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Para uma definição de conteúdos gerados pelos utilizadores

2.5 O branding e a cocriação de valor

2.6.3 Comunidade de marca

2.6.7.3 Conteúdo gerado pelos utilizadores

2.6.7.3.5 Para uma definição de conteúdos gerados pelos utilizadores

Embora a criação e a partilha de conteúdos pelos utilizadores, e a própria expressão conteúdos gerados pelos utilizadores, já não sejam de agora, a sua definição não é consensual. É certo que um grande número de investigadores (Burmann, 2010; Kaplan & Haenlein, 2010;

Khadim, Zafar, Younis & Nadeem, 2014; Napoli, 2009; van Dijck, 2009) adoptam a definição de conteúdos gerados pelo utilizador proposta por Wunsch-Vincent e Vickery (2007), mas esta definição não é incontestada.

No relatório que produziram para a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico, Wunsch-Vincent e Vickery (2007) definiram conteúdo gerado pelo utilizador com base em três premissas:

1) Requisito de publicação – o conteúdo tem que ser tornado público através da Internet, seja através de um site, seja numa plataforma de meios sociais.

2) Esforço criativo – Esta premissa implica que é necessário um algum investimento criativo, na produção ou adaptação de um conteúdo.

3) Criação fora de rotinas e práticas profissionais – O conteúdo é criado fora de circuitos comerciais, isto é, os seus utilizadores criam o conteúdo sem a expectativa de lucro ou remuneração. Cada uma destas três premissas tem uma implicação. A primeira condição exclui todo o tipo de conteúdo que seja trocado como mensagem entre duas pessoas ou um grupo fechado de pessoas, como em emails ou serviços de mensagens instantâneas. A segunda premissa deixa de fora replicações de conteúdo previamente existente, como copiar e partilhar num blog um artigo de jornal, na medida em que pressupõe que os utilizadores adicionem valor ao conteúdo que colocam na Internet. Ou seja, como afirmam Kaplan e Haenlein (2010), copiar um texto de um jornal e colocá-lo num blog, sem qualquer modificação ou comentário, não constitui conteúdo gerado pelo utilizador. Wunsch-Vincent e Vickery (2007) afirmam que o o esforço criativo do que falam pode ser gerado coletivamente. Tal é o caso das Wikis em que os utilizadores contribuem, em conjunto, para um produto que está sempre em contante evolução, por uma massa de utilizadores contribuintes e vigilantes. Finalmente, para que possa ser considerado conteúdo gerado pelos utilizadores, Wunsch-Vincent e Vickery (2007) afirmam que o processo de criação e publicação deve ser efetuado fora de um contexto institucional ou comercial. Aliás, acrescentam, entre os diversos fatores que motivam a criação de conteúdo gerado pelo utilizador, encontra-se o estar em contacto com os pares, alcançar um determinado nível de fama, notoriedade ou prestigio, assim como o desejo de se expressar.

Turner e Hopkins (2010) notam algumas falhas na definição de CGU proposta por Wunsch- Vincent e Vickery (2007), uma das quais prende-se com o facto de ter sido elaborada em 2007 e, desde então, os meios sociais e o CGU terem evoluído bastante. Quando foi publicado o relatório de Wunsch-Vincent e Vickery (2007), o MySpace era uma plataforma de media social líder, o Flickr era a plataforma dominante de partilha de fotografias, o Facebook tinha uma expressão reduzida, o Twitter tinha acabado de ser lançado no ano anterior e o Instagram, Spotify e o SoundCloud ainda não tinham sido lançados (Turner e Hopkins (2013). Hoje a diversidade de tipos de CGU e de plataformas é muito maior do que era quando Vicent e Vickery produziram o citado relatório para a OCDE. Não apenas em tipos de plataformas ou de conteúdos, mas também em grau de envolvimento e valor intelectual gerado pelos utilizadores. Para ilustrar esta diversidade, Turner e Hopkins (2013) recorrem a Shirky (2010) que exemplifica com duas plataformas – I Can Has Cheezburger e Ushahidi – os extremos de um continuado valor gerado pela massa de utilizadores. I Can Has Cheezburger é uma plataforma na qual os utilizadores partilham lolcat captions (Anexo 2 - Imagem 1)36, um formato que não exige grande esforço intelectual de quem o produz e que está no campo oposto da entrega intelectual que os utilizadores colocam nos contributos para plataformas como o Ushahidi (Shirky, 2010).

Ushahidi, que em suaíli significa testemunho, começou por ser uma plataforma, criada após as eleições presidenciais no Quénia, para recolher e denunciar testemunhos de violência no país. A plataforma evoluiu para ser hoje uma plataforma, cuja missão é mudar a forma como a informação flui no mundo e capacitar os utilizadores com meios para criar soluções impactantes com recurso a tecnologias de código aberto (opensource), parcerias intersectoriais e empreendimentos inovadores (Ushahidi, 2014). Neste caso, o contributo dos utilizadores é intelectualmente muito intenso, coletivo e o produto final é mais valioso (Shirky, 2010). A diversidade e a contribuição colectivas vêem-se também em sites comerciais, como os da 36

As Lolcat captions, ou simplesmente captions, são legendas humorísticas escritas sobre a imagem, habitualmente uma fotografia. O termo junta o acrónimo lol (laugh out loud), usado na comunicação eletrónica para chamar a atenção sobre uma piada ou expressar alegria (www.oxforddictionaries.com) à palavra de língua inglesa cat (gato). Embora haja muitas com gatos, em sites como o cheezburger.com, lolcat.com ou 9gag, as lolcat captions podem ser construídas com pessoas ou outros animais.

Amazon ou o TripAdvisor (Levine & Prietula, 2013). Nos sites da Amazon, uma loja online que começou por ser uma livraria e hoje vende um pouco de tudo, os utilizadores contribuem com comentários e pontuações aos produtos vendidos pela marca. No TripAvdisor, um site de viagens, com informação sobre hotéis e restaurantes, um dos principais pontos de interesse reside no facto de ser alimentado por comentários e fotografias colocadas pelos utilizadores. Ao contrário das fotos que as unidades hoteleiras colocam nos seus próprios sites ou brochuras, normalmente captadas a partir de ângulos favorecedores e tratadas, as fotografias colocadas pelos utilizadores revelam, frequentemente, pontos fracos ou mais aproximados à realidade destas unidades. Parte do sucesso destes sites reside na participação massiva dos seus utilizadores, uma diferença substancial dos primeiros tempos da Internet. Esta participação massiva e o grau de envolvimento dos utilizadores varia largamente e cruza uma grande quantidade de campos, da política ao desporto, das artes ao desporto (Turner & Hopkins, 2013).

E toda esta rápida e diversificada evolução, muito longe dos tempos da Usenet, que leva Turner e Hopkins (2013) a afirmar que, em vez de se propor uma definição, que corre o risco de ficar rapidamente desatualizada, ou não captar a totalidade do fenómeno, se torna preferível apresentar um caminho para uma definição. A sua proposta baseia-se em três contínuos: um contínuo de envolvimento, um contínuo de grau de profissionalismo e, finalmente, um contínuo de autoridade cultural. Num extremo do eixo do contínuo de envolvimento, Turner e Hopkins (2013) colocam o tipo de ligação leve e ligeira que os utilizadores têm com plataformas como o Foursquare. Esta plataforma de media social, com base em geolocalização, permite aos utilizadores darem a conhecer e saberem que locais frequentam os seus amigos. Para tal basta usar a aplicação para dispositivos móveis. Nela os utilizadores, sempre que entram num determinado local - café, bar, restaurante, hotel, museu, etc. – e querem que os seus amigos saibam que entraram, apenas têm que carregar num botão virtual da aplicação Foursquare. O envolvimento é leve ou ligeiro porque não exige dos utilizadores mais do que abrir a aplicação e carregar num botão.

No outro extremo do eixo do contínuo de envolvimento, Turner e Hopkins (2013) colocam o envolvimento total. É o caso dos utilizadores que escrevem, gravam e editam podcasts ou das

bandas ou músicos que produzem e editam as suas músicas, por exemplo, no Bandcamp. Esta plataforma foi criada em 2007 com o propósito de aproximar os músicos dos seus fãs, permitindo aos que estão fora do circuito comercial das editoras discográficas editar os seus trabalhos. Embora no site seja possível ouvir na íntegra as músicas que as bandas e músicos disponibilizam, no Bandcamp também é possível comprá-las. Em muitos casos o preço para a cópia digital do álbum é determinado pelo comprador, embora noutros haja um preço mínimo determinado pela banda ou músico. Este, quando existe, é normalmente baixo, embora se encontrem bandas como os AMWWF, de música folk escocesa, que pedem cerca de 15 euros pela pré-encomenda do seu álbum Live at the Gardyne. Acresce que, neste caso, há outro objetivo associado, que é o de dar a conhecer a banda.

Algumas das bandas que editam no Bandcamp também estão no circuito comercial digital tradicional. Para além dos AMWWF, bandas como os Perturbador (música electrónica) ou os Aviators (alternativa) têm as suas músicas à venda no iTunes. Este facto levanta a questão da profissionalização dos produtores de conteúdos. Wunsch-Vincent e Vickery (2007) propuseram que a definição de CGU apenas incluísse conteúdos produzidos fora das rotinas e práticas profissionais. Turner e Hopkins (2013) debatem a questão dos CGU afirmando que alguns estão na fronteira do quase profissional.

Para Turner e Hopkins (2013) o contínuo do profissionalismo varia entre as contribuições que são inequivocamente produzidas por amadores e as que o são por quase profissionais. De acordo com Turner e Hopkins (2013 p.9), para muitas pessoas a palavra profissionalismo denota seriedade, qualificações e seriedade, enquanto que amadorismo é “for most, probably

an insult”. Este não é o ponto de discussão dos autores que apenas pretendem expressar que,

neste eixo, colocam num extremo os utilizadores que não ganham dinheiro com os conteúdos que produzem e, no outro extremo, os que fazem carreira, retirando benefícios materiais. Embora Turner e Hopkins (2013) não o expressem, fica subjacente no seu artigo que os que fazem uma carreira com os CGU estão ainda fora das rotinas práticas profissionais referidas por Wunsch-Vincent e Vickery (2007). Assim, as plataformas que serviram de exemplo para o eixo do envolvimento, Foursquare e Bandcamp, também servem de exemplo para o eixo do profissionalismo. Do lado dos que não ganham dinheiro, está a contribuição dos utilizadores para plataformas como o Foursquare

ou a Wikipedia. Do extremo dos que fazem uma carreira, encontramos plataformas como o Bandcamp, mas também o Soundcloud37 ou Ebay38.

Finalmente, no terceiro eixo, Turner e Hopkins (2013) colocam a questão do valor cultural dos CGU. Os investigadores reconhecem que apenas uma minoria de utilizadores produz intensa e ativamente conteúdos. Este contínuo cultural procura demonstrar que, entre os criadores intensivos de CGU, podem existir tipos diferentes de atividade, mesmo dentro da mesma esfera editorial. Assim, num extremo do contínuo cultural, Turner e Hopkins (2013) colocam as autoridades culturais e, no outro extremo, as referências culturais, ficando no meio as comunidades culturais.

Turner e Hopkins (2013) exemplificam o site Gamespot como autoridade cultural. O Gamespot é um site de jogos com notícias, críticas, previsões e informações. Embora seja da CBS Interactive, portanto um site de carácter comercial, os utilizadores podem submeter as suas críticas de jogos, criar blogs participar em fóruns de discussão. O Gamespot fica no extremo da autoridade cultural, na medida em que é nele que os utilizadores adeptos de jogos de computador e de consolas vêem o que é relevante em cada momento. Não está no Gamespot ou não é bem visto no site, não tem interesse.

Para exemplificar o que colocam no extremo da referência cultural, Turner e Hopkins (2013) referem-se ao IMDb. Agora propriedade da Amazon, a sigla IMDb é um acrónimo de Internet Movies Database e é exatamente isso mesmo: uma base de dados com informação sobre filmes. O IMDb começou por ser criado por um grupo de utilizadores na Usenet que, em conjunto, construíram a base de dados. Hoje, o site é alimentado por profissionais, mas permite aos utilizadores comentarem os conteúdos disponibilizados. Dada a preponderância dos produtos culturais nos dias de hoje, o IMDb constitui uma referência cultural.

Finalmente, entre os dois extremos, Turner e Hopkins (2013) colocam as comunidades culturais. Como exemplo citam o Hunffington Post. Criado em 2005, o Hunffington Post é um agregador de notícias e blogs. Ao combinar jornalismo profissional e blogging, o Hunffington 37 O soundlcoud é uma plataforma online para a partilha de conteúdos áudio, como músicas ou remisturas de músicas, na qual os músicos podem partilhar os seus trabalhos e ideias.

Post criou uma comunidade de utilizadores em seu redor.

Este terceiro eixo, proposto por Turner e Hopkins (2013), não é exactamente um contínuo, pois os três conceitos que propõem para o caracterizar – autoridade cultural, comunidade cultural e referência cultural – não são conceitos exclusivos. Isto é, ao mesmo tempo que o Gamespot funciona como autoridade cultural, pode também funcionar como comunidade cultural ou até como referência cultural. Os autores apenas notam que cada plataforma pode ser colocada ao longo de cada um dos três eixos – envolvimento, grau de profissionalismo e cultural.

Em todo o caso, estes três eixos ajudam Turner e Hopkins (2013) a proporem um caminho para uma definição de conteúdos gerados pelos utilizadores. Assim, e ainda que com alguma divergência da definição proposta por Wunsch-Vincent e Vickery (2007) para a OCDE, recorrem a três critérios de modo a poder definir CGU de uma forma flexível e adaptável a evoluções futuras:

1. Um esforço que leva à criação de alguma forma de conteúdo de media: texto, imagens, vídeo, áudio, jogos, dados ou código de computador - ou qualquer combinação destes.

2. Os conteúdos referidos no ponto anterior devem ser disponibilizados ao público através de plataformas na Internet.

3. A atividade não é a principal fonte de rendimentos para o criador.

Esta proposta de Turner e Hopkins (2013) para a definição de CGU diverge da de Wunsch- Vincent e Vickery (2007), pois o primeiro ponto é mais amplo, cobrindo até códigos de computador, e no terceiro ponto prevê que o utilizador possa obter algum ganho material pelos conteúdos que gera e partilha. Ainda assim, e porque é mais precisa, optamos por adotar a proposta de Vincent e Vickery (2007), nomeadamente, porque deixa de fora da noção de conteúdos gerados pelo utilizador, as simples partilhas de conteúdos, os gosto que dão a conteúdos colocados no Facebook, bem como todos os comentários que não impliquem um esforço criativo.