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Parâmetros semânticos

No documento - SP TAÍSA PERES DE OLIVEIRA (páginas 73-81)

TIPOLOGIAS DAS ORAÇÕES CONDICIONAIS

B: Foi um carro que Maria comprou.

5.2. Parâmetros semânticos

No contexto da GF, os estudos sobre as orações adverbiais têm revelado a importância de analisar a estrutura semântica interna dessas orações. Ou seja, diferentemente do que se têm feito nos diversos tratados sobre subordinação adverbial, nos quais se avaliam a oração adverbial no âmbito da relação que ela estabelece com a oração principal, nos estudos de Hengeveld (1993, 1996, 1998) e Pérez Quintero (1998, 2002), têm se demonstrado a necessidade de voltar o foco de atenção para a oração adverbial em si. Em outras palavras, em Hengeveld (1993, 1996, 1998) e em Pérez Quintero, os autores analisam a oração adverbial do ponto de vista de sua estrutura semântica apenas e não a relação que essa oração contrai com a oração núcleo.

Nesse sentido, Hengeveld (1993, 1996, 1998) propõe que a constituição semântica interna de uma oração adverbial deve ser avaliada observando-se quatro

parâmetros: (i) tipo de entidade; (ii) referência temporal; (iii) factualidade e (iv) pressuposição.

Esses parâmetros foram testados tipologicamente por esse autor, que analisou diferentes línguas européias, e por Pérez Quintero (1998, 2002), que mostrou sua relevância para o estudo das orações adverbiais de uma língua particular, no caso o inglês. Mediante tais considerações, a análise da estrutura semântica da oração condicional realizada neste trabalho irá considerar tais parâmetros.

5.2.1. Tipo de entidade

De acordo com Hengeveld (1993, 1996, 1998), no nível semântico as orações adverbiais podem ser avaliadas segundo o tipo de entidade que designam. Essa distinção, seguindo o modelo da GF, leva a quatro tipos de oração: de ordem zero (se designam uma propriedade ou relação), de segunda ordem (se designam um estado-de- coisas), de terceira ordem (se designam um conteúdo proposicional) e de quarta

ordem (se designam um ato de fala).30

No que diz respeito especificamente à análise das orações condicionais, não se consideram as entidades de ordem zero, já que esse tipo de entidade não pode ser expressa por esse tipo oracional. A partir do parâmetro tipo de entidade, pode-se distinguir, portanto, três tipos de condicional:

(i) Orações condicionais de segunda ordem: designam um estado-de-coisas, que pode ser avaliado em termos de sua realidade, como no exemplo:

(52) De acordo com a legislação, se não pagar a taxa, a moratória será executada. (ii) Orações condicionais de terceira ordem: designam um conteúdo proposicional, que

pode ser avaliado em termos de sua veracidade. É o que mostra o caso a seguir: (53) Se a multa está sendo executada o aluguel não foi pago.

30 É importante ressaltar que as entidades de primeira ordem (que designam indivíduos) somente podem

ser expressas por termos e, por essa razão, não podem ser consideradas na classificação das orações adverbiais (PÉREZ QUINTERO, 2002).

(iii) Orações condicionais de quarta ordem: designam um ato de fala, que pode ser avaliado em termos de sua informatividade, como se vê no exemplo a seguir:

(54) Se você me permite, essa roupa é inadequada.

Essa classificação pode ser resumida no seguinte quadro, extraído de Hengeveld (1998):

Tipo de entidade Descrição Avaliação

Segunda ordem Estado-de-coisas Realidade

Terceira ordem Conteúdo proposicional Verdade

Quarta ordem Atos de fala Informatividade

Quadro 6 – Tipos de entidade31

Hengeveld (1998) afirma que a diferença entre os tipos de entidade pode ser mais bem compreendida a partir do tipo de modificação que recebem. A diferença entre as entidades de segunda e de terceira ordem está no fato de que as primeiras descrevem um estado-de-coisas e são independentes do falante, ou seja, elas não podem ser asseveradas, conhecidas, julgadas, acreditadas ou questionadas. Em outras palavras, os estado-de-coisas não podem ser avaliados em termos atitudinais, mas apenas no que diz respeito a sua ocorrência quanto a tempo, freqüência e lugar, como no exemplo:

(55) Se não pagar hoje/amanhã a moratória será executada.

Por outro lado, as entidades de terceira ordem descrevem um conteúdo proposicional, um construto mental, sendo, dessa maneira, dependentes do falante. Por essa razão, uma oração de terceira ordem pode ser qualificada por um modificador atitudinal, isto é, pode ser avaliada em termos da atitude do falante, quanto a sua validade. É o que se observa no seguinte exemplo:

(56) Acho que se não pagar hoje/amanhã a moratória será executada.

31 O quadro original (HENGEVELD, 1998) traz ainda as entidades de zero e primeira ordem, que foram

As entidades de quarta ordem aceitam um qualificador ilocucionário, o que não ocorre com as demais. É o que mostra o caso abaixo:

(57) Se eu posso falar francamente/honestamente/abertamente essa roupa é inadequada.

Hengeveld (1998) ressalta ainda que as orações de segunda e terceira ordem podem receber modificação ilocucionária, mas, nesse caso, o escopo do modificador recai sobre a construção como um todo, incluindo a adverbial e a núcleo. Esse não é o caso das orações de quarta ordem, que, constituindo um ato independente, podem receber modificação ilocucionária própria.

É preciso mencionar que a classificação semântica das adverbiais proposta por Hengeveld (1993, 1996, 1998) diz respeito à estrutura semântica interna da oração em si e não deve ser confundida com a classificação semântica dos satélites estabelecida na GF. Em outras palavras, a classificação levada a cabo pelo autor diz respeito à entidade designada pela oração adverbial e não à camada com a qual essa oração se relaciona, já que, no trabalho desse autor, estuda-se a oração adverbial e não a relação desta com a oração núcleo.

Conforme se discutiu na Subseção 3.4, estudos mostraram que não necessariamente uma oração que designa um estado-de-coisas, por exemplo, tem de relacionar-se a uma oração correspondente à camada da predicação. Ou seja, não existe uma relação direta entre a estrutura semântica interna da oração adverbial – o tipo de entidade que ela designa – e a camada em que ela opera. É o que mostraram Wakker (1996) e Cuvalay (1996), que encontraram casos de condicionais que designam um estado-de-coisas, mas relacionam-se a outras camadas da oração, como a camada da ilocução, segundo mostram os casos discutidos por Wakker (1996, p. 181):

(58) In case of rain, there is an umbrella in my wardrobe. Em caso de chuva, tem um guarda-chuva no armário.

(59) In case of an emergency call, I’ll be in my office till lunchtime.

Em caso de uma chamada de emergência, eu estarei no meu escritório até a hora do almoço.

Ambos os exemplos ilustram casos de uma condicional de segunda ordem, isto é, designando um estado-de-coisas, relacionando-se à camada da ilocução. Em (58) o

estado-de-coisas ‘in case of rain’ relaciona-se ao ato de fala ‘there is na umbrella in my

wardrobe’, qualificando, assim, uma unidade da camada da ilocução. Esse fato somente

corrobora a proposta de Hengeveld (1996, 1998) e Pérez Quintero (1998, 2002), seguida neste trabalho, de analisar a estrutura semântica interna da oração, ou seja, a entidade que ela designa, e não as relações semânticas estabelecidas por ela32. Assim, Pérez Quintero (1998) afirma que, de acordo com o tipo de entidade designado na oração condicional, a seguinte classificação pode ser estabelecida (p. 205-206):

(i) condição eventiva: designa uma entidade de segunda ordem, uma vez que indica que, se o estado-de-coisas designado ocorrer, confirma-se a validade do conteúdo expresso pela oração principal;

(ii) condição epistêmica: designa uma entidade de terceira ordem, expressando a opinião do falante acerca da realização da condição;

(iii) condição verbal: designa uma entidade de quarta ordem, um ato de fala independente, revestido de força ilocucionária própria.

A proposta apresentada por Hengeveld (1993, 1996, 1998), no entanto, precisa ser reelaborada nos termos do novo modelo desenvolvido pela GDF. Na GDF, com a separação dos níveis de análise pragmática e semântica, a classificação dos tipos de entidades não mais considera o ato ilocucionário como uma entidade semântica, tal como era na GF. Isso porque o ato é analisado no nível interpessoal, em que são examinadas questões discursivo-pragmáticas. Dessa forma, a oração condicional de quarta ordem, que designa um ato ilocucionário, não mais é avaliada como um tipo semântico. Sua análise se dá no nível interpessoal. Além disso, o quadro de entidades elaborado por Hengeveld e Mackenzie (no prelo) traz novas categorias além do estado- de-coisas e da proposição, incorporados da GF. É o que se vê no quadro 2, que se repete a seguir:

Categoria semântica da entidade Variável Exemplo Episódio Conteúdo proposicional ep p sumário idéia

32 Em relação à estrutura externa, a oração condicional pode ser avaliada pela função semântica que

assume enquanto modificador oracional, tal como foi discutido na seção 3.3 Uma tipologia da relação se p (então) q.

Estado-de-coisas Indivíduo Lugar Tempo Propriedade/relação e x l t F encontro cadeira jardim semana cor

Quadro 7 – Tipos de entidade na GDF

Cabe lembrar que, das entidades distinguidas pela GDF, as orações condicionais podem designar apenas duas, os estados-de-coisas e os conteúdos proposicionais, já que o ato de fala não mais é considerado uma entidade semântica, mas uma unidade do nível interpessoal. Tendo em vista, portanto, essa revisão no quadro das categorias semânticas das entidades elaborada pela GDF, neste trabalho propõe-se que o critério tipo de

entidade dá origem a dois tipos de condicionais: (i) as eventivas, que designam um

estado-de-coisas e as (ii) epistêmicas, que designam um conteúdo proposicional. 5.2.2. Dependência temporal

No que diz respeito à dependência temporal da oração adverbial em relação à oração núcleo, Hengeveld (1996, 1998) propõe dois tipos de orações: as que se realizam com Referência Temporal Dependente (RTD) e as que se realizam com Referência

Temporal Independente (RTI). Esse parâmetro é estabelecido tendo em vista os

trabalhos de Noonan (1990), Bolkestein (1990), Hengeveld (1990) e Dik e Hengeveld (1991), que defendem a necessidade de distinguir os complementos de acordo com as restrições na escolha dos operadores por eles permitidos. Assim, Hengeveld (1996) mostrou que as orações completivas têm referência temporal dependente quando essa se realiza como uma conseqüência necessária do significado do predicado encaixador, tal como mostram os exemplos abaixo:

(60) I saw him leave. Eu o vi sair.

(60a) *I saw him have left. Eu vi que ele saiu.

(61) I regret that he leaves today. Eu lamento que ele parta hoje. (61a) I regret that he left yesterday

A esse respeito Hengeveld (1996) discute que, embora os complementos de ‘see’ assim como os de ‘regret’ designem estados-de-coisas, eles se diferenciam pelo fato de que o evento encaixado em ‘see’ é necessariamente simultâneo ao evento descrito na oração principal, realizando-se, portanto, com referência temporal dependente.33 Por outro lado, o evento encaixado em ‘regret’ é temporalmente independente do evento contido na oração principal.

Observa-se essa mesma relação de dependência nas orações adverbiais, que, assim, podem ser avaliadas em termos de dependência temporal em relação à oração núcleo, como ilustram os seguintes exemplos:

(62) He cut himself while shaving. (RTD) Ele se cortou enquanto se barbeava.

(63) The streets are wet because it is raining/because it is has been raining. (RTI) As ruas estão molhadas porque está chovendo/porque esteve chovendo.

Em seu estudo sobre as orações adverbiais do inglês, Pérez Quintero (1998, 2002) afirma que esse parâmetro somente é válido para as orações de segunda ordem, já que as orações de terceira, segundo essa autora, necessariamente apresentam referência temporal independente. No entanto, uma vez que não há estudos que tenham avaliado os parâmetros propostos por Hengeveld (1996, 1998) para dados do português, nossa análise considerará esse parâmetro independentemente do tipo de entidade designado pela condicional.

5.2.3. Factualidade

O terceiro parâmetro, a factualidade, distingue as orações adverbiais em factuais ou não-factuais. As orações adverbais são factuais quando designam uma entidade como real (estado-de-coisas) e verdadeira (proposição). Por outro lado, as orações adverbiais são consideradas não-factuais se descrevem uma entidade como não-real (estado-de-coisas) ou não-verdadeira (proposição). Os casos seguintes, extraídos de Pérez Quintero (1998, p. 164) ilustram esses tipos:

33 Poder-se-ia contra-argumentar com base nos exemplos do português ‘Eu vi que ele tinha saído’ ou ‘Eu

vi que ele sairia’. Entretanto, nesses casos, o verbo ver é usado na acepção de conhecer, saber. Nos casos discutidos por Hengeveld o verbo ‘see’ é usado em sua acepção original de “enxergar algo”.

(64) The fuse blew because we had overload the circuit. (Factual) O fusível explodiu porque nós sobrecarregamos o circuito. (65) I’ll come tomorrow in case Ann wants me. (Não-factual).

Eu virei amanha no caso de que Ann me queira.

No que diz respeito especificamente à aplicação desse parâmetro às orações condicionais, Hengeveld (1998) e Pérez Quintero (1998, 2002) classificam as orações condicionais como não-factuais, uma vez que esse tipo oracional descreve um evento não-realizado ou uma proposição não-verdadeira. Ao contrário do que acontece nas orações factuais (por exemplo, as causais), o conteúdo da oração condicional é concebido como algo potencial ou irreal, o que pode estar relacionado ao caráter modalizador da própria conjunção condicional, que concebe como incerto o conteúdo por ela descrito.34 Podem ser factuais, segundo Hengeveld (1998) e Pérez Quintero (1998, 2002), orações como as causais, as finais, as explicativas, as temporais e as concessivas. Entre as não-factuais, além das orações condicionais, estão as orações circunstanciais.

5.2.4. Pressuposição

De acordo com o parâmetro Pressuposição, Hengeveld (1996, 1998) avalia o conteúdo descrito pela oração adverbial em pressuposto ou não-pressuposto. No entanto, como mostra Pérez Quintero (1998), embora Hengeveld (1996) aplique esse parâmetro ao estudo tipológico das adverbiais, ele não explicita o ponto de vista adotado para entender o conceito de pressuposição.

Levando em conta essa indefinição, Pérez Quintero (1998, 2002), em sua classificação das adverbiais do inglês, defende a adoção de uma visão pragmática, que permite conceber a pressuposição de acordo com o modo como o falante estrutura sua mensagem em relação ao que espera ser do conhecimento de seu ouvinte. Após um levantamento sobre os diferentes modos de conceber a pressuposição, a autora afirma que

34 Sobre essa relação, Visconti (2004) propõe as conjunções condicionais como uma expressão gramatical

Um enfoque pragmático da pressuposição é, portanto, mais apropriado do ponto de vista da GF, quadro teórico da presente investigação, já que tem em conta a análise de um fenômeno lingüístico do ponto de vista da comunicação entre os indivíduos.35

É também nesse sentido que se justifica adotar a visão dessa autora. Assim, segundo o parâmetro “pressuposição”, uma oração pode ser classificada como pressuposta se o falante formula seu enunciado partindo do suposto de que seu ouvinte tem conhecimento de que o conteúdo veiculado na adverbial é real/não-real ou verdadeiro/não verdadeiro, como mostra o seguinte exemplo:

(66) He got the job although he had no qualifications.

Ele conseguiu o trabalho embora não tivesse qualificações.

Por outro lado, se o falante produz seu enunciado partindo do suposto de que seu ouvinte não tem conhecimento de que o conteúdo descrito pela oração adverbial é real/não-real ou verdadeiro/não verdadeiro, a oração adverbial será classificada como não-pressuposta. É o que se observa neste caso do inglês, extraído de Pérez Quintero (1998, p. 184):

(67) Jenny went home because her sister would visit her. Jenny foi para casa porque sua irmã a visitaria.

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