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Para contextualizar a responsabilidade socioambiental no Brasil (breves

A adesão do Brasil à agenda neoliberal desenha um cenário de ajustes estruturais e macroeconômicos nos anos 1990, no qual o setor produtivo local teve de engendrar uma reação defensiva para se adaptar e sobreviver em um ambiente de bruscas mudanças e acirrada competição. Ao mesmo tempo, expõem-se intoleráveis níveis de vulnerabilidade econômica e social de substancial parte da população, bem como a necessidade de atendimento das crescentes demandas sociais, constituindo-se componentes de um grande desafio para os que estão envolvidos na gestão pública. Desta forma, em consonância com o ideário neoliberal, apostam-se em estratégias públicas de descentralização e focalização dos gastos e em parcerias com o setor privado, organizações do terceiro setor e sociedade civil organizada.

É nesse cenário que estão inseridas as discussões político-acadêmico-institucionais sobre DS e RSA no Brasil. Para Santiago, Scarpin e Scarpin (2003, p.9):

As percepções de mudanças nos diversos contextos organizacionais, ambientais e sociais, bem como a crise do Estado, cujo papel seria o desenvolvimento de tarefas sociais na quantidade e qualidade necessária para o bem estar da população, fez com que as empresas se preocupassem mais com a qualidade de vida de seus funcionários e a valorizarem assuntos relacionados com o meio ambiente, atos sociais e a ética em geral, realizando ações de forma muito mais concreta, sistemática transformando-as, inclusive em estratégia empresarial. Emerge assim uma nova ordem social, na qual as relações entre empresa, governo e comunidade tomam novas dimensões, ou seja, o espaço público não é mais tido como de exclusividade do Estado, sendo revistos os papeis dos principais atores responsáveis pela resolução dos problemas sociais e ambientais. Observa-se um envolvimento mútuo entre as organizações de primeiro, segundo e terceiro setor, onde todos reveem seus papéis buscando um desenvolvimento estratégico social.

Como marco histórico, no Brasil, apesar de nos anos 1960 a Associação dos Dirigentes Cristãos de Empresas (ADCE) sinalizar na perspectiva de que empresas possuem função social, que deve girar em torno do bem-estar da comunidade, será com a criação e o trabalho do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (IBASE), fundado por Betinho, que o movimento ganha expressão nacional. O IBASE passa a desenvolver um modelo de Balanço Social, que sistematiza informações sobre ações, benefícios e projetos sociais corporativos. Porém, são apontadas limitações por não explicitar os direitos em relação às obrigações, conforme balanços patrimoniais contábeis tradicionais e os impactos ambientais advindos de produtos e serviços das empresas (AUGUSTO, YANAZE, 2008).

No contexto de reestruturação produtiva, implementação de reformas de primeira geração (privatizações, abertura comercial e financeira, estabilização monetária) e ao mesmo tempo de certa reorganização de movimentos sociais, a criação do Grupo de Fundações, Institutos e Empresas (GIFE), em 1995, põe em cena grandes grupos nacionais e estrangeiros, empresas ligadas a setores oligopolizados, em parte, beneficiários dos programas de reforma do Estado, dos anos 1990, como executores de um conjunto de ações de responsabilidade social. A atuação do GIFE leva em conta “o fortalecimento do terceiro setor – especialmente das organizações sociais de origem empresarial –, no desenvolvimento de políticas públicas e nas ações de seus associados (GIFE, 2001)”. A perspectiva do GIFE é a de consolidação de investimentos sociais empresariais, combinados à profissionalização das entidades sociais, no intuito de maximizar resultados.

A maior integração da economia brasileira a uma economia mundial globalizada, revela os novos processos de modernização, reestruturação produtiva e reconfiguração das relações de trabalho, postos à economia doméstica, sob reconfiguração estrutural. Assim, atrelado ao movimento de globalização mundial,

geraram um aumento de oportunidades para uma parcela significativa de cidadãos, mas, por outro lado, influenciaram no crescimento desordenado da pobreza e da desigualdade, na insegurança econômica, no deslocamento social e na degradação ambiental, para outros. A obtenção do crescimento econômico nesse novo mundo, sem abandonar as metas de redução da pobreza, da coesão social e da sustentabilidade ambiental, torna-se o principal desafio para quase todos os governos, neste início de século (RICO, 2002, p. b-8).

Nesse cenário, o tratamento sob a lógica de uma ética empresarial que pressupõe que interesses corporativos respeitem valores, direitos e interesses de todos os indivíduos afetados pelas atividades da empresa, a criação do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social passa a ser o principal marco propositivo da RSA no Brasil. Desde então, tem trabalhado na elaboração e aperfeiçoamento dos Indicadores Ethos de Responsabilidade Social Empresarial, além do Guia de Elaboração de Relatório e Balanço Anual de Responsabilidade Social Empresarial.

Enfatiza-se, aqui, a maior amplitude do conceito de responsabilidade social empresarial proposto pelo Instituto Ethos, definido como:

A forma de gestão que se define pela relação ética e transparente da empresa com todos os públicos com os quais ela se relaciona e pelo estabelecimento de metas empresariais compatíveis com o desenvolvimento sustentável da sociedade, preservando recursos ambientais e culturais para futuras gerações, respeitando a diversidade e a redução das desigualdades sociais (ETHOS, 2003a, p.37).

É importante considerar que a perspectiva do Instituto Ethos remete à responsabilidade social como algo que vai muito além da filantropia, ou de ações de investimentos sociais ou projetos sociais, mas a atribui como uma forma de atuação da empresa baseada em princípios e valores, que devem se refletir nas suas práticas de gestão.

A filantropia trata basicamente de ação social externa da empresa, tendo como beneficiário principal a comunidade em suas diversas formas (conselhos comunitários, organizações não governamentais, associações comunitárias etc.) e organização. A Responsabilidade Social foca a cadeia de negócios da empresa e engloba preocupações com um público maior (...) cujas demandas e necessidades a empresa deve buscar entender e incorporar em seus negócios. Assim, a Responsabilidade Social trata diretamente dos negócios da empresa e como ela os conduz (ETHOS, 2003b).

Como proposição do meio empresarial, destacam-se o Guia Exame de Sustentabilidade e o Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) da BM&FBOVESPA – ISE, desenvolvidos pelo Centro de Estudos em Sustentabilidade (GVces), da Fundação Getúlio Vargas. O ISE tem se firmado como ferramenta estratégica de comparação de

desempenho de empresas ligadas à BM&FBOVESPA e, consequentemente, é considerado um diferencial competitivo, num mercado mais especializado e dinâmico.

No Brasil, essa tendência já teve início e há experiência de que ela cresça e se consolide rapidamente. Atentas a isso, a BM&FBOVESPA, em conjunto com várias instituições – ABRAPP, ANBIMA, IBGC, IFC, Instituto Ethos e Ministério do Meio Ambiente – decidiram unir esforços para a criar um índice de ações que seja um referencial para os investimentos socialmente responsáveis, o ISE - Índice de Sustentabilidade Empresarial (BM&FBOVESPA, 2010,p.8).

Relvas (2010, p.11) enfatiza que o ISE “mede o retorno total de uma carteira teórica composta por ações de empresas com reconhecido comprometimento com a responsabilidade social e a sustentabilidade empresarial (no máximo 40)”. Tais ações são selecionadas entre as “mais negociadas na BOVESPA em termos de liquidez, e são ponderadas na carteira pelo valor de mercado das ações disponíveis à negociação”. Vale ressaltar que utiliza uma metodologia de classificação em clusters, identificando grupos de empresas com desempenho similares, destacando o grupo de melhor desempenho geral.

Na perspectiva de contribuir para a formação de cidadãos e consumidores conscientes, o Instituto Akatu apresenta um conjunto de referências, no sentido de comparação de práticas de responsabilidade social corporativa, Escala Akatu, para classificação de empresas. O intuito é o de reforçar a ideia de educar e mobilizar a sociedade para um consumo consciente. Assim, espera contribuir para o “respeito à natureza, com boas condições de trabalho, com comunidades bem cuidadas, com relações mais justas entre as pessoas, desde que hajam produtos e serviços projetados e produzidos de modo a respeitar os limites planetários e atender às necessidades sociais” (INSTITUTO AKATU, 2014). Para isso, aponta 10 caminhos para a produção e consumo conscientes: 1) o durável mais que o descartável; 2) a produção local mais que a global; 3) o compartilhado mais que o individual; 4) o aproveitamento integral e não o desperdício; 5) o saudável nos produtos e na forma de viver e não o prejudicial; 6) o virtual mais que o material; 7) a suficiência e não o excesso; 8) a experiência e a emoção mais do que o tangível; 9) a cooperação para a sustentabilidade mais que a competição; 10) a publicidade não voltada a provocar o consumismo (INSTITUTO AKATU, 2014).