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“La vida urbana, e incluso la vida en el campo, cada vez más mecanizada, nos alejan del mundo físico y vivo; nos sumergem en el medio artificial de nuestras creaciones. Pronto seremos incapaces de imaginar las noches sin luz, el aire sin ruido y olor a petróleo, el espacios sin cubos de geometría cuyos únicos vacíos los llena una humanidad aglomerada. El tiempo sometido a la velocidad ya no tiene duración...toda interrupción de las leyes naturales en este mundo artificial, que el hombre cree falsamente dominar con sus técnicas, sorprende y escandaliza” (Debesse- Arviset, 1985, p.170).

Presencia-se, no início do século XXI, uma relação desbalanceada entre ser humano e natureza, pois essa é vista basicamente como fonte inesgotável de recursos para produção crescente de energia e de bens de consumo. Há, ainda, uma pressão mercadológica que impulsiona a consumir muito mais a cada instante, sem responsabilidade social, contribuindo dessa forma para que se consolide o distanciamento que tem nos livrado da responsabilidade perante as problemáticas socioambientais da contemporaneidade. Há um despreparo para o enfrentamento de problemas cotidianos, agravado pelo fato de que o conhecimento científico sobre a natureza e suas inter-relações é tão fragmentado quanto o currículo escolar brasileiro.

Para Brandão (1997) o conhecimento é uma gama de diferentes formas e dimensões do saber humano. “De qualquer maneira e sempre é preciso conhecer. Será preciso, o tempo todo, estar realizando a ousadia e o esforço de adquirir mais e melhor conhecimento” (Brandão, 1997, p.18). Nesse sentido, o EM será tratado aqui numa perspectiva de contribuir para o reconhecimento da realidade7, pois propicia reflexões e

7 Considera-se aqui, realidade, numa perspectiva de compreender, transformar, intervir para a

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conhecimentos, desperta sensações e sentimentos que poderão potencializar e alavancar ações humanas em prol da melhoria na qualidade de vida.

Os EM são, via de regra, conhecidos como uma técnica em que se faz uso de determinado local para aprofundar conceitos e/ou conteúdos relacionados geralmente ao currículo escolar. Para que a sua realização atinja as expectativas dos participantes e, conseqüentemente, para que haja êxito na proposta, o acompanhamento das etapas de planejamento deve ser meticuloso, pois são muitas as variáveis que interferem: o interesse e envolvimento das pessoas, as condições (climáticas, de segurança) do local escolhido, a duração e planejamento das atividades, o preparo (teórico e prático) dos condutores, entre outras.

A realização desse tipo de atividade vem de muito tempo e é praticada em algumas escolas, ainda hoje, mesmo que aquém do desejado pelos estudantes que, em geral, se interessam por aulas em espaços diferenciados.

São diversas as contribuições que podem advir da realização dos EM. Podemos citar o estreitamento das relações intra e interpessoais que, apesar de ser importante, é pouco valorizado e difícil de ser mensurado e as múltiplas possibilidades de ensino- aprendizagem através da observação, percepção, interpretação e análise dos dados coletados, em busca de conhecimento e compreensão do meio em que se vive.

Nesse capítulo, pretende-se, também, provocar algumas reflexões sobre o modo como nos relacionamos com o entorno, da epiderme ao cosmo. Como estamos olhando, ouvindo, cheirando, sentindo, percebendo, falando, calando? Será que a realização de EM pode ampliar nossos horizontes, fazendo-nos sentir (mais) pertencentes à vida, ao mundo? Houve momentos de ruptura que nos distanciaram dos rios, da terra, do prazer dos ventos, do medo dos furacões e avalanches, do aprendizado na e da natureza?

Busca-se conhecimento científico sobre o planeta Terra e o espaço, investindo- se quantidades expressivas de “tempo e dinheiro” na tentativa de se encontrar respostas também a outras questões primordiais, como por exemplo: qual a origem da vida no planeta? De onde viemos? Há um “elo perdido”? Há formas de vida em outros planetas? “Actualmente, la curiosidade despertada por los espacios ignorados abandona la tierra por los astros. Los héroes ya no son Cristóbal Cólon, Amundsen o

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Scott, sino los astronautas. Se ha trastornado un mundo” (Debesse-Arviset, 1985, p.155).

Sabe-se, por exemplo, que combinações de certos gases e partículas em suspensão na atmosfera são co-responsáveis pela manutenção das condições da vida humana, vegetal e animal no planeta. Os processos físicos, químicos, geológicos e biológicos que nos envolvem são bastante dinâmicos, porém, o que se quer destacar é que, praticamente, não se tem consciência e conhecimento das suas correlações, bem como das repercussões das ações antrópicas sobre os diferentes níveis de interação do ser humano com a natureza. Nessa situação, podem ser considerados ainda dois agravantes: o distanciamento cognitivo e sensorial do entorno, do cotidiano, do saber empírico e, as evidências das restrições de acesso ao conhecimento científico e as novas tecnologias para todos. Isso nos distancia da nossa própria vida, do mundo que nos cerca, das possibilidades de inferir e interferir nele.

Quanto conhecemos do ambiente natural? Quantos de nós (e quantas vezes) paramos para pensar que as condições aprazíveis (mesmo que aparentemente inóspitas de algumas regiões extremas) que há neste planeta são as bases para a magnífica diversidade de espécies vegetais e animais, muitas ainda desconhecidas? Apesar de, geralmente, dar-se ênfase à biodiversidade, sabe-se que há associações importantes também entre as grandes massas de água, os ventos e o clima. Deve-se ressaltar que todos esses sistemas estão interligados e são interdependentes.

Mas houve um tempo em que o conhecimento, mesmo que empírico, pertencia ao homem do campo. Sabia-se, por exemplo, as mudanças das estações ou o rigor de um inverno pelas formas e cores das nuvens, pela direção dos ventos ou migração de animais. Não se quer dizer com isso que esse “tempo pretérito” tenha se perdido totalmente, mas muitos conhecimentos tradicionais se perderam com o extermínio das nações indígenas do Brasil e de outros povos e culturas da América Latina. Apesar disso, extrapolando-se para a realidade escolar:

“O contato direto e reflexivo sobre o espaço de um local seja da realidade do aluno ou outras, permite que o estudante forme referenciais para entender que o meio é historicamente dinâmico; ele foi e será transformado: as próprias diferenças entre o tempo das construções documentam as mudanças”. (Pontuschka, 1998).

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Numa reflexão abrangente, Santos (2002) faz uma crítica que pode convergir para essa problemática, quando afirma que “a ciência moderna desconfia sistematicamente das evidências da nossa experiência imediata” (Santos 2002, p.12), isto é, o conhecimento científico faz um desvendamento da natureza que não é contemplativo, e sim ativo, pois visa conhecer a natureza para subordiná-la às necessidades e vontades humanas.

O que se foi, ou parece que se perdeu em grande parte, é a capacidade de se perceber e desvendar os sinais. Perdeu-se o “tempo” necessário para a observação, leitura, reconhecimento e compreensão do entorno. Perdeu-se também o “tempo” da fruição, do devaneio, do deleite ou do contemplativo, pois visa-se “conhecer a natureza para a dominar e controlar” (Santos, 2002, p.13). É como se uma estrutura gigante, invisível, impusesse um novo continuum, uma nova velocidade e ritmo, gerando uma outra qualidade da relação, distanciando as impressões internas e externas da consciência reflexiva sobre elas, do corpóreo humano. “A cada dia se passam muitas coisas, porém, ao mesmo tempo, quase nada nos acontece" (Bondía 2001, p.2).

Os seres humanos já estiveram mais ligados à realidade (pelo menos local) pela própria necessidade de sobrevivência. Desde os primórdios, os habitantes das cavernas, como coletores e depois caçadores, tinham os sentidos aguçados; porém atualmente, parece haver um “sedentarismo intelectual” causado pelo modo de vida contemporâneo, anestesiando-nos no conforto proporcionado pela utilização de computadores, televisores, supermercados. Há poucas surpresas nos grandes centros urbanos, além do estresse causado pela violência, poluição, etc. Os sentidos embotam- se, distanciando-nos da possibilidade de nos apropriarmos de algo que também nos pertence e da qual fazemos parte – a Terra8.

Os EM realizados em áreas naturais, numa perspectiva de compreender a complexidade humana (Morin, 2000), que explore e respeite as sensações e percepções (frio, calor, desconforto, cansaço, prazer etc) podem levar a modificações e autoconhecimento, revelando o sentimento de pertença; pois “ao ampliar a noção de si mesmo, o mundo também se amplia” (Mendonça, 2003, p.81).

8 Referimo-nos aqui a duas idéias: da hipótese de Gaia, mais difundida por James Lovelock e

Lynn Margulis como “um complexo entrelaçamento de sistemas vivos e não-vivos dentro de uma única teia” (Capra, 1996, p. 173-4); e também a de Serres (1994), na qual o homem deve buscar um estado de “paz e o amor”, e para tal deve renunciar ao contrato social primitivo, firmando um novo pacto com o mundo: o contrato natural.

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