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8. Por qual caminho vou?

8.1. Compreendendo as paradas com.par.t(r)ilhadas:

8.1.1. A parceria como caminho

Mesmo quando tudo parece desabar, cabe a mim decidir entre rir ou chorar, ir ou ficar, desistir ou lutar; porque descobri, no caminho incerto da vida, que o mais importante é o decidir. Cora Coralina51

Desde criança me dividia entre duas brincadeiras frequentes: ser a professora da “escolinha” e ser a “estilista” das minhas bonecas favoritas, feitas de papelão. Finda a oitava série, fui a única a optar pelo magistério, não para ser professora, mas por gostar muito da área de humanas.

No magistério me frustrei com os estágios, me mostraram uma sala de aula na qual não gostaria de trabalhar... e o gosto pela Moda cresceu em mim e superou o da Educação na opção pela primeira faculdade. Lá fui eu para São Paulo e depois de quatro anos árduos era bacharel em desenho de Moda.

Durante a faculdade trabalhei na área e descobri que apesar de amá-la, não apreciava trabalhar na mesma... pedras a ultrapassar que mexeriam com alguns princípios de vida. Retornei a Campinas.

Depois de mais algumas pedras e curvas no meu caminho, eis que escolho o quê? Trabalhar na escola, e foi numa sala de primeira série que entrei como professora em minha estreia e também foi nesse momento que “badalaram os sinos” de uma paixão. Pronto! Não imaginava até então que muito trilharia na Educação, até por necessidade de melhorar minha formação.

Entrei para a Faculdade de Educação cursando Pedagogia. Amei a faculdade que disse que jamais cursaria (adolescente não sabe de nada mesmo!)! Vi que ainda me faltavam conhecimentos, “buracos” da Pedagogia – parti para a primeira especialização, em Neuropsicologia aplicada à Neurologia Infantil. Mudanças no modo de ver meus alunos e alunas aconteceram, e para melhor, contudo sentia que faltavam aspectos mais práticos e teóricos sobre as intervenções cotidianas, e hoje curso Psicopedagogia em busca dos mesmos.

Passei por escolas privadas, públicas e que recebiam verbas mistas. Aprendi e aprendo com as pessoas, principalmente com as

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que têm como prática compartilhar. Conheço-me e sei que muito há por vir, nunca deixei de apreciar o muito que aprendi na Moda e que está impresso em mim, vivo fazendo relações entre Educação, Moda e Arte. Será que um dia uno tudo isso, resgatando as brincadeiras favoritas da infância? Só o tempo dirá.

Certo dia conversava com uma professora e ela, com uma expressão divertida, perguntou se já havia me acostumado a linguagem da escola. Nova que sou na escola, logo compreendi que não poderia ter feito questão mais apropriada! O termo por ela usado expressava a minha exata sensação: estava aprendendo uma nova linguagem...

Nesta, um conceito forte que surgiu já nos primeiros dias de trabalho foi o de parceria. Não que fosse novo, mas é necessário reconhecer que no contexto da minha vida profissional nunca tinha empregado. Apareceram outros afins e não com muita regularidade.

Reunião de indivíduos para alcançar um objetivo comum, é uma das definições encontradas no dicionário Houaiss e penso que é pertinente à parceria na escola e no grupo de professoras do qual faço parte, contudo com a devida ampliação: somos pessoas trabalhando, pensando e dialogando a fim de trilhar o caminho de uma educação de excelência. É claro, que a parceria é permeada por ideias e opiniões ora concordantes, ora discordantes.

As diferentes experiências e a dinâmica das trocas entre parceiras enriquecem os encontros sejam nos CPs, durante aulas vagas ou em pequenos intervalos, através dos e-mails enviados e respondidos. Acomodação é um termo que definitivamente não se aplica à parceria – “velho” e “novo” se relacionam e se transformam na construção do trabalho.

Na parceria do 4º ano me sinto à vontade para perguntar e escutar, sabendo que existe espaço e oportunidade para ensino, aprendizagem e crescimento entre parceiras. Tenho aprendido bastante e o desejo de contribuir mais é crescente.

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Parceira52, em suas palavras você define muito bem a Parceria e, assim, tive uma vontade enorme de dialogar junto com você para delinear este conceito tão usado, mas tão específico desta escola.

Na nossa Escola, usamos Parceria, mas podemos transcender este termo para tantos outros momentos de encontros que acontecem no cotidiano das escolas: HTPC, ATPC, Hora-Atividade, Encontro, Reunião Pedagógica, Atividade Extra-classe...

Ter o momento de Parceria, horário de trabalho com.pa(r)trilhado, se faz presente na maioria das escolas desde que a lei 11.738/2008 de Piso Salarial foi sancionada, mas não quer dizer que de fato se utilize este espaço como momento efetivo de trabalho pedagógico desenvolvido pela equipe pedagógica da escola tendo como foco a aprendizagem do aluno e a formação continuada do professor.

Para que a Parceria cumpra o seu papel é importante que todos estejam presentes, haja troca de experiências para pensar e repensar (reflexão) a aprendizagem dos alunos e a atuação do professor em sala de aula; pauta definida e uma pessoa que registre a discussão para partilhar com a Coordenação da escola, pois é de responsabilidade da Coordenação pedagógica propiciar os momentos de formação individual e coletiva orientando diálogo da prática docente; planejamento de ações futuras que envolvam a sala de aula e a escola como um todo e, assim, propiciando uma formação a partir da lida diária do chão da escola.

Fácil de fazer? Lógico que não, tem dias que o cansaço toma conta, mas ao ter uma pauta a ser seguida faz com que você sinta-se “(...) à vontade para perguntar e escutar, sabendo que existe espaço e oportunidade para ensino,

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Os professores da mesma série se chamam de parceiros devido ao termo utilizado nesse encontro: Parceria.

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aprendizagem e crescimento entre parceiras. Tenho aprendido bastante e o desejo de contribuir mais é crescente.”, como nos coloca a professora.

Concordo com você que “As diferentes experiências e a dinâmica das trocas entre parceiras enriquecem os encontros” e assim vamos construindo e delineando um jeito de trabalhar específico de cada Parceria e de cada escola, pois quando trocamos experiências estamos relembrando em conjunto,

(...) isto é, o ato de reconstruir a memória de forma compartilhada, é um trabalho que constrói sólidas pontes de relacionamento entre os indivíduos - porque alicerçadas numa bagagem cultural comum - e, talvez por isso, conduza à ação. Portanto, a memória compartilhada é tanto forma de domar o tempo, vivendo-o plenamente, como empuxo que nos leva à ação, constituindo uma estratégia muito valiosa nestes tempos em que tudo é transformado em mercadoria e tudo possui valor de troca. Essa memória compartilhada, enquanto desejo latente do homem pós-moderno, que se realiza numa relação não inserida na lógica de mercado, nos leva a construir redes de relacionamentos nas quais é possível focalizar em conjunto aspectos do passado, envolvendo participantes de diferentes gerações de um mesmo grupo social. Nesse processo são utilizados o que chamamos de "óculos do presente", para reconstruir vivências e experiências pretéritas, o que nos propicia melhor compreender os problemas do presente e pensar em bases mais sólidas e realistas nossas futuras ações. (VON SIMSON, 2003, p. 16 e 17)

Mas nem tudo é tranquilo. Não somos ingênuas, né parceira? Sabemos que no grupo também temos as regras, os jeitos de comunicação de cada um e do grupo em si, a cooperação, a competição, divisão de tarefas e certa distribuição de poder e de liderança. Porém, isso também faz parte da aprendizagem donopelo grupo.

O grupo funciona como um campo de referências cognitivas e afetivas, onde o sujeito se integra e se reconhece, podendo tanto bloquear quanto estimular processos criativos e críticos. Enriquez (1997) afirma que, combinando relações de produção e de afeto, o pequeno grupo oferece manifestações de organização, expressão, solidariedade e criatividade que remetem ao contexto social. Sendo portador de um projeto, o grupo é ao mesmo tempo analista e ator de sua ação, contribuindo para produzir sua consciência no contexto de sua ação. (AFONSO, VIEIRA-SILVA, ABADE, 2009, p. 708709)

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É neste espaço de Parceria, de grupo, que as pessoas vão revelando seu jeito de ser e pensar pessoal e profissional e, consequentemente, construindo a sua história e a sua identidade e, ao mesmo tempo, construindo a do grupo.

Aqui me lembro de Freire (1997. p. 59) quando diz que gosta de ser gente porque pode perceber sua presença no mundo que é produzida pelo fato de estar com o Outro. “Seria irônico se a consciência da minha presença no mundo não implicasse já o reconhecimento da impossibilidade de minha ausência na construção da própria presença.” Assim, vamos nos mostrando como sujeitos ativos da nossa própria história e do grupo ao qual pertencemos.

Estar no mundo e na Parceria é estar com o mundo e com as pessoas. É dialogar e dizer o que se faz e o que se pensa. É mostrar que estamos abertos ao novo, curiosos com o que intrigainstiga, dispostos a aprender e apreender com os sucessos e fracassos do cotidiano, apurando assim, nossas habilidades e competências de aprender e de ensinar perante o que vivemos para transformar, intervir e recriar a nossa realidade.

É claro que nem todos assumem este posicionamento, mas se faz necessário ter respeito às diferenças e encontrá-los na coerência das ações entre o que fazemos e o que dizemos. É nesta disponibilidade de respeito, de diálogo, de negociação que a confiança vai se constituindo.

Na Parceria precisa-se propiciar a escuta dos Outros com confiança e partilhando-a para que se possa discutir e analisar um fato, expondo com clareza face outra decisão tomada pelo grupo. Essa confiança se consolida quando o saber efetivado da própria experiência proporciona de um lado, a ignorância mediante um assunto ou, de outro, abre um caminho para conhecer. Ao abrir-se para o mundo o sujeito, o professor, instaura a relação dialógica que se confirma com a inquietação e curiosidade.

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Com este processo dialógico acontecendo, a Parceria vai sendo construída napela relação e nopelo processo democrático e dando uma responsabilidade maior para este momento de formação contínua e de discussão do trabalho com.pa(r).trilhado.

Muitas vezes não temos clareza dessa responsabilidade e nos dispersamos ou nos tornamos passivos ou até mesmo ficamos agressivos. Mas ao partilhar a pauta e o registro com o próprio grupo ou a Coordenação em outro momento, buscamos compreender estas atitudes, criando novas maneiras de organizar o labor colaborando para que se tenham melhores condições de trabalho.

Lógico que o tempo não flui da mesma forma para todos, mas cada um busca auxiliar o Outro no que se refere ao tempo coletivo, trazendo a singularidade individual e tirando-a do lugar comum para um caminho sem volta evocando um mapa afetivo e intelectual da sua experiência e do seu grupo (BOSI, 1993).

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