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A Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB): conflitos escalares institucionais

Ameaças e ameaçados: territórios em riscos a jusante da barragem da UHE Nova Ponte

Mapa 5. Bacia Hidrográfica de contribuição do reservatório da UHE Miranda Mapa revisto e atualizado em relação ao licenciamento do GPIH

3.5 A legislação enquanto vulnerabilidade

3.5.1 A Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB): conflitos escalares institucionais

A discussão no Congresso Nacional brasileiro sobre a aprovação de uma Lei que regulasse a segurança de barragens de todos os tipos é antiga. Somente em 20 de setembro de 2010, foi sancionada a Lei 12.334 que estabeleceu a Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB) e a criação do Sistema Nacional de Informações sobre Segurança de Barragens (SNISB). Esses dois institutos legais são de grande importância para a temática desta tese, uma vez que a crise hipotética considerada tem como risco original uma barragem de hidrelétrica.

Para a análise do conteúdo da referida Lei, foram destacados capítulos, artigos e incisos importantes para o estabelecimento de uma relação entre o nosso tema e o conteúdo da lei. Iniciamos pelo artigo 2º, que versa sobre os efeitos da Lei e são apresentadas da seguinte forma:

III - segurança de barragem: condição que vise a manter a sua integridade estrutural e operacional e a preservação da vida, da saúde, da propriedade e do meio ambiente;

IV - empreendedor: agente privado ou governamental com direito real sobre as terras onde se localizam a barragem e o reservatório ou que explore a barragem para benefício próprio ou da coletividade;

V - órgão fiscalizador: autoridade do poder público responsável pelas ações de fiscalização da segurança da barragem de sua competência;

VI - gestão de risco: ações de caráter normativo, bem como aplicação de medidas para prevenção, controle e mitigação de riscos;

VII - dano potencial associado à barragem: dano que pode ocorrer devido a rompimento, vazamento, infiltração no solo ou mau funcionamento de uma barragem.

No inciso III, define-se o que seja a segurança da barragem que, além da integridade estrutural e operacional, contempla o tratamento corriqueiro existente nos planos de segurança e gestão de riscos. Outras dimensões importantíssimas são citadas na Lei, entretanto, no que se relaciona à preservação da vida, da saúde, da propriedade e do meio ambiente, parece não haver um trabalho enfático que considere a maior parte do conteúdo do inciso. Quais são os planos de segurança e gestão dos riscos para as dimensões que quase sempre não são contempladas em políticas de segurança e gestão de riscos? O que se pode entender por preservação da vida nessa lei? A qual vida ele se refere? Apenas à Humana? Animais e plantas seriam considerados como alvo de preservação da vida? O fato é que não há clareza e/ou legislação complementar que defina isso. Se não há, por que o CNRH não regulou claramente essa dimensão?

No que diz respeito à dimensão da Saúde, tem-se as seguintes questões: os planos de segurança e gestão de riscos consideram que a ameaça de uma barragem pode impor pressão psíquica sobre humanos a jusante dela? É considerado que a saúde de animais e plantas também pode ser afetada? Qual é o plano efetivo para se preservar a propriedade? O que chamam de meio ambiente, o que seria um plano efetivo de segurança e gestão para essa dimensão? Enfim, são muitos questionamentos difíceis de serem respondidos, pois os

nos territórios e ambientes.

Em relação ao inciso V, tem-se que nenhuma lei complementar esclarece exatamente qual órgão é o fiscalizador da segurança de barragens hidrelétricas. Quase sempre é por

meio de um dos ministérios responsáveis por executar os marcos legais que se emite alguma Resolução ou Portaria, remetendo às matérias que envolvem o GPIH à ANEEL. Esse é, inclusive, o caso da Lei em análise.

Outra questão sem resposta se impõe, qual seja, por que ainda há a tendência de, na prática, os relatórios de empreendedores do setor hidrelétrico se referirem à segurança apenas na estrutura da barragem e resistirem a abordagens mais amplas, em relação a todas as dimensões que a envolve? O importante é que se foi delegada à ANEEL a fiscalização dos GPIHs, ela deve regular e cobrar ações efetivas e claras sobre a contemplação das outras dimensões, constantes no inciso III: a) estrutura e operação da barragem b) preservação da vida c) Saúde d) Propriedade e e) Meio Ambiente. É possível que se essas dimensões forem bem definidas pela ANEEL e acatadas pelos GPIHs, haverá chances de planos de segurança e gestão de riscos com maior consistência do que os existentes.

No inciso VI, explicita-se a gestão do risco em si. Esse assunto é fundamental, mas também impõe definições para não sucumbir em generalidades. De acordo com tal inciso, são quatro dimensões para serem consideradas: a) normatização da gestão do risco, b) medidas de prevenção, c) medidas de controle e d) medidas de mitigação. As responsabilidades são esclarecidas, pois são muito amplas e a Lei não determina exatamente quem normatizará, executará e fiscalizará.

Percebe-se, então, que há muitas questões legais que permanecem na penumbra, podendo levar anos para que sejam esclarecidas e normatizadas. E sendo assim, se não forem esclarecidas as funções de cada agente, também corre-se o risco de, na prática, ninguém fazer nada em caso de um colapso de uma barragem e ficarem apenas no jogo de

acusação de que a ação de salvamento deveria ser de um setor enquanto outros dirão que deveria ser de outro e assim sucessivamente.

Porém, nesse jogo de irresponsabilidades, vidas são perdidas como exemplo usual nessa tese, o caso da barragem de Fundão. Com a tragédia desencadeada ainda fica a questão, a quem seria verdadeiramente a responsabilidade e a culpa por perdas e danos à vida e ao ambiente. O pior nessa situação é ver que os responsáveis não são devidamente identificados e punidos e assim a sociedade assume para si a função de, em atos de solidariedade, socorrer, auxiliar, manter a vida dos atingidos, a exemplo das campanhas de doação de alimentos, água potável, roupas, enfim, itens básicos de sobrevivência.

Por fim, no inciso VII, ainda considerando a citação do artigo 2º, há uma referência separada sobre o Dano Potencial. Talvez essa referência pudesse ter ficado como mais uma dimensão no inciso que trata da gestão do risco, apesar de o dano ser posterior à crise do risco, pois ele está intimamente relacionado à natureza da crise.

Ademais, ao considerarmos o mercado, outra questão se coloca: seria um GPIH capaz de antecipar danos potenciais relacionados aos seus negócios? Pensamos que a resposta é negativa, pois ele dificilmente possui uma postura autocrítica que o possibilitaria de assumir as consequências de uma crise de risco.

Para corroborar essa resposta é só considerarmos a postura assumida pela Samarco diante da catástrofe em Mariana. Se é dessa forma que acontece, como o órgão fiscalizador, no caso a ANEEL, poderia construir contrapontos aos planos do empreendedor? Parece que por tantos planos irresponsáveis, não basta a ANEEL apenas tecnicamente observar se um plano do empreendedor é coerente ou não. É necessário que ela estabeleça critérios e equipes profissionais e técnicas que prevejam os riscos e danos potenciais em caso de colapsos, para verificar se os planos dos empreendedores e do poder público, quando