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Paralisia Cerebral

Definição

A Paralisia Cerebral (PC) é uma perturbação neurodesenvolvimental não transitiva e de caráter não progressivo que tem a sua origem durante o período fetal ou nos primeiros anos de vida, que causa alterações motoras, nomeadamente ao nível dos movimentos e posturas atípicos e que leva à existência de maiores dificuldades na realização das atividades essenciais do quotidiano (Rosenbaum, Paneth, Goldstein e Bax, 2007). Apenas como curiosidade e no âmbito da relevância da terminologia (já abordada no capítulo da DID), é de se realçar a proposta nacional para a designação de Disfunção Motora de Origem Intracraniana Precoce (DMOIP) que situa a PC na origem intracraniana da lesão e no momento temporal da sua ocorrência (Rodrigues, 1988), apesar de não ter sido bem sucedida. A PC é uma das causas principais para a deficiência motora nos primeiros anos de vida (Krageloh-Mann e Cans, 2009).

Etiologia e Epidemiologia

Apesar da etiologia da PC ainda permanecer incerta (Reddihough e Collins, 2003), existem vários fatores de risco que podem ocorrer isoladamente ou em conjunto nas diferentes fases gestacionais (Rotta, 2002), provocando um aumento na probabilidade de ocorrência desta problemática (Moreno-De-Luca, Ledbetter e Martin, 2012). Deste modo, os principais fatores de risco que ocorrem no período pré-natal incluem as

malformações cerebrais congénitas, infeções maternas (e.g.: rubéola, corioamnionite), características da placenta, exposição a substâncias tóxicas (e.g.: metilmercúrio), incompatibilidade sanguínea, gravidezes múltiplas, dimensões do feto tendo em conta a idade e prematuridade. Os fatores perinatais envolvem a hipóxia fetal, o tipo de parto (os partos instrumentais aumentam o risco de PC) e o nascimento do feto em posição pélvica; e os fatores pós-natais dizem respeito aos traumatismos cranianos, às convulsões e infeções do bebé (Mcintyre et al., 2012; National Institute of Neurological Disorders [NINDS], 2013; Reddihough e Collins, 2003). Os autores referem que características maternas como as convulsões, a existência de DID ou a idade da mãe superior a 40 anos acrescem a probabilidade do nascimento de uma criança com PC (Mcintyre et al., 2012; NINDS, 2013). As tecnologias de reprodução medicamente assistidas são referidas por Watson, Blair e Stanley (2006) como outro possível fator de risco para o aparecimento da PC.

No que diz respeito à epidemiologia, Oskoui, Coutinho, Dykeman, Jetté e Pringsheim (2013) concluíram que a cada mil nascimentos, 2.11 casos apresentam PC, corroborando Reddihough e Collins (2003) que apontam, contudo, a tendência para o seu aumento em países subdesenvolvidos (i.e.: 7 por cada 1000 nascimentos) e que a sua prevalência não tem sofrido alterações significativas ao longo da última década. A nível nacional, é indicada uma prevalência de 1.61 casos de PC a cada mil nascimentos (Sociedade Portuguesa de Pediatria, Associação Portuguesa de Pralisia Cerebral e Surveillance of Cerebral Palsy in Europe, 2013). No que respeita ao género, tanto na Europa (Jonhson, 2002) como em Portugal (Federação das Associações Portuguesas de Paralisia Cerebral [FAPPC], 2013) são reportados mais casos de PC em indivíduos do género masculino, sendo que o estudo realizado no nosso país aponta para uma incidência de 56% neste género.

Classificação

Na PC é comum a combinação de dificuldades no domínio sensorial, comportamental, percetivo, comunicativo e cognitivo que se manifestam de várias formas e cujas características e gravidade são diferentes consoante o caso (Rosenbaum et al., 2007) pelo que não existe um sistema de classificação consensual (Hinchcliffe, 2007; Rosenbaum et al., 2007), apesar de se considerarem alguns critérios (Rosenbaum et al. 2007): tipo de comprometimento neurológico, topografia/distribuição anatómica da disfunção, gravidade das dificuldades motoras (Nickel e Petersen, 2008) e a localização da lesão no SNC (Koman, Smith e Shilt, 2004). Assim, a classificação anatómica distingue a PC consoante as áreas corporais afetadas (Bax et al., 2005): a monoplegia ocorre em apenas um segmento corporal do indivíduo e a hemiplegia quando um dos

lados do corpo está afetado; a diplegia verifica-se quando o movimento está perturbado nos dois segmentos corporais iguais, sendo que este tem tendência a ocorrer mais nos membros inferiores e a quadriplegia quando todo o corpo se encontra afetado. Pode, ainda, ocorrer também a triplegia nos casos em que os membros inferiores e superiores apresentem perturbações nos movimentos (Nickel e Petersen, 2008).

A PC pode também distinguir-se em espástica, disquinética e atáxica, de acordo com as alterações que provoca na tonicidade (Hinchcliffe, 2007). A PC espástica é a forma mais comum de PC - afetando entre 70 a 75% da totalidade de casos (Sankar e Mandkur, 2005) e caracteriza-se pelas dificuldades na manutenção postural, aumento do tónus muscular e na execução de movimentos, com padrões anómalos, estando associada ao elevado tónus que tende a aumentar durante a realização de movimentos e com presença de reflexos patológicos como a hiperreflexia (Hinchcliffe, 2007; Surveillance of Cerebral Palsy in Europe [SCPE], 2000). A PC disquinética caracteriza- se pela existência de limitações posturais e na realização de movimentos, havendo presença de movimentações executadas de forma involuntária e estereotipada, com tónus muscular oscilante e tem uma prevalência de 10 a 15% dos casos de PC (Aragón, 2007). Esta subdivide-se em PC: distónica com rigidez dos movimentos e a presença de hipertonia, e atetósica caracterizada pela presença de hipercinesia e hipotonia (SCPE, 2000). De um modo geral, o tipo disquinético cobre cerca de 10 a 15% dos casos desta problemática (Sankar e Mandkur, 2005). Por fim, a PC atáxica é a menos comum, estando presente em menos de 5% dos casos e é caracterizada por alterações nos movimentos e por dificuldades posturais e no equilíbrio, bem como pela presença de movimentos pouco coordenados, precisos e com tremores (Hinchcliffe, 2007; SCPE, 2000).

Características

Tal como foi previamente referido, a PC caracteriza-se não só pela existência de limitações motoras, mas também pela presença de dificuldades a nível sensorial, comportamental, percetivo, comunicativo e cognitivo (Rosenbaum et al., 2007).

Domínio Cognitivo

Na mais recente definição proposta por Rosenbaum et al., (2007) a existência de comprometimentos a nível cognitivo é apontada como uma das principais características da PC, estando presentes em cerca de dois terços desta população (Krigger, 2006). Visto tratar-se de uma condição heterogénea que afeta os indivíduos de diferentes formas, não devem ser feitas generalizações acerca das dificuldades cognitivas que

associação entre o tipo de comprometimento físico e cognitivo, revelando que indivíduos com mais limitações motoras têm tendência a apresentar mais dificuldades cognitivas (Delacy e Reid, 2016).

O risco de ter DID ou dificuldades de aprendizagem depende da área cerebral afetada e da sua extensão, sendo superior nos quadros de quadriplegia, e aumentando no caso de comorbilidade com epilepsia (Andrada et al., 2005, 2012; Odding, Roebroeck e Stam, 2006). Já no estudo realizado pela FAPPC (2013) com crianças portuguesas, 60% da amostra apresentava algum tipo de comprometimento cognitivo. A PC associada à DID está também presente em cerca de metade dos casos (Surman, Newdick e Johnson, 2003), sendo mais comum na PC espástica quadriplégica e disquinética (Sigurdardottir et al., 2008). Outros autores (e.g.: Andrada et al., 2005, 2012; Novak, Hines, Goldsmith e Barclay, 2012) apontam para percentagens entre 34 a 64% de indivíduos com PC e com valores de QI inferiores a 70.

Abordando o domínio cognitivo de forma mais pormenorizada, é possível encontrar limitações ao nível da memória e aprendizagem em cerca de 44% dos indivíduos com esta perturbação (Østensjø, Carlberg e Vøllestad, 2003). Um resultado semelhante foi descrito por Schenker, Coster e Parush (2005), onde revelam a existência de dificuldades de aprendizagem em 46% da sua amostra. Na população com PC são ainda apontadas dificuldades na atenção e concentração – distraindo-se facilmente e reagindo de forma exagerada a pequenos estímulos, e memória a curto prazo e de trabalho (Jenks et al., 2009) quando comparadas com o grupo de controlo (Rosebaum et al., 2007). As limitações sensoriais e percetivas associadas (Rodrigues, 1998; Rosenbaum et al., 2007) detêm um impacto negativo na funcionalidade e nas aprendizagens académicas relacionadas com a escrita (Sandberg, 2016).

Domínio Psicomotor

Na maioria dos casos o desenvolvimento motor ocorre lentamente, sendo caracterizado pelas alterações tónicas e posturais e pelas dificuldades na realização de movimentos (Krigger, 2006; Rosenbaum et al., 2007). A locomoção pode estar comprometida, sendo necessário apoio para a marcha (Jahnsen, Villien, Egeland, Stanghelle e Holm, 2004), competência que tende a diminuir com a idade. Esta deterioração resulta da falta de treino e de fatores de natureza neurológica e musculo esquelética como a dor e a fadiga crónica (Jahnsen et al., 2004; Tosi, Maher, Moore, Goldstein e Aisen, 2009) que provocam mais desequilíbrios, perda de força e de resistência (Jahnsen et al., 2004).

A marcha de um indivíduo com PC apresenta características específicas, sendo as mais comuns a rotação interna dos pés e a excessiva flexão dos joelhos e da anca

(Rethlefsen, Blumstein, Kay, Dorey e Wren, 2017). Andersena e colegas (2008) constataram que 55% das crianças da sua amostra andavam de forma autónoma, 16% faziam-no com apoios e 29% não eram capazes de andar. Os mesmos autores verificaram, ainda, que quanto mais tarde as crianças começavam a andar, maiores eram as limitações que apresentavam na locomoção. Dentro da componente motora estão ainda presentes alterações ao nível da motricidade fina (Straub e Obrzut, 2009). Aqui são frequentes dificuldades na utilização das mãos, sendo comum a perda de força e da sensação de pressão, a dificuldade na perceção de objetos pelo tato, bem como a limitação em controlar os movimentos, principalmente os mais precisos e rápidos (Arnould, Bleyenheuft e Thonnard, 2014). Tanto na motricidade global como na motricidade fina se observou que quanto menor fosse o Índice de APGAR ao primeiro e quinto minutos, maiores seriam as dificuldades nestes domínios (Andersena et al., 2008).

Nesta população estão também presentes dificuldades na perceção e processamento da informação sensitiva, resultado não só das alterações motoras, mas também consequência da vivência de menos experiências motoras e de uma capacidade percetiva menos desenvolvida (Brozaitis, 2007; Rosenbaum et al., 2007). Como resultado, estes indivíduos apresentam dificuldades na coordenação de movimentos, na planificação de novas ações, no conhecimento do seu corpo e da sua posição no espaço, bem como na discriminação tátil (Brozaitis, 2007). A nível sensorial, estes indivíduos têm também tendência a apresentar perdas visuais e auditivas (Rosenbaum et al., 2007).

De um modo geral, a existência de limitações motoras afeta de forma negativa a possibilidade da criança explorar de forma autónoma o seu envolvimento, comprometendo a sua aprendizagem e desenvolvimento (Rosenbaum, 2003). O conjunto de características referidas anteriormente manifestam-se ao nível da noção corporal, estruturação espácio-temporal envolvendo as competências visuoespaciais e visuomotoras (Belmonti, Cioni e Berthoz, 2016), com impacto nas praxias.