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O paradoxo da democratização e a permanência das violações dos Direitos Humanos no Brasil.

3 DIREITOS HUMANOS, POVOS INDÍGENAS E A CONSULTA

3.4 DESAFIOS AOS DIREITOS HUMANOS NAS AMÉRICAS Dentre os mecanismos de proteção regional, alguns observadores

3.4.1 O paradoxo da democratização e a permanência das violações dos Direitos Humanos no Brasil.

Nas décadas de sessenta e setenta, a maior parte dos países da América Latina sofreu golpes militares e foi controlado por governos que revogaram direitos civis e políticos fundamentais, quando foi praticado sistematicamente o sequestro, a tortura e o assassinato de dissidentes políticos. Com o fim destes regimes, desde meados dos anos oitenta, os países latino-americanos promoveram importantes reformas em direção a um modelo democrático.

O Brasil, apesar de ter sido um “precursor histórico do sistema pan-americano” (VENTURA, CETRA, 2012, p. 01), em função da

atuação proativa entre os anos quarenta e cinquenta, quando propôs a criação de um órgão judicial internacional que promovesse os direitos humanos no continente interamericano, viveu um grande retrocesso durante o período ditatorial (1964-1985).

Com a redemocratização, a publicação da lei da Anistia (1979) e a abertura política, o cenário era favorável para que os movimentos sociais influenciassem na redação da nova Constituição, em 1988. Como consequência, o artigo 4º, Inciso II da CF dispôs que as relações exteriores seriam guiadas pelo princípio da “prevalência dos direitos humanos” e o artigo 5º estabeleceu uma série de direitos fundamentais, não exaustiva, entre os quais o de que a propriedade deveria cumprir uma função social e a classificação do racismo como crime. Destacou-se também por lançar um importante capítulo sobre o meio ambiente, a partir do artigo 225, o qual estabelece como princípio que:

Todos tem direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Notadamente, a Constituição Brasileira de 1988 foi promulgada em um momento de grande mobilização dos povos indígenas da América Latina em conjunto com a sociedade civil organizada. Sendo contemporânea à Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, de 1989, esses documentos proporcionaram uma ampliação no reconhecimento de direitos a esses povos.

A carta magna inovou ao garantir o direito de existência dos indígenas brasileiros enquanto indígenas, ao prescrever que “são reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam” em seu artigo 231.

Previu o direito de posse da terra aos povos indígenas, inclusive garantiu que os recursos minerais e hídricos presentes nelas só seriam explorados em casos de exceção, condicionado a autorização do Congresso Nacional e regulamentação por lei complementar.

Assim, no Brasil, a Constituição de 1988 foi revolucionária por recuperar o passado, realizando justiça histórica ao reconhecer os direitos dos povos indígenas a suas terras tradicionalmente ocupadas. Este dispositivo é constantemente ameaçado pela pressão de setores econômicos ligados ao agronegócio e à mineração.

demorou muito mais para reconhecer as normas regionais de direitos humanos estabelecidas pela Convenção Americana de Direitos Humanos, processo que se iniciou apenas nos anos noventa no país.

Enquanto um número considerável de Estados membros da OEA ratificou a Convenção nos anos oitenta, o Brasil a ratificou apenas em 1992119. O país também está entre os últimos Estados membros da OEA

a aceitar a jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos, passo dado em 1998.

Nesse interim, nos anos noventa, FHC criou o Programa Nacional de Direitos Humanos, atualmente já em terceira edição, e criou a Secretaria Nacional de Direitos Humanos para implementar este programa. Lula concedeu a mencionada Secretaria status ministerial. Na última década, teve destaque no campo dos direitos humanos a criação da Comissão Nacional da Verdade e da Caravana da Anistia, com relação à batalha pela memória da ditadura, e os tratados internacionais de direitos humanos vem sido sistematicamente ratificados. No entanto,

Apesar dessas secretarias, das novas leis progressivas promulgadas e do reconhecimento de normas internacionais de direitos humanos, sérias violações de direitos humanos persistem no Brasil. Perpetuadas pela polícia, esquadrões da morte e outros grupos de interesse, essas violações incluem a prática sistemática de tortura; trabalho escravo; discriminação com base na raça, etnia, gênero, orientação sexual, idade e deficiência; impunidade dos perpetradores de violência contra as mulheres; execuções sumárias; e violência contra movimentos sociais que lutam por reformas agrárias e pelos direitos dos indígenas, incluindo a criminalização dessas lutas. As novas leis e programas destinados a combater a exclusão social, racismo e sexismo dificilmente são implementados. Isso ocorre em razão da contínua concentração de poder nas mãos da elite, corrupção e problemas institucionais do sistema judicial no Brasil. As políticas neoliberais adotadas por todos os partidos no poder desde o fim da

119 Assim, com a adesão plena ao SIDH, o Brasil passou a distinguir-se de outro gigante das Américas, os Estados Unidos, que, embora integrem a OEA desde sua fundação e tenham subscrito a Convenção em 1977, jamais a ratificaram, assim como não aceitam a jurisdição obrigatória da Corte (Ventura e Cetra, 2012, p. 03).

ditadura militar têm reduzido ainda mais a capacidade do Estado de implementar os programas de direitos humanos (SANTOS, 2007, p. 35).

É cediço que a abertura política e a estabilidade econômica ainda não promoveram uma reforma social inclusiva no país; a despeito das políticas de distribuição de renda, o Brasil ainda é marcadamente desigual, a pobreza nas grandes cidades e nos espaços rurais contrastando com a pujança econômica, no cotidiano das violações de direitos humanos.

As ONGS locais e internacionais de direitos humanos tem denunciado essa situação e apresentado denúncias perante as cortes brasileiras, formando redes nacionais e internacionais para a defesa de causas de direitos humanos a fim de pressionar o governo a cumprir a legislação progressiva, criar novas leis e formular políticas públicas para a proteção dos direitos humanos.

Entretanto, constata-se um grave descompasso entre o forte crescimento econômico e a situação estrutural das organizações de direitos humanos locais, posto que estas se encontram em um vácuo de financiamento, historicamente dependentes de financiamento público e recursos internacionais, hoje minguante (NADER, WAISBICH, 2015).

Muito embora a evidência destes paradoxos, o processo de democratização ajudou a fortalecer a OEA e seu sistema de direitos humanos, tendo a CIDH ganhado cada vez mais credibilidade entre as ONGS de direitos humanos brasileiras, pressionando cada vez mais o Brasil a cumprir as normas de direitos humanos.