5 m s−1) registrada na EMA-INMET de Sete Quedas (Mato Grosso do Sul) no dia 12/01/2015. O traçado pontilhado preto mostra a ascensão da parcela de ar mais instável, o traçado pontilhado vermelho representa a correção do perfil térmico pela temperatura vir- tual (usado efetivamente para o cálculo das CAPEs), a linha vermelha mais fina entre TMP e ORV mostra o perfil da temperatura do bulbo úmido, e também em vermelho é indicada a estimativa da camada de influxo das tempestades junto com a HRT correspondente. Os níveis de condensação por levantamento, de convecção espontânea e de equilíbrio tam- bém são indicados. Os parâmetros fornecidos nos painéis foram calculados utilizando o pacote SHARPpy (BLUMBERG et al., 2017).

(a) (b)

discriminatória principalmente entre a classe de RAJs mais fracas e a classe RAJ ≥ 25 m s−1, novamente colocando a DCAPE numa condição de destaque em comparação com as CAPEs. Combinando-se os resultados das Figuras 4.10 e 4.11 pode-se dizer que a “DCAPE noturna da estação quente” representou a melhor combinação discriminadora dos eventos de rajadas convectivas mais intensas entre os parâmetros analisados até aqui.

77 Figura 4.10 – Diagramas de caixas (boxplots) para (a) MLCAPE, (b) MUCAPE, (c) SB- CAPE, e (d) DCAPE (todas em J kg−1) calculadas da reanálise CFSR/CFSv2, e separadas pelos quatro horários sinóticos indicados em azul e pelas quatro classes de rajadas con- vectivas detectadas pelas EMA-INMET ordenadas da esquerda para a direita: RAJ entre 10,0 e 14,9 m s−1, RAJ entre 15,0 e 19,9 m s−1, RAJ entre 20,0 e 24,9 m s−1 e RAJ ≥ 25 m s−1. As caixas representam a distribuição dos valores entre os percentis 25% e 75%; as linhas verticais estendem-se até os percentis de 95% e 5%; a linha horizontal preta dentro das caixas indica a mediana. Diferentes escalas foram usadas para MLCAPE e DCAPE.

(a)

(b)

(c)

Figura 4.11 – Como na Figura 4.10, mas com os resultados estratificados pelas estações do ano. MAM representa os meses de outono, JJA o inverno, SON a primavera, e DJF o verão.

(a)

(b)

(c)

79 Na Figura 4.12 são apresentados os resultados para os percentis dos LRs de di- ferentes camadas atmosféricas, separados pelos quatro horários sinóticos. Para o MLLR (Figura 4.12a) observou-se uma ligeira tendência de valores gradualmente maios altos na direção das RAJs mais intensas às 00UTC e 06UTC, e com a classe RAJ ≥ 25 m s−1 ficando melhor destacada em relação às demais às 18UTC (ainda que sem uma separa- ção total dos intervalos inter-quartílicos). O MLLR é um parâmetro clássico na previsão de tempestades (p.ex., Craven, Brooks e Hart (2004)), com valores altos de MLLR sendo observados em situações de tempo convectivo severo. É uma variável que responde bem à aproximação de cavados baroclínicos migratórios (DOSWELL; BOSART, 2001).

Em comparação com o MLLR, o LR avaliado em uma camada mais profunda, entre 850 e 500 hPa (LR_850) (Figura 4.12b), discriminou um pouco melhor as quatro classes de RAJ no período noturno (i.e., valores mais altos para as RAJ mais intensas às 00UTC e 06UTC), e destacou melhor a classe RAJ ≥ 25 m s−1 às 18UTC, principalmente na com- paração com a classe de RAJs mais fracas. De uma maneira geral, os MLLR e LR_850 apresentaram um desempenho um pouco melhor na caracterização de condições favorá- veis a rajadas mais intensas do que as 3 CAPEs avaliadas anteriormente. Em um estudo climatológico de SCMs para a América do Norte, Cohen et al. (2007) também encontraram que o LR na camada entre 2 e 6 km tende a ser maior para situações de rajadas de vento mais intensas.

O LR entre a superfície e 3 km de altura (LR03) é particularmente relevante dentro do contexto do modelo de Srivastava (1985, 1987) para correntes descendentes convecti- vas, e é avaliado pela Figura 4.12c. É possível notar o ciclo diurno da camada limite plane- tária (CLP) influenciando esta variável, com LR03 mais altos às 18UTC (mais de 75% dos valores acima de 6◦C km−1) e mais fracos às 06UTC (mais de 75% dos valores abaixo de 6 ◦C km−1) para todas as quatro classes de velocidade da RAJ. Como consequência da forte influência da CLP, o LR03 apresentou uma variância muito maior do que os MLLR e LR_850. Houve uma grande sobreposição dos intervalos inter-quartílicos de LR03 entre as primeiras três classes de RAJ (i.e., RAJs abaixo de 25 m s−1) em todos os horários, mas às 00UTC e, principalmente, às 12UTC LR03 mostrou-se ligeiramente mais alto para RAJ ≥ 25 m s−1 em comparação com as outras classes. Nos outros dois horários esta distinção não ficou evidente.

Pela Figura 4.12d percebe-se que a umidade relativa média em baixos níveis (lo- wRH) mostrou uma clara tendência de queda nas situações de RAJs mais intensas, prin- cipalmente às 00UTC e 18UTC. Porém, a variância de lowRH também aumentou com a intensidade das RAJs, mostrando que eventos de RAJ ≥ 25 m s−1 podem ocorrer sob condições bastante distintas de umidade relativa na CLP, o que não é uma surpresa (SRI- VASTAVA, 1985; PROCTOR, 1988; WAKIMOTO, 2001). É interessante que a análise com- binada do comportamento às 00UTC das distribuições percentílicas para LR03 (4.12c) e lowRH (Figura 4.12d) parece confirmar a noção de que para que um ambiente com umida-

des relativas mais baixas (nos baixos níveis) seja favorável a rajadas convectivas intensas ele deve também apresentar LR mais intensos (SRIVASTAVA, 1985). Porém nos demais horários a relação entre estas duas variáveis não fica tão evidente. Em geral, a queda de lowRH com o aumento da velocidade da RAJ na Figura 4.12d mostra que o resfriamento evaporativo foi um mecanismo participativo no controle das descendentes convectivas, mas não se pode deixar de ressaltar novamente a ampla gama de valores de lowRH nos casos de RAJ ≥ 25 m s−1, como discutido acima.

A umidade relativa média na camada entre 150 hPa e 350 hPa acima da superfí- cie (midRH; Figuras A.2a e A.2b no Apêndice) apresentou uma leve tendência geral de queda com o aumento da intensidade das RAJs, mas esta tendência foi menos evidente do que a observada para lowRH. A camada de cálculo desta variável coincide com a ca- mada típica de geração de correntes descendentes (flutuabilidade negativa), de modo que é natural esperar que uma redução na UR neste nível esteja associada com descendentes mais intensas. Entretanto, esta tendência foi apenas marginalmente encontrada no com- portamento de midRH como função da velocidade da RAJ; uma grande sobreposição de valores de midRH ficou evidente entre as classes de RAJ. Isto pode ser reflexo de diversos fatores, desde o papel desempenhado por outros mecanismos na modulação das rajadas (p.ex., transporte vertical de momento horizontal; diferentes distribuições de tamanhos de hidrometeoros) até problemas de amostragem das RAJs, fator a ser discutido mais adiante. Quanto à distribuição sazonal (Figura 4.13), nota-se que apenas na primavera e no verão o comportamento do MLLR (Figura 4.13a) repetiu aquele encontrado para os horá- rios das 00UTC, 06UTC e 18UTC (i.e., tendência a ser um pouco mais alto para a classe RAJ ≥ 25 m s−1). Para o inverno o MLLR apresentou forte variância e foi um discriminador ruim para as classes de RAJ; no outono ocorreu uma certa inversão no comportamento, com os extremos mais baixos de MLLR (percentis 5% e 25%) ficando bem abaixo dos respectivos extremos das demais classes. Não é claro o motivo desta condição específica no outono, merecendo estudos posteriores. Da mesma forma, o LR_850 (Figura 4.13b) na primavera e no verão manteve a tendência de aumento com a intensidade da classe de RAJ, enquanto que no outono e inverno a magnitude deste parâmetro não apresentou uma dependência clara com as classes de RAJ em geral, e nem especificamente com a classe RAJ ≥ 25 m s−1. Naturalmente, os resultados desta comparação entre o comportamento da distribuição horária e da distribuição sazonal são influenciados pelo fato do tamanho da amostra para a primavera e verão ser maior do que para a estação fria.

81 Figura 4.12 – Como na Figura 4.10, mas para os lapse rates (LRs) das camadas: (a) entre 700-500hPa (MLLR;◦C km−1); (b) entre 850-500hPa (LR_850; ◦C km−1); (c) entre a superfície e 3 km de altura (LR03; ◦C km−1); e (d) para a umidade relativa média na camada entre a superfície e os primeiros 100 hPa (lowRH, %).

(a)

(b)

(c)

A distribuição sazonal de LR03 (Figura 4.13c) apresentou o mesmo aspecto geral de tendência de aumento com a intensidade da classe de RAJ, mesmo na estação fria, mas sendo menos evidente do que a tendência encontrada na análise horária. Para lowRH (Figura 4.13d), uma maior amplitude de valores foi encontrada na estação quente (SON e DJF), possivelmente como reflexo do maior número de episódios de RAJ neste período em comparação com o outono e inverno. Entre as quatro estações a que exibiu a mais clara tendência para queda de lowRH com o aumento das RAJs foi o verão, mas, ainda assim, com pouca discriminação entre os intervalos inter-quartílicos das quatro classes de RAJ. Combinando-se a análise horária e sazonal para lowRH, parece que o melhor desempenho deste parâmetro em indicar condições favoráveis a rajadas mais intensas é para a atividade convectiva da tarde (18UTC) durante o verão, especialmente para a faixa de lowRH abaixo de 60%.

A razão de mistura (de vapor d0água) média entre a superfície e os primeiros 100 hPa (QVM) é um parâmetro muito útil na discriminação entre condições úmidas e secas na baixa troposfera (NASCIMENTO et al., 2016). A distribuição percentílica de QVM é mostrada na Figura 4.14a para os quatro horários sinóticos. Primeiramente deve-se notar a quase ausência de um ciclo diurno para este parâmetro, apenas com valores levemente mais altos às 18UTC. As quatro classes de RAJ apresentaram distribuições muito pare- cidas de QVM nos quatro horários, não havendo, em nenhum horário, um padrão que discriminasse as quatro classes entre si; contudo, às 18UTC, uma leve separação ocorreu entre a classe RAJ ≥ 25 m s−1 e as demais classes de RAJ para valores de QVM abaixo de 13 g kg−1, isto é, quando em uma CLP um pouco mais seca. Na análise sazonal (Fi- gura 4.14b) o verão mostrou uma ligeira capacidade discriminante deste parâmetro para a classe RAJ≥ 25 m s−1 em valores abaixo de 12 g kg−1. Em resumo, QVM não parece ser um parâmetro muito adequado para discriminar condições favoráveis a rajadas convectivas severas no sul do Brasil, principalmente no período entre a noite e a manhã.

Como revisto não Capítulo 2, o parâmetro theta-e index (TEI) é um índice que pro- cura identificar perfis termodinâmicos potencialmente geradores de correntes descenden- tes intensas (e, portanto, rajadas convectivas fortes) a partir da diferença entre θe e no nível de provável formação das correntes descendentes e θe e em superfície. A Figura 4.15a mostra as estatísticas para este parâmetro como função das classes de rajadas nos horários sinóticos. Assim como a DCAPE, o TEI apresentou seu melhor desempenho nos horários noturnos (particularmente às 06UTC), com uma tendência a apresentar valores mais altos para as RAJs mais intensas. Apesar disto, muita sobreposição de intervalos inter-quartílicos também ficou evidente. Para os horários das 12UTC e 18UTC, TEI não exibiu nenhuma destreza em separar as classes de RAJ.

83 Figura 4.13 – Como na Figura 4.12, mas com os resultados estratificados pelas estações do ano.

(a)

(b)

(c)

Figura 4.14 – Como na Figura 4.10, mas para a razão de mistura média nos primeiros 100 hPa (QVM; g kg−1); (b) como na Figura 4.11, mas para QVM (g kg−1).

(a)

(b)

Atkins e Wakimoto (1991) mostraram que em eventos de microexplosões úmidas na Flórida o TEI ficou acima de 20 K. Com os dados da reanálise CFSR/CFSv2 as medianas de TEI para a classe de RAJ ≥ 25 m s−1 sul do Brasil só ficaram acima deste limiar às 18UTC (Figura 4.15a), e mesmo assim sem valor prático para separar esta classe de RAJ das demais. Na Figura 4.15b é possível verificar a variação sazonal de TEI, com as medianas mais altas ocorrendo no verão. Porém em nenhuma estação do ano TEI conseguiu se mostrar útil em discriminar os ambientes favoráveis a gerar as rajadas mais intensas, em contraste com a DCAPE, que manteve um bom desempenho neste aspecto também na distribuição sazonal.

85 Figura 4.15 – Como na Figura 4.10, mas para o parâmetro theta-e index (TEI; K); (b) como na Figura 4.11, mas para TEI (K).

(a)

(b)