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Ameaças e ameaçados: territórios em riscos a jusante da barragem da UHE Nova Ponte

Mapa 4. Principais Usinas Hidrelétricas (UHE) desde a UHE Nova Ponte até UHE Itaipu

3.2 Para lembrar de um rio

O rio Araguari, foi chamado e ainda é muito conhecido entre a população no geral,

pação do território brasileiro por Portugal, no século XVIII, quando o rio servia de referência e guia de interiorização uma vez que suas nascentes encontram-se na Serra da Canastra, sudoeste do Triângulo Mineiro, e sua foz em direção noroeste do país se dá no rio Paranaíba.

A mata de encosta do tipo mesófila semidecídua existente em abundância no passado, hoje em trechos remanescentes ou submersa por reservatórios, era habitat de muitas abelhas que frequentemente atacavam os tropeiros portugueses e caboclos. Os portugueses ao referirem-se ao rio e ao fato da existência dos enxames de abelhas, ao

Apesar da legislação do estado de Minas Gerais ter alterado o nome do rio das

Horizonte, afluente do rio São Francisco, na cultura popular o rio desta tese ainda é

Assim, o rio que existia foi adquirindo identidades culturais relacionadas a esta história de ocupação do interior brasileiro, particularmente com as atividades minerárias em Desemboque (distrito de Sacramento), Araxá e Estrela do Sul, bem como as primeiras iniciativas de estabelecimento de atividade econômica agrícola e pecuária que sustentassem a mineração, particularmente no território que correspondia ao município de Uberaba.

Ao longo do rio Araguari, surgiram fazendas e vilas que vieram a se constituir municípios e cidades. Casarões coloniais, particularmente nas áreas inundadas por reservatórios de hidrelétricas, como o da UHE Miranda submergiram e junto, também, histórias de trabalhadores rurais, proprietários de terras, e do uso das suas margens para o tipo de lazer anterior, como piqueniques, pesca, banhos de rio com água corrente, conforme pode ser visto na fotografias 1 e 2.

Fotografia 1. Grupo de jovens às margens do rio Araguari no município de Uberaba, em atividade de

recreação de pesca

Autor: Hudson Rodrigues Lima, 1991

O fim desta história, deu lugar a outras histórias, a outras culturas. Condomínios surgiram no entorno dos lagos, casas de luxo em meio as chamadas

substituíram a paisagem arquitetônica anterior. A pesca se tornou de outro tipo e com outras espécies de peixes habituados a águas lênticas e não mais os de águas lóticas como as do passado, aproveitadas para movimentar as turbinas de geração de energia elétrica.

Lanchas, moto-aquáticas, canoas de zinco e motores a combustível substituíram as canoas e remos de madeira.

Fotografia 2. Família em atividade de recreação de banho de rio no município de Uberlândia Autor: Newton Rodrigues de Oliveira, mar./1974

Silva (2004), relata de maneira enfática essa trama e drama de desterritorializações, desenraizamentos provocados por construções de hidrelétricas

Por intermédio do discurso, nega-se a relação afetiva do morador com seu espaço. Por intermédio do discurso, nega-se a relação afetiva do morador com seu espaço. Isso fica evidente quando a empresa propõe-se a indenizar somente as benfeitorias. Por outro lado, deslocam-se milhares de moradores, anunciando a sua modernização, bem com a da sua região. Interrompe-se um cotidiano, do homem, do lugar. Criam-se outros cotidianos, do mesmo homem, mas em outro lugar. A história não mais será a mesma.

Novamente indicamos que é preciso entender que o contexto em que se produzem as mudanças em conseqüência de grandes projetos deve ser pensado tanto sob o ponto de vista material quanto do seu efeito sobre as pessoas. Neste segundo caso, devemos considerar aquilo que tem um significado para as pessoas, mas que muitas vezes tem sido rotulado como atraso de vida. (SILVA, 2004, p.59).

Enfim, novas territorialidades surgiram nos lugares daquelas desterritorializadas pelos GPIHs envolvidos nesta investigação. Se no momento de implantação e operação das UHEs Nova Ponte e Miranda, houve algum tipo de indenização, nem sempre a desejada, para bens materiais, para os bens imateriais, a exemplo dos sentimentos que as pessoas tinham em relação aos seus lugares, como os registrados nas fotografias, são difíceis ou impossíveis de serem mensurados e/ou reparados. Muito ainda tem que ser feito no campo das compensações e mitigações imateriais, sem contar, o que que não se dá conta, sobre a mesma situação que sofrem outros seres vivos que também perdem suas referências espaço-territoriais.

Assim, se no passado distante as vulnerabilidades, riscos e perigos eram relacionados mais aos processos ditos naturais, agora são principalmente de outra ordem; a da intervenção humana sobre as águas que, acumuladas em reservatório, tornaram-se o perigo eminente sobre as novas territorialidades geradas pela chegada do GPIH.

Em estudos tendo como base aspectos fisiográficos na bacia hidrográfica do rio Araguari, Baccaro (1990, 1991), Feltram Filho (1997), SOARES (1997) Nishiyama (1998), apud Projeto RADAMBRASIL (1983), indicam que a área de estudo desta tese, localizada no médio curso do rio Araguari, insere-se predominantemente no interior de um Canyon, que pode ser visualizado na fotografia 3.

A classificação geomorfológica proposta por Ross (1992), considera o relevo terrestre pertencente a determinada estrutura que o sustenta, assim como expressa um aspecto escultural, resultado da ação do tipo climático atual e passado distante, que atuou e atua nessa estrutura. De acordo com esta classificação Silva e Rodrigues (2010) realizaram estudos identificando a morfologia da paisagem da Bacia do médio-baixo curso do rio

Araguari e que pode nos servir de referência para inferir sobre a morfologia do trecho entre as barragens de hidrelétricas de Miranda e Nova Ponte.

Fotografia 3. Aspecto do Canyon do rio Araguari, em seu médio curso no município de Uberlândia Autor: Luiz Nishiyama, ago./1985

Os autores realizaram a identificação dos três primeiros táxons dos seis formulados por Ross (1992): as unidades morfoestruturais, as unidades morfoesculturais e as unidades de padrões dos tipos de relevo, os autores referidos apontam que

Em nível morfoestrutural, a região do Triângulo Mineiro encontra-se, em sua quase totalidade, na Bacia Sedimentar do Paraná, que abrange os arenitos da Formação Botucatu, os basaltos da Formação Serra Geral e os arenitos do Grupo Bauru. Na região encontra-se também, distribuídas ao longo de todos os níveis topográficos, as coberturas cenozóicas (NISHIYAMA, 1989, p. 61-62).

Assim, enquanto que antes da existência do reservatório da UHE Miranda os afloramentos rochosos eram predominantemente compostos de gnaisses, metagranitos (Suíte Jurubatuba), apesar da calha fluvial ser muito encaixada, esta área foi reduzida, passando a ter predominância dos afloramentos circunvizinhos dos basaltos da Formação

Serra Geral. Estas características faziam com que o leito do rio Araguari se apresentasse de forma exuberante por sua grande sequência de corredeiras e meandros enquanto que em córregos e ribeirões afluentes, um número expressivo de cachoeiras, muitas delas submersas pelo reservatório, corriam das áreas mais altas do Canyon, onde estão os arenitos da Formação Marília e sobre eles, nas áreas mais elevadas de topos de interflúvios, as coberturas cenozóicas de lateritas, areias, argilas. A figura 4 ilustra o perfil estrutural do relevo característico do médio curso do rio, denominado de Canyon do rio Araguari.

Figura 4. Perfil estrutural genérico do Canyon do rio Araguari Fonte: Ferreira, 2005, p.92

Com estas características geomorfológicas, os solos do tipo Cambissolo Háplico eutrófico, Neossolo Litólico eutrófico e o Nitossolo Vermelho eutrófico, relacionam-se aos gnaisses e metragranitos do fundo do vale (do Canyon), e à medida em que se afasta para os topos, aparecem os Latossolos Vermelho-amarelo, alumínio ou distrófico epiálico, relacionados aos basaltos da Serra Geral.

Estas características permitem compreender a fitofisionomia do cerrado stricto sensu da área, onde destacavam-se as matas ciliares e de galeria às margens do antigo leito, re

submersos. Nas áreas de maior declividade sejam as localizadas sobre as morfoestruturas gnaisse-graníticas e/ou de basaltos, conservam-se alguns trechos de mata mesofítica e nas

áreas menos acidentadas e topos do Canyon predominam os cerrados típicos e cerradões, fortemente devastados para a introdução de agricultura comercial face às características da topografia tabular facilitadora da mecanização, bem como pela facilidade de irrigação por meio de pivôs centrais, que contam com abundante rede de drenagem.

Nesta área de estudo predomina, ao longo do ano, condições climáticas do tipo Tropical Úmido, as estações com inverno seco e verão chuvoso são intensamente visíveis. Índices pluviométricos são mais elevados entre os meses de outubro a março e mais baixos entre os meses de abril a setembro. As chuvas anuais giram em torno dos 1.500 milímetros e as temperaturas médias nos meses de inverno, são abaixo dos 18oC e nos meses de verão

acima dos 24oC.

Estas características físicas permitiram com que ao longo do tempo de ocupação humana, ocorressem profundas transformações e alterações principalmente com atividades econômicas tendo sua base na agricultura de fundo de vale num primeiro momento e, posteriormente, a agricultura comercial diversificada principalmente nas encostas menos íngremes e nos topos dos planaltos tabulares. A pecuária extensiva para leite ou corte foi e é ainda presente face à abundância de pastagem natural e/ou semeada.

O conjunto destas características físicas também foram e são responsáveis pela existência de rica diversidade vegetal natural remanescente e plantações domésticas representadas por pomares, hortaliças e jardins. As mesmas características também desenvolveram uma rica diversidade de fauna terrestre, sendo a aquática gravemente atingida pela formação do reservatório relacionado à esta investigação. Segundo a Agência de Bacia Hidrográfica (ABHA) que executa ações do Comitê da Bacia Hidrográfica do rio Araguari (CBH Araguari), seu Plano Diretor indica que em sua