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Paraguai – da independência à organização nacional (1811 a 1870)

O século XIX, para o Paraguai, foi um período de muitos problemas. Após a independência, em 1811, foi governado por Gaspar de Francia, Carlos Antonio López e Francisco Solano López, de forma ditatorial. O último presidente levou o país a uma longa

guerra, que durou de 1865 a 1870, a guerra da Tríplice Aliança, na qual foi derrotado, e cujo final marcou também o fim da ditadura naquele século.183

Para situar o período liberal em que se insere o Partido Liberal, tem-se a seguinte divisão na história paraguaia, a partir da independência: o período compreendido entre os anos de 1811 e 1840 foi denominado de Independência; entre 1840 e 1870, de Organização Nacional e, a partir da década de 1870 até 1936, de Constitucional ou liberal.184

Antes, porém, de passar a esse período, é necessário citar dois acontecimentos da época do Paraguai colônia que são fundamentais para se entender algumas características do país, mais tarde transformado em nação. Os acontecimentos a serem destacados marcaram toda a pauta cultural do país de forma duradoura, sendo um deles a Revolução dos Comuneros, iniciada no século XVII, e sufocada no século seguinte em 1735, e o outro as missões jesuíticas.185

183 A guerra da Tríplice Aliança (1865 -1870) foi contra o Brasil, a Argentina e o Uruguai. Deflagrada por

Solano López, por problemas políticos e econômicos entre eles. Isto porque o entrelaçamento das histórias dos países latino-americanos no século XIX acarretou uma relação turbulenta entre aqueles que compunham a porção sul do continente. Segundo Túlio Halperin Donghi: “Um extenso trajeto de guerras civis, que remonta a independência, ocasionais choques armados com os países vizinhos e ameaças de invasões estrangeiras são marcos da construção do Estado nacional. Além dos campos de batalha, das intrigas diplomáticas e das próprias forças econômicas que às vezes presidiam aos choques armados, as guerras internacionais operaram quase sempre como fortes catalisadoras do sentimento nacional”. (DONGHI, op. cit., p. 217-218).

184 A partir do descobrimento, em 1525, até os dias atuais, a história paraguaia está dividida em sete períodos.

Essa divisão é aceita pela maioria dos historiadores a partir do final do século XIX, como, Manuel Dominguez, Fulgencio R. Moreno, Cecílio Báez, Manuel Gondra e Juan O’Leary. Antes era dividida apenas em período pré-colonial, colonial e independência, por historiadores de meados do século XIX, como Blas Garay. (GARAY, Blas. Compendio elemental de historia del Paraguay. Assunção: [s. n.], [19–], p.7). A divisão dos historiadores do final do século XIX é a seguinte: “Primero: Aborigen o precolonia (... – 1537), Segundo: La Conquista (1537 - 1617), Tercero: Colonial (1617 - 1811), Cuarto: La independencia (1811 – 1840), Quinto: Organización Nacional (1840 – 1870), Sexto: Constitucional (1870 – 1936), Séptimo: Actual (1936 - ...). (CHAVES, op. cit., p. 20. (1)).

185 O movimento dos comuneros foi realizado contra os abusos e as arbitrariedades das autoridades absolutistas

da Espanha, para fazer prevalecer os direitos do povo, sem manifestar, porém o desejo de uma emancipação da Coroa Espanhola. (CHAVES, op. cit., p. 50 (2)). Juan O’Leary, no entanto, como forma de exaltar a coragem do

povo paraguaio, característica de todas as suas obras, classifica-o como o primeiro movimento de toda a América Latina a lutar pela emancipação do país. O’Leary foi o historiador paraguaio que, como já visto, escreveu a história do país sob o ponto de vista dos López, fundando um tipo de culto a eles, chamado de “lopismo”. Atribuía a eles a qualidade de heróis. (O’LEARY, Juan. El Mariscal López. Paris: Editorial Le Livre,

1920, p. 34 (1)). As missões jesuíticas compreenderam trinta povoamentos na região que hoje se denomina Missiones, os quais ou desapareceram ou se transformaram em cidades e povoados. O legado dos jesuítas dotou a cultura paraguaia, – incluindo a população indígena, que não sofreu uma miscigenação total –, de uma

Assim, o período pós-independência é o marco do início da reestruturação política e do desenvolvimento sócio-econômico do Paraguai, e logo nos primeiros Congressos Nacionais, acontecidos em 17 de junho de 1811, em 30 de setembro de 1813 e em 3 de outubro de 1814, ficou definido o modo como esse processo iria se dar.

No primeiro congresso, estabeleceu-se que haveria:

a) aprobación de todo lo actuado hasta entonces, b) separación definitiva de Velazco del gobierno y prohibición a los españoles para ocupar cargos públicos, c) disolución del cabildo, cujos miembros se habian manifestado españolistas, y d) designación de un nuevo gobierno, la Junta superior gubiernativa, integrada por 5 miembros: Presidente: Tte. Cnel. Fulgencio Yegros, Vocales: Dr. José Gaspar de Francia, capitán Pedro Juan Caballero, Pbro. Dr. Francisco Javier Bogarin y Don. Fernando de La Mora, mocionados por Mariano A. Molas.186

Essa junta governou o país por dois anos e quatro meses, até o segundo Congresso. Esse determinou que o nome do país fosse agora o de República, em substituição ao termo Província; adotou o consulado como nova forma de governo e designou o brigadeiro Fulgencio Yegros e Gaspar de Francia como cônsules.

O primeiro consulado esteve à frente do governo do país por um ano, quando aconteceu o terceiro Congresso Nacional, que determinou fosse conferido ao presidente da nação o título de Ditador Supremo do país, cargo que deveria durar cinco anos. Esse cargo foi ocupado por José Gaspar R. de Francia, o qual, antes dos cinco anos, convocou um quarto congresso, no qual ficou estabelecido que ele seria o Ditador Perpétuo da República do Paraguai.

Ao assumir o poder, em 1814, sua proposta de condução do governo desagradou a civis e militares, pois aboliu os cargos de ministros e ele mesmo assumiu o cargo de chefe do

tendência religiosa cuja crença, baseada nos dogmas da Igreja Católica, foi utilizada pelos presidentes liberais para controlar a sociedade, através da doutrina do pecado.

186 BENITEZ, op. cit., p. 65 (2). Esse dado é importante devido ao fato de que a classe proprietária, representada

pelos “españolistas”, que deveria formar a burguesia do país, para poder justificar atitudes liberais e capitalistas, sofreu revezes por várias vezes, na história paraguaia, e este se constituiu no primeiro deles.

exército. Manteve somente alguns delegados em pontos estratégicos do país, encarregados de mantê-lo informado sobre os acontecimentos, para fazer cumprir suas determinações.

Seus partidários, a maioria representantes das classes camponesas, afirmavam que ele era um político enérgico, fanático, que deixava prevalecer uma espécie de ódio pelos seus opositores; em suma, um jacobino, que “[...] usa el absolutismo como método de gobierno en beneficio del pueblo. Ataca a los derechos de los españoles y españolistas, persigue a los ricos, confisca propiedades y vuelve insoportable la vida de los oligarcas que eran privilegiados por España”.187

Portanto, durante o governo de Francia, que durou vinte e quatro anos, os latifundiários espanhóis, que eram os maiores proprietários no país, não participaram do poder. Ele justificava essa atitude com o discurso de tudo fazer pela consolidação da soberania nacional.188 Todos os espanhóis e paraguaios simpatizantes foram assim

perseguidos, o que resultou em seu retorno à Espanha. Francia era da opinião de que “[...] esta España Iberica, obsoleta en el terreno económico frente a la ascención del capitalismo europeo, y en el religioso fanatica y convencida de su misión salvadora, presidió la transfiguración cultural de América Latina, marcando profundamente su perfil y condenandole tambíén al atraso”.189

Após a morte de Francia, em 1840, o país foi governado por dois cônsules, durante três anos, Carlos Antonio López e Mariano Roque. Em 1842, a Argentina ainda não havia reconhecido a independência do Paraguai. Por isso, com o intuito de resolver a questão de

187 Foi também chamado de “o pequeno jacobino” por Trias, porque era de estatura baixa. (TRIAS, Vivan. El

Paraguay de Francia el Supremo a la guerra de la Triple Alianza. Buenos Aires: Editorial del Noroeste, 1975, p. 43).

188 Essa preocupação deveu-se ao fato do não reconhecimento da independência do país pela Espanha e pela

Argentina. Assim, “[...] la independencia del Paraguay, nó significó de inmediato el reconocimiento de la Argentina del hecho liberatorio. Roto los lazos de la metrópoli española surgen los intereses de las sub- metrópolis con ideas hegemónicas, especialmente de Buenos Aires que anhelaba constituirse en el nuevo amo de la Región del Rio de la Plata”. (FRUTOS, Juan Manuel.Raices de la democracia. Assunção: Editorial El Foro, 1985, p. 5).

forma definitiva, os cônsules convocaram o quinto Congresso, que ratificou a independência nacional com a seguinte declaração: “La República del Paraguay en el Río de la Plata es para siempre de hecho y de derecho una nación libre e independiente de todo poder extraño”.190 Esse congresso determinou que todo funcionário do governo deveria prestar juramento de fidelidade à independência nacional e definiu também os símbolos nacionais, a bandeira e o escudo, utilizados até hoje.

Em 1844, para estabelecer um novo governo, novo congresso foi realizado, e nele se aprovou uma constituição redigida por Carlos Antonio López, que estabelecia a divisão de poderes em executivo, legislativo e judiciário, com preponderância do poder executivo. Para exercer o cargo de presidente da república, designou-se por unanimidade a Carlos Antônio López, que, depois de alguns anos, alterou a constituição a seu favor, tornando seu mandato perpétuo.

Carlos López continuou a obra de seu antecessor, mas com alterações no panorama sócio-político e econômico do governo. Governou o país até sua morte, em 1862; antes dela, designou presidente provisório seu filho, Francisco Solano López, o qual, em outubro do mesmo ano, foi eleito presidente constitucional.191

190BENITEZ, op. cit., p. 35. (2)

191 O regime de Francisco Solano López caracterizou-se por um centralismo total, sem qualquer espaço para o

surgimento de uma verdadeira sociedade civil. Não havia distinção entre o público e o privado, e a família López governava o país como se tratasse de uma grande propriedade. O governo controlava todo o comércio exterior. O mate, o fumo e as madeiras raras exportados mantinham a balança comercial com saldo. O Paraguai nunca havia feito um empréstimo no exterior e adotava uma política protecionista, isto é, de evitar a entrada de produtos estrangeiros, por meio de impostos elevados. Incentivou a indústria nacional quando contratou mais de 200 técnicos estrangeiros, para trabalharem na instalação do telégrafo e de estradas de ferro e na assistência às indústrias siderúrgicas, têxteis, de papel, tinta, construção naval e pólvora. A fundição de Ibicuí, instalada em 1850, fabricava canhões, morteiros e balas de todos os calibres. Nos estaleiros de Assunção, construíam-se navios de guerra. O crescimento econômico exigia contatos com o mercado internacional. Sendo o Paraguai um país sem litoral, seus portos eram fluviais e seus navios tinham que descer o rio Paraguai e depois o rio Paraná para chegar ao estuário do rio da Prata e, daí, ao oceano. O governo de Solano López elaborou um projeto para obter um porto no Atlântico. Pretendia criar o chamado Paraguai Maior, com a inclusão de uma faixa do território brasileiro que ligasse o Paraguai ao litoral. Para sustentar suas intenções expansionistas, López começou a preparar-se militarmente. Incentivou a indústria de guerra, mobilizou grande quantidade de homens para o exército, submetendo-os a treinamento militar intensivo, e construiu fortalezas na entrada do rio Paraguai. No plano diplomático, procurou aliar-se, no Uruguai, ao

As questões referentes às relações exteriores foram as principais preocupações de Solano López, que, sem conseguir resolvê-las de forma diplomática, precipitou o país à guerra contra o Brasil, a Argentina e o Paraguai – a guerra da Tríplice Aliança.

2.3 POLÍTICA INTERNA E EXTERNA DO GOVERNO DE FRANCIA E DOS