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58 Pardal, Sidónio A Est ét ica da Paisagem Op Cit

No documento E BOOK Estudos de Paisagem Ia (páginas 77-81)

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resposta às necessidades que na altura detectaram. Esta postura faz depreender que em certa medida e, indirectamente, as possam ter também valorizado artisticamente.

III

Para a percepção primária, as obras de arte são objectos da mesma categoria que todas as outras coisas do nosso mundo. Chegam-nos pelos mesmos canais: os olhos, os ouvidos, o tacto [...]. O fundamental numa obra de arte é aquilo que se assemelha a outros objetos naturais ou

fabricados pelo homem, e em nenhum caso o que a distingue deles (Arnheim, 1966).61

Sendo a arte um reflexo do homem, representativa da sua essência e muitas vezes da sua condição social que naturalmente sofrem transformações constantes, também ela tem visto o seu significado e abrangência serem alterados ao longo do tempo. Neste contexto, a dissolução das fronteiras existentes entre as artes particulares na transição do séc. XIX para o séc. XX, veio gerar novas formas de manifestação artística. "Após o período modernista em que a art e procurou valer-se a si própria e alheou-se do mundo na procura incessante de novidade, as sociedades artísticas retomam aos temas políticos, sociais e económicos e a arte assume novamente um papel interventivo"62. "A partir do princípio do século XX foi introduzida, pelos

próprios artistas, a dúvida de se o que era apresentado como arte seria arte. A partir daí, todas as coisas que pertenceram durante toda a história ao mundo das coisas que são, como a natureza e os objectos, puderam ser transpostas, pela mão dos artistas, para o mundo das coisas que são arte."63

"A 'Nova Arte' é [então] aquela que, ao invés de negar e fugir da tradição, usa as imagens da história de arte como 'ready-mades', isto é, como meios de construir de novo [...]. M as as imagens da história não são usadas isoladamente, a elas, misturam-se [outras] [...], numa estrutura fragmentada que descodifica e recodifica as imagens que rodeiam a nossa vida de todos os dias. É a procura da novidade sem a recusa da antiguidade ou do banal. A alegoria é a forma encontrada, a fragmentação, as instalações com uso de espaços arruinados, a recusa do retorno às normas estilísticas e a tentativa de encontrar novas categorias conceptuais num confronto directo com a totalidade simbólica modernista. [...] Um dos primeiros sinais do início desta inversão na arte foi o aparecimento da 'landart' ou 'earthworks'"64, que veio devolver o

tema da paisagem ao mundo da arte, "uma devolução, desta vez, humanizada"65 e que segundo

61 Arnheim, Rudolf. Ensayos para rescat ar el art e. Op. cit , p. 40. Tradução do aut or. 62 Lima, M aria. Est ét icas da Paisagem e Arquit ect ura Paisagist a. Op. Cit , p.99.

63 Port ugal, Pedro. A art e que é. Guimarães: Cent ro Cult ural Vila Flor, 2013. Cat álogo de Exposição. P. XIV. 64 Lima, M aria. Est ét icas da Paisagem e Arquit ect ura Paisagist a. Op. Cit , p.99.

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John Beardsley, constitui o sinal mais claro do fim da modernidade66. Formula-se então uma

resposta à necessidade de reaproximação do homem à sua própria natureza.

Estas obras "enfrentam a escala territorial e propõem intervenções sobre a paisagem natural, no sentido da sua transformação desde pressupost os ideológicos ou poéticos"67. As experiências

que convencionalmente foram definidas como "práticas 'escultóricas' - quer dizer, que o seu processo e os seus resultados pertencem, utilizando a tradicional divisão das artes, à escultura -, têm em comum a participação em determinadas estratégias formais e teóricas intercambiáveis com as contemporâneas da arquitectura. E desde logo, dividem com esta [...] [a] escala antropomórfica e [a] escala territorial, relação e transformação consciente do lugar, materialidade do objecto e, portanto, manipulação dos seus atributos são noções que dominam - às vezes, de maneira não explícita - a actividade artíst ica"68.

"Escultores e artistas criaram [portanto] obras à escala da paisagem"69 recorrendo à utilização

de recursos provenientes da própria natureza. Embora este produto artístico altere a nossa percepção, gerando novas leituras da paisagem em que se insere, "não muda nem constrói a paisagem em si"70. A reflexão artística que lhe é inerente, busca nela uma forma de arte

representativa da sua grandiosidade e, simultaneamente, da sua inevitável efemeridade face à natureza.

Através destes pressupostos, a land art elaborou uma crítica coerente à indústria cultural e respectiva comercialização da arte e à racionalidade formal. Porque só o abandono do espaço expositivo convencional permite ao homem um reencontro mais profundo com a sua própria natureza, mas como produto artístico que pretende ser exposto à experiência estética, a land

art pode ser entregue a esse propósito e de uma forma mais alargada, quando exposta num museu. No entanto, as suas características resumem a sua representação à fotografia ou vídeo, limitando essa experiência. Interessado na descoberta de "uma poética e estética imbricadas na vida, e na terra. A natureza em que nascemos, como nossa eterna e íntima companheira"71,

Alberto Carneiro, percursor da land art em Portugal, não apenas entrou na nat ureza, como também a resgatou para o espaço expositivo, aproximando-a novamente da artificialidade que considera ser o natural do homem72 (Fig. 4).

66 Cf. Idem .

67 Arnaldo, Javier et al. Qué es la escult ura m oderna? - Del object o a la arquit ect ura. M adrid: Fundación Cult ural M apfre Vida, 2003. P. 166. 68 Idem, p. 167.

69 Lima, M aria. Est ét icas da Paisagem e Arquit ect ura Paisagist a. Op. Cit , p. 99. 70 Idem, p. 92.

71 M armeleira, José. Albert o Carneiro e a poét ica da t erra [em linha]. Art link. Consult ado M arço 7, 2014. ht t p:/ / nat urlink.pt / art icle.aspx?m enuid=23& cid=91120& bl=1& viewall=t rue

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Fig. 4: Albert o Carneiro. Um campo depois da colheit a para deleit e est ét ico do nosso corpo, 1973-76. Font e: htt p:/ / www.aica.pt/ pt/ artists/ albert o-carneiro/

Para sair dos espaços expositivos convencionais e se encontrar com a natureza, a arte predispôs- se à exploração dos pressupostos inerentes à sua apresentação. Para além de suporte, a natureza passou a integrar a criação artística, numa partilha de circunstâncias que conduziu a uma transformação simultânea, e é também o conjunto destas características que revela alguma similitude com as práticas agrícolas efémeras.

CONCLUSÃO

A arte é concebida num determinado contexto e apresenta-se sempre como um reflexo do passado, acabando por isso por o integrar de alguma forma. Assim, "não faz sentido conceber o processo histórico como um discurso homogéneo"73. Consequentemente, "os mundos da arte

vivem transformações incessantes, por vezes graduais, e outras decididamente brutais. À medida que novos mundos vão surgindo, outros envelhecem e desaparecem. Nenhum mundo é capaz de se proteger durante muito tempo ou completamente contra as forças de mudança, quer exteriores quer provenientes de tensões internas"74.

73 Read, Herbert . La Escult ura M oderna. Buenos Aires: Edit orial Hermes, S.A., 1964. P. 6. Tradução do aut or. 74 Becker, Howard S. M undos da Art e. Op. cit , p. 249.

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O desenvolvimento do âmbito artístico foi fazendo aumentar o número de dimensões em que a arte pode existir. Pedro Portugal reconhece que "só existe quando está dentro do mundo da arte"75. Dentro desse mundo, "tudo pode ser arte, a arte [pode] estar em toda a parte"76 e todos

podem ser artistas. Neste sentido, acrescenta então uma outra: "a dimensão antes de uma coisa ser arte e que comporta a arte que vai ser"77. São as "coisas que são arte momentos antes de

serem coisas artísticas. A arte existiria assim antes do artista e da arte acontecer"78. "Esta ideia

promove, claro está, a existência da coisa artística anterior e independentemente do artista e da coisa"79. De facto, existe uma vasta gama de imagens a que podemos chamar imagens

plásticas, que consideramos "como embriões formais ainda não completamente encarnados e à espera de se traduzirem em obra de arte, mas em todo o caso, ainda desprovidos de muitos atributos da obra definitiva"80. O destino destas imagens "está no seu devir, isto é, na sua

capacidade de transformar-se em algo mais preciso e articulado que adquira, pouco a pouco, as características definitivas da obra de arte [...], [permitindo] traduzir um esquema primitivo indiferenciado numa estrutura homogénea e orgânica"81.

Talvez não nos possamos referir às práticas agrícolas efémeras e paisagens por elas construídas enquanto obras de arte, pois como dizia Strawson, " a obra de arte tem por função não ter função"82. Apesar disso, têm em comum o fact o de serem ambas produto da actividade do ser

humano e, por isso, só podem estar num sítio com um a determinada finalidade ou, no mínimo, por uma razão83. O facto de identificarmos a existência de um conteúdo interno associado à

concepção destas práticas e que posteriormente se conforma na sua construção enquanto paisagem, resulta-nos no entendimento de um valor estético associado, que pode ser experienciado pelo observador no ambiente em que foi criado - valor resgatado pelo mundo da arte actual. A arte deverá, por isso, ser integrada no conjunto dos pressupostos inerentes à metodologia de análise de uma determinada paisagem.

BIBLIOGRAFIA

Aguiar, José. Paisagem Cultural: um conceit o em (re)evolução [em linha]. Colóquio: Pat rimónio Paisagístico: Os caminhos da t ransversalidade. Lisboa, 12 de Outubro de 2007. Consult ado Janeiro 26, 2017. ht t p:/ / icomos.fa.utl.pt / event os/ apap2007.pdf

No documento E BOOK Estudos de Paisagem Ia (páginas 77-81)