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114 parecer com que o insignificante seja fundamentado por um sentido oculto e grandioso que

interesses entre as classes sociais.

114 parecer com que o insignificante seja fundamentado por um sentido oculto e grandioso que

não pode ser contudo plenamente encontrado entre os humanos ou sequer reconhecido, ou seja, projecta as operações incompreendidas do sistema social nas estrelas. Consequentemente, constitui um duplicado em ponto maior de um mundo opaco e reificado, embora significativo em termos metafísicos. Ora, nestes termos, uma reflexão sobre o uso da astrologia em Libra seria válida no âmbito da teoria do Simulacro e não de uma teoria do Sublime. Embora Adorno antecipe o tratamento de Jameson da questão fundamental do sujeito no capitalismo tardio como uma questão cognitiva (a de ser incapaz de compreender as operações da totalidade social), uma vez que as vivências económico-sociais em Libra são definitivamente marcadas pelo simulacro, o uso da astrologia no romance não pode conduzir à reificação da realidade social existente como segunda natureza que Adorno refere. Digamos que esse uso está precisamente nos antípodas de uma tal reificação, dado que a astrologia é referida sempre de modo a subverter um certo número de percepções comuns da realidade social, mesmo quando Ferrie tenta convencer Oswald da sua vocação para o desafio que propõe.

Daí que não considere paradoxal esta associação da astrologia como um elemento formal de Libra com a consciência das condições sócio-económicas no momento de "capitalismo tardio" patenteada ao longo do romance, pelo menos não nos termos em que Willman sugere essa paradoxalidade. O uso da astrologia tem, em Libra, um valor metafísico inegável que não encerra qualquer das interrogações sobre o assassínio ou o momento social em que ocorreu. "With Libra, DeLillo advances a distinctly incoherent vision of social reality in the aftermath of the Kennedy assassination; therefore, DeLillo's use of astrology offers a purely aesthetic "consolation" and by no means represents the relinquishing of a critical attitude"173, conclui Willman. No entanto, se, tal como acontece

em outros romances de DeLillo, é apresentada uma visão de uma sociedade fortemente marcada pelo simulacro baudrillardiano {White Noise é um exemplo cabal), o carácter estético do uso da astrologia no romance não deve, na minha opinião, ser tido como ancilar de um propósito de "consolo". Porque, sendo mais preciso quanto ao carácter estético deste uso, ele está, como tenho referido, associado à categoria estética do Sublime que, por exemplo, na reflexão de Kant, está associada ao sentimento de unlust (desprazer). Não será um motivo menor para o estranhamento da América face a um dos seus "inimigos públicos" do século passado o facto de Oswald permanecer um mistério . Ao contrário de outros inimigos públicos, como os gangsters ou os terroristas, é muito difícil (senão impossível) oferecer um retrato completo de Lee Harvey Oswald que seja minimamente convincente. Talvez porque a sua representação seja de tal modo permeável às mais diversas abordagens, qualquer dessas abordagens não pode deixar de ser acompanhada pelo desconforto de simultaneamente revelar a sua incompletude. A abordagem astrológica acentua esse desconforto, pois demonstra o modo como mesmo a abordagem menos legítima pode acrescentar um ponto de vista (porventura, dos mais válidos) sobre o mistério de Oswald. Por outras palavras, oferece um ponto de vista obscuro, mas ao mesmo tempo salienta a crise de representação de outras abordagens supostamente legítimas. Aliás, a citação de Fredric Jameson que Willman oferece em seguida refere a questão do Sublime e da crise de representação: "Following Jameson's formal analysis of Adorno, I want to argue that DeLillo, by employing astrology, "gestures towards an outside of thinking- whether system itself in the form of rationalization, or totality as a socioeconomic mechanism of domination and exploitation- which escapes representation by the individual thinker or thought. The function of the impure, extrinsic reference is less to interpret, then, than to rebuke interpretations as such and to include within the thought the reminder that is

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inevitably the result of a system that escapes it and which it perpetuates""174. Como

lembra Willmann, é enquanto referenda extrínseca, que Ferrie define a astrologia: "Astrology is the language of the night sky, of starry aspect and position, the truth at the edge of human affairs"175. Logo, o uso da astrologia em Libra pode ser entendido como um

modo de lembrar aos indivíduos que vivem na era do simulacro que este faz parte de um sistema económico determinado e não é a justificação metafísica desse sistema (a astrologia em Libra nega assim a função de reif icação da sociedade como segunda natureza que Adorno propõe). Isto é, permite a criação dentro do romance de um ponto de vista que supera os pontos de vistas individuais -marcados pelo simulacro- e alerta para o vazio metafísico do simulacro e do sistema económico que o sustém. Poderão o conceito de "pensamento" proposto por Jameson e o conceito de simulacro não ser coincidentes, pelo que, em rigor, os dois contributos não são completamente conjugáveis. Poderá o simulacro, tal como definido por Baudrillard, não ser fundamentado por um sistema económico (a natureza indistinta do primado do simulacro não admite qualquer hipótese de uma

referência extrínseca). Porém, uma reflexão atenta sobre as referências astrológicas no

romance demonstra que a astrologia funciona como uma possível referência extrínseca no romance. Embora estas referências sejam produzidas por personagens comprometidas inapelavelmente pelo simulacro, como David Ferrie ou Clay Shaw, o ponto de vista introduzido pelo uso da astrologia não é de natureza individual, pelo que, em todo o caso, seria desajustado encontrar uma personagem que fosse o seu lídimo porta-voz. Se Ferrie e Shaw, nas suas conversas com Oswald, representam a astrologia como uma necessidade absoluta, não devemos por isso, na minha opinião, abstrair um valor de verdade absoluta a partir do romance. A pouca fidedignidade dos juízos de Ferrie e Shaw pode ser aferida, por exemplo, pela resposta de Ferrie a esta pergunta de Oswald: ""Do you believe in

174 Willman 636. 175 Libra 175.

astrology?" Lee said. "I believe in everything," Ferrie told him"

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. A relevância das

referências astrológicas em Libra reside mais nas associações e paralelismos inesperados