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2 ESTUDOS PÓS-COLONIAIS LATINO-AMERICANOS E EJA: UM DIÁLOGO

3.3 Paradigma da Educação do Campo

Na década de 1980, o Brasil passa por um movimento de afirmação e reconhecimento da educação como um direito. Segundo Arroyo, Caldart e Molina (2011), apesar de se ouvir o grito de que a educação era direito de todos e dever do estado, esta mobilização de luta por educação não chegou ao Território Campesino. Deste modo, apesar da luta não expressar a exclusão das/os sujeitas/os do campo também não possibilitava a inclusão destes, visto que as suas especificidades de pessoas do campo não estavam contempladas nesta proposta.

Este movimento de reconhecimento da educação como um direito não contemplou o Território Campesino. Este Território ficou esquecido do contexto educacional, no sentido de que o ensino ficou reduzido às quatro primeiras séries do ensino fundamental, fortalecendo as desigualdades como defasagem de idade série, analfabetismo, pessoas fora da escola, ausência de escolas.

Os movimentos sociais são os responsáveis pelo surgimento das discussões voltadas para a constituição de uma Educação do Campo. Ela nasce “de outro olhar sobre o Campo” (ARROYO; CALDART; MOLINA, 2011, p. 11). Este outro olhar constitui-se sobre o direito do campo de ter uma educação voltada às suas especificidades.

Para contextualizarmos a nossa discussão, traremos uma reflexão de Fernandes, Cerioli e Caldart (2011, p. 23) que trata sobre o desafio de “perceber qual educação está sendo oferecida ao meio rural e que concepção educação está presente nesta oferta”. Consideramos importante situar o que diz a Legislação da Educação do Campo para definirmos melhor o Paradigma da Educação do Campo.

Após a Constituição Federal de 1988 definir que a educação era direito de todos e dever do Estado, somente no ano de 1996 vai existir um direcionamento para o tratamento específico da Educação do Campo. Esta definição está pautada na LDB 9394/96 (BRASIL,

1996) que define em seu artigo 28º que os sistemas de ensino deverão assegurar a adaptação necessária para que os calendários escolares atendam às necessidades rurais, além do desenvolvimento de currículo e metodologias específicos.

Esta promulgação da Lei representa um ganho para o contexto educacional campesino, mas também impõe limitações. Tratamos aqui de limitações por compreendermos que apenas a definição em lei não garante o cumprimento e a vigência da mesma. O que ocorreu com o Território Campesino foi a implantação de instituições de ensino que reproduziam um modelo de educação criado para atender às necessidades do Território Urbano. É neste sentido que o Paradigma da Educação do Campo se situa. Há um reconhecimento legal de que as/os sujeitas/os do campo necessitam de uma educação específica que atenda a estas necessidades. Entretanto, na prática, as necessidades das/os sujeitas/os continuam sendo silenciadas e prevalece a reprodução de um modelo urbano.

É neste sentido que Fernandes, Cerioli e Caldart (2011, p. 29) apontam a dominação do urbano sobre o rural, tendo em vista a existência de um

fenômeno importante a considerar que é a mudança do perfil econômico e cultural da população do campo, presente neste processo. Os dados do Censo demográfico de 1996 revelam que no Brasil, hoje, cerca de 25% da população que vive no campo trabalha na cidade; por sua vez, 25% da população que trabalha no campo mora na cidade. Isto certamente complexifica ainda mais a discussão sobre a relação entre urbano e rural e sobre as possibilidades de reversão da lógica de desenvolvimento atual.

Os dados só apontam para a desvalorização do Território Campesino assim como da educação que nele é implantada. O reforço do estereótipo do urbano como superior e do rural como inferior proporciona essa migração campo-cidade que faz com que o Território Campesino não seja reconhecido como campo de produção de conhecimento e cultura.

Frente à ideia da funcionalidade da legislação, existem discussões na atualidade que propõem exatamente o contrário do que vem sendo aplicado. Essa discussão surge da Primeira Conferência Nacional “Por uma Educação Básica do Campo”, que aconteceu em julho de 1998, e possuiu como primeira proposta a discussão sobre a condição das/os sujeitas/os campesinas/os. Neste sentido, Fernandes, Cerioli e Caldart (2011) apontam que a concepção do Brasil como espaço predominantemente urbano valida a ideia de que as/os sujeitas/os campesinas/os e indígenas são uma espécie em extinção, necessitando apenas de políticas compensatórias para atender à sua condição de subordinação.

Diante do reconhecimento dos estereótipos voltados às/aos sujeitas/os do campo e dos povos indígenas é que se estabelecem discussões com a finalidade de situar o Território

Campesino como um espaço que necessita de visibilidade de reconhecimento social. Deste modo, a Conferência Nacional “Por uma Educação Básica do Campo” define eixos de discussões que ajudam a situar a importância de uma política de Educação do Campo.

O primeiro eixo tratado na conferência por Educação dialoga a partir da definição de que a Educação voltada aos espaços campesinos necessita ser de qualidade. A qualidade neste eixo é concebida através do diálogo horizontal entre as diferenças das/dos sujeitas/os constituintes da Modalidade de Ensino com os conhecimentos formalizados. Neste sentido não há a imposição de um modelo de saber, mas a valorização das diferentes formas de produção de conhecimento.

A discussão sobre o eixo da Educação Básica se pauta na reafirmação da necessidade de garantia dos direitos de todas/os as/os sujeitas/os ao processo educativo, inclusive às/aos trabalhadoras/es rurais jovens e adultas/os que não tiveram acesso à escolarização no período regular. Neste contexto fortalecem-se as discussões sobre a importância do processo de escolarização e a garantia de estudo, no mínimo, até a conclusão do Ensino Médio.

O eixo Do Campo está voltado ao reconhecimento das lutas sociais das/dos sujeitas/os campesinas/os, assim como o resgate da identidade destas/es. Fernandes e Molina (2004, p. 9) especificam as/os sujeitas/os do campo como: “pequenos agricultores, quilombolas, indígenas, pescadores, camponeses, assentados e reassentados, ribeirinhos, povos de florestas, caipiras, lavradores, roceiros, sem-terra, agregados, caboclos, meeiros, boias-frias”. Neste sentido, a proposta deste eixo refere-se à valorização do pluralismo de ideias de modo a garantir que as escolas tenham propostas que contemplem as múltiplas identidades aqui apresentadas.

O eixo Do Campo refere-se à concretização deste projeto de educação voltado às especificidades das/dos sujeitas/os do campo, dentre as quais: a sua cultura, o desenvolvimento autossustentável, o seu trabalho, a sua relação com a terra, suas necessidades humanas e sociais (CALDART, 2004). Deste modo, o Paradigma da Educação do Campo Crítico consiste em garantir que as/os sujeitas/os campesinas/os possam ser e pensar tomando uma lógica diferente da estabelecida pelo modelo urbano/eurocêntrico. Este Paradigma aqui apresentado se contrapõe ao do Rural Hegemônico por identificar a maior necessidade de diálogo com às/aos sujeitas/os do campo a fim de garantir um espaço social para estas/es.

A Segunda Conferência Nacional por uma Educação Básica do Campo aconteceu em 2004. Neste segundo espaço de discussão no âmbito nacional, busca-se a superação da ideia

de adaptação e se constitui a partir da pressão dos Movimentos Sociais alguns ganhos legais17. É através desta que as discussões acerca da Educação do Campo se consolidam na luta pelo reconhecimento das/os sujeitas/os campesinos como Sujeitas/os de Direito. Desse modo, esta proposta de educação pauta-se em garantir que o espaço do campo seja entendido como um espaço de produção de epistemes e que estas sejam validadas, ao mesmo tempo em que pretende que o que se conseguiu em legislação seja garantido nos espaços escolares de modo a contemplar as necessidades de trabalho e conhecimento das/os sujeitas/os do campo e também das/os sujeitas/os que compõem as classes de EJA, para que estes retomem a sua identidade.

17 A exemplo da construção de órgãos como a SECADi e a constituição da Legislação Específica para a

4 A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

Este capítulo destina-se a compreender como a Educação de Jovens e Adultos se estruturou no Brasil e quais os caminhos trilhados neste percurso histórico até a atualidade. Para isso, este capítulo está dividido em duas seções.

Na primeira seção -Educação de Jovens e Adultos: da origem à atualidade -, faremos um panorama histórico sobre a constituição da Educação de Jovens e Adultos. Para esta compreensão, nos basearemos primordialmente nas discussões de Cury (2000), Cunha (1999), Paiva (1973), Haddad (2001), Di Pierro (2010) e Januzzi (1979), pois estas nos situam sobre as tendências que se constituíram ao longo do percurso histórico da EJA, auxiliando-nos a entender como esta modalidade de ensino se organiza atualmente.

Na segunda seção - Evasão, dificuldade ou resistência? -, enfocaremos a situação de evasão presente na EJA e as discussões sobre esta, tomando como base os estudos que trazem possíveis respostas para o problema. Desta forma, nos basearemos principalmente no pensamento de Pinto (2010), Oliveira e Eiterer (2008), Freire (1987) e Souza (2000).