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SUPERVISÃO DE ENSINO: DOS MITOS HISTÓRICOS CONTRADITÓRIOS À IDENTIDADE EMANCIPATÓRIA POSSÍVEL

3.2.3 O Paraíso Perdido: a busca de identidade

E tornou-se pedra e esfinge, com um brilho que ainda cega e desafia.

(RUBEM BARBOZA FILHO, 2003)

Apesar de todas as dificuldades apontadas ao longo da discussão do grupo focal, marcada pela crise de identidade da supervisão, a etapa final do encontro foi propositiva.

Ancorados em estrofes da letra da música trabalhada como disparador da discussão, sistematizaram suas reflexões com base nas práticas individuais, nas vivências das diretorias articuladas aos depoimentos compartilhados no encontro.

76 Expressão análoga a utilizada por Fukuyama que decretou o fim da história, ao referir-se à irreversibilidade do capitalismo.

Pensando no momento atual, um supervisor relatou:

Acho que o meu discurso fica aqui: “É a verdade o que assombra, o descaso o que condena, a estupidez o que destrói, eu vejo tudo o que se foi e o que não existe mais, tenho os sentidos já dormentes, o corpo quer e a alma entende, essa é a terra de ninguém, eu sei que devo resistir eu quero a espada em minhas mãos”. 78

Quando paramos e percebemos “o que fizeram de nós?”, retomando as reflexões de Sartre, a verdade assombra. Os vários processos de políticas públicas que conduziram o funcionalismo público, e não só a supervisão a uma situação de precariedade, mostra a face extramente produtiva do capital em seus intentos.

O descaso com que o Estado trata as políticas sociais e em especial as educacionais dirigidas a uma população e a uma categoria de profissionais, imersos nas dificuldades materiais e objetivas de desenvolvimento humano, intelectual e até mesmo de sobrevivência, parecem deixar nossos sentidos já dormentes. Porém, apesar de toda a estupidez o que destrói, reduzindo Homens à condição de máquinas, concentrando a riqueza para poucos e espalhando a miséria a muitos, o nosso corpo quer e alma entende, só que agora não somente uma felicidade metafísica, mas que objetivamente os desejos da alma se materializem no corpo, no trabalho, na existência humana.

Inversamente ao propagado pela cultura afirmativa burguesa, eu sei que devo resistir, eu

quero a espada em minhas mãos! Já sabemos o que fizeram de nós. Não queremos mais nossas

vidas determinadas, queremos ser agentes que constroem a história em seu presente por meio da resistência!

E nesta construção histórica, que considera suas precariedades e mazelas, limites e incertezas: possibilidades se impõem na práxis.

Penso que o caminho é deixar clara a nossa função, os nossos limites. (...) Temos que estudar, não só no Progestão. Estudo, reflexão, não só da legislação, senão ficamos presos somente ao cumprimento. Precisamos de reflexão, com embasamento teórico para superar essa situação. E quando ouvi este trecho da música pensei muito no perfil que a secretaria colocou: “quase acreditei na sua promessa, e o que vejo é fome e destruição, perdi a minha sela e a minha espada, perdi o meu castelo e minha princesa”. Porque, retomando minha trajetória: PEB I de zona rural, PEB I na zona urbana, Professor-Coordenador, Vice-diretor, Diretor; percebi que não conhecia a supervisão como supervisor! Conhecia a supervisão do outro lado e a idealizava: - Ah! Quando eu for supervisor vou fazer isso, aquilo. E quando lia o perfil casava

78 Excerto de depoimento do grupo focal realizado em 02/05/2007, citando a letra de Renato Russo, Metal Contra as

com o meu ideal, mas na prática não foi assim. Então vi a promessa que não foi cumprida.79

De modo geral a discussão no grupo focal foi centralizada em torno de alguns eixos: crise de identidade, necessidade de trabalhos coletivos, de estudo e reflexão sobre a função, progestão como espaço de formação. Chama a nossa atenção a ausência de afirmações que apontassem para a ação supervisora mediadora, de parceria, comprometida com a qualidade do processo educacional, enfim uma ação supervisora voltada à garantia dos direitos dos diferentes agentes educacionais.

Considerando que, nos últimos tempos, não tivemos ações por parte da SEE voltadas para a formação continuada específica da supervisão de ensino, os encontros coletivos presenciais envolvendo supervisores de todo o Estado deixaram de ocorrer e a ênfase nas videoconferências para orientações, os eixos focados no encontro justificam-se.

Há que se ressalvar, entretanto, as colocações que enfatizaram o Progestão80 como medida das coisas. Após anos, sem momentos de encontro presencial com os pares, podemos entender a empolgação de alguns colegas com o projeto, principalmente pela possibilidade de estudo e de planejamento de algumas ações de formação continuada na DE junto aos gestores escolares. Aparentemente, os supervisores tinham uma função de tutoria, essencial ao projeto na reprodução de seus princípios.

Mas o como retratado no excerto acima, que para compreensão de nossa função não consideremos só o Progestão como possibilidade e modelo de organização, ressalto ainda no depoimento o cuidado que deve permear a nossa função supervisora quando, ao realizar uma primeira leitura ou o contato com o perfil colocado pela SEE, uma supervisora cita o trecho da

79 Excerto de depoimento do grupo focal realizado em 02/05/2007, com citação da música Metal Contra as Nuvens, de autoria de Renato Russo.

80 O Progestão , um curso desenvolvido pela SEE em parceria com o CONSED, utilizou-se dos supervisores como “tutores” na formação da equipe gestora das escolas (diretores, vice-diretores, professores-coordenadores, além dos próprios supervisores e dirigentes). A equipe de supervisores da DE, composta por um coordenador local e por tutores, participava de capacitações em São Paulo sobre cada um dos módulos a ser trabalhado. Em seguida organizavam ou “reproduziam” as orientações recebidas junto às turmas de gestores sob sua responsabilidade. Havia recursos financeiros para o desenvolvimento dessas atividades, tanto em São Paulo quanto nas Diretorias de Ensino. A existência de um espaço de formação específico para gestores na DE, sob a “responsabilidade” dos supervisores, após um longo tempo sem iniciativas dessa natureza pelos órgãos centrais “contagiou” estes últimos profissionais. Mais uma vez o “otimismo pedagógico” estava presente. Não percebíamos uma leitura crítica dos materiais e técnicas utilizadas, bem como dos objetivos do programa. Há que se ressaltar que o Programa foi organizado para capacitar a distância os gestores escolares, entretanto, no Estado de São Paulo, ocorreu apenas de forma presencial na Diretoria e em ações descentralizadas nas Escolas.

música: “quase acreditei na sua promessa...” e chega à conclusão ao final que a promessa na prática não foi cumprida.

Como, no decorrer da pesquisa, o material empregado no Progestão não foi analisado minuciosamente em todos os exemplares, mas apenas no aspecto macro de políticas públicas, gostaria de chamar a atenção para o contexto e critérios de reflexão que pautam (ou deveriam) nossos posicionamentos com relação aos programas e projetos de governo. Devemos ser rigorosos em nossas análises ou corremos o risco de acreditar na promessa e ao final percebermos que “perdi o meu castelo e a minha espada”, ou seja, a possibilidade de resistência!

Outro fato importante levantado no último excerto citado diz respeito à idealização que os profissionais fazem dessa função, justamente por não haver uma identidade definida, própria e objetiva, abrem-se espaços para criação de mitos que percorrem o caminho desde o Olimpo, mundo superior dos deuses com qualidades divinas, até ao mundo inferior de Hades, ocupado por ‘seres estranhos’.

Mas, a realidade não ocupa os extremos desses mundos opostos. Ela ocupa este mundo em que vivemos, com todas as suas contradições. E, novamente recorrendo a Marcuse, afirmamos também:

“Compreender a realidade significa, portanto, compreender o que as coisas verdadeiramente são, e isto implica, por sua vez, na recusa de sua simples facticidade”.

(MARCUSE, 1968)

É na recusa da simples facticidade que surge o olhar dialético, de negação da própria negação, percebendo os limites, mas com vistas à superação e novas possibilidades.