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Teorias de Conspiração: Paranoia ou Atenção Sociológica

na visão de Mailer, poderia ter uma consciência avant la lettre, a propósito do projecto

2.2 Teorias de Conspiração: Paranoia ou Atenção Sociológica

Em Constructing Postmodernism, Brian McHale oferece uma série de reflexões em torno de alguns romances, conferindo maior flexibilidade e abrangência à sua teoria da ficção pós-modernista delineada em Postmodernist Fiction. Entre esses romances, encontra-se o best-seller de Umberto Eco, O Pêndulo de Foucault, publicado em 1988. Convém referir que o capítulo dedicado a este romance sucede ao capítulo dedicado por McHale ao romance anterior de Eco, O Nome da Rosa. Neste capítulo, McHale manifesta as suas dúvidas quanto à classificação periodológica do romance: com efeito, ele apresenta tantos elementos modernistas quanto elementos pós-modernistas, o que leva o crítico a concluir que O Nome da Rosa é um dos textos anfíbios que demonstram o carácter provisório e estratégico desta taxiologia ( "the case of the 777e Name of the Rose is not interesting because it requires us to choose between identifying the text as modernist and identifying it as postmodernist, but rather because it calls into question the entire opposition of modernist vs. postmodernist"87 ), ao mesmo tempo que antevê a evolução da

ficção de Eco para um registo mais inequivocamente pós-modernista. Esse romance inequivocamente pós-modernista de Eco é, na opinião de McHale, O Pêndulo de Foucault.

"Foucault's Pendulum is a postscript to The Name of the Rose in the sense that it

continues, supplements, completes and pursues to their logical conclusion certain aspects of the earlier novel"88. Entre esses aspectos de O Nome da Rosa que O Pêndulo de Foucault

desenvolve, McHale salienta dois: a reflexão sobre a prática da leitura paranóica e a demonstração da dimensão ontológica da conspiração. O desenvolvimento destes dois aspectos é concretizado através de um determinado número de novos motivos e estratégias tidos como afins de elementos da poética do pós-modernismo. A intriga do romance é conhecida: três intelectuais tomam conhecimento dos escritos de uma seita ocultista, autodenominada os Diabólicos, dedicada à leitura, interpretação e reprodução do seu próprio cânone secreto, para o qual desenvolveu uma série de técnicas que são melhor descritas como paranóicas. E esse conjunto de técnicas que os protagonistas aprendem

Libra 147.

McHale, Constructing 163. McHale, Constructing 165.

gradualmente a dominar; e é também esse conjunto de técnicas de leitura, interpretação e reprodução de textos (esotéricos ou não) que determina, na opinião de McHale, grande parte da experiência literária pós-moderna. As observações produzidas a propósito de O

Pêndulo de Foucault são também observações dirigidas ao romance pós-moderno em geral.

A primeira técnica que McHale distingue é a de, citando o próprio Eco, only suspect (uma paródia da conhecida epígrafe do romance Howard's End, do modernista inglês E.M.Forster, only connect). A assunção de que qualquer elemento, por ínfimo que seja, ganha uma significância universal a partir do momento em que é inserida numa rede natural de associações, cujo significado último excede infalivelmente o de qualquer dos elementos associados em si, obriga a um esforço intelectual de descoberta e aprofundamento de ligações insuspeitas ou esquecidas pelo homem comum. Dita deste modo, esta frase parece também descrever o lema de qualquer investigador da morte de Kennedy; não será o caso, mas, seja como for, indica uma relação de grande proximidade entre as práticas "diabólicas" (como as descreve McHale) e o modus operandi das investigações à volta do assassínio. Tal como os "Diabólicos" constituem uma seita hermética, distante daexistência mundana, os escritores de teorias de conspiração assumem uma superioridade epistemológica que permite a referida descoberta de ligações insuspeitas que o homem comum é incapaz de encontrar, apesar de possivelmente conhecer os mesmos elementos tão bem como o escritor de teorias de conspiração.

Outra das técnicas "diabólicas" é a de distinguir plenamente quais os elementos significativos e quais os que não são. Tal como no caso (num âmbito diferente, é certo) da ironia modernista, o texto nunca é aquilo que diz. E, tal como em qualquer teoria de conspiração, existe um jogo entre elementos supérfluos e redes de associações entre os elementos significativos do qual o leitor ("diabólico" ou tão-só escritor de teorias de conspiração) deve conhecer as regras. Qualquer texto, se for tomado literalmente, produzirá sempre um significado diferente do seu verdadeiro significado, para o discernimento do qual a rasura de alguns elementos, uma vez conferido o seu carácter supérfluo, é necessária. Como na investigação de que Nicholas Branch é responsável em

Libra, a leitura de um texto converte-se assim numa avaliação da relevância das diversas

informações nele contidas; a diferença está em que os "Diabólicos" aparentemente dominam melhor as regras deste jogo do que Branch.

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As regras do jogo em que Branch participa são todavia de uma outra ordem de complexidade. Com efeito, em vez da relativa liberdade de avaliação ao dispor dos "Diabólicos", Branch é forçado a lidar com a pressão das mais diversas informações sem ter o direito de opção sobre quais os elementos relevantes e quais os elementos supérfluos: "they are saying in effect, "here, look, these are the true images. This is your history (...) Look, touch, this is the true nature of the event. Not your beautiful ambiguities, your lives of the major players, your compassions and sadnesses. Not your roomful of theories, your museum of contradictory facts. There are no contradictions here. Your history is simple."89 Branch é assim impedido de exercer uma das liberdades interpretativas dos

"Diabólicos": a de que, sendo que qualquer informação não é melhor nem pior que a outra, é da responsabilidade do intérprete decidir da pertinência das analogias descobertas e da sua importância para a coesão da leitura final. Branch, pelo contrário, é obrigado a atender a informações a priori melhores que as outras, ou seja, as oficiais, sem que, após o seu exame, tenha certeza de uma sua fidedignidade superior. Nem tem a vantagem de poder fundamentar as suas leituras paranóicas em leituras anteriores que os "Diabólicos" possuem, pois Branch tem a missão pioneira de escrever a verdadeira história secreta da morte de Kennedy.

O facto de O Pêndulo de Foucault registar um número de técnicas de leitura paranóica não faz contudo do romance um romance de "conspiração e paranóia", não só porque tanto os "Diabólicos" como os seus fiéis emuladores contemporâneos não apresentam a importância política que as expectativas deste género de romance prevêem para os seus protagonistas, mas também porque Eco evidencia o modo como as "leituras paranóicas" ultimamente produzem uma instabilização ontológica, problematizando a questão dos limites entre o mundo real e o mundo textual, entre os factos históricos e a sua reconstrução paranóica, e estabelecem a necessidade de uma leitura paranóica das leituras paranóicas. No romance de Eco, os neófitos modernos dos "Diabólicos" resolvem aplicar as suas iécnicas na descoberta da grande Conspiração subjacente a todas as conspirações, desde as estudadas pelos "Diabólicos" às conspirações contemporâneas. Não é garantida a licitude desta estratégia; apenas é salientado o modo como uma leitura paranóica implica inevitavelmente uma reconsideração dos limites entre mundo textual/mundo real.

Conquanto Branch nunca revele esta audácia interpretativa, não é menos certo que, tal como em O Pêndulo de Foucault, é também problematizada a questão do limite entre mundo real e mundo textual, entre a veracidade e a ficcionalidade das teorias de conspiração formulada. O que coloca por sua vez a questão de situar uma leitura estritamente paranóica e a problematização dessa leitura que a ficção pós-moderna propõe.

Como lembra McHale, a literatura modernista criou os seus próprios leitores e as suas próprias regras de leitura, e estas regras modernistas são melhor descritas como paranóicas. Posteriormente, com a institucionalização crítica do Modernismo e o aparecimento de teorias literárias assentes nos mesmos princípios da literatura modernista, como foi o caso, no âmbito da cultura anglo-saxónica, do New Criticism, o método de leitura paranóica foi legitimado e entendido como a técnica por excelência da análise literária; não nasce ao mesmo tempo que a literatura pós-modernista. Com efeito, os textos pós-modernistas em geral assumem a existência ab initio de expectativas paranóicas de leitura: incorporam e antecipam-nas de modo a convocar novas formas e vivências que, de outro modo (ou seja, num contexto de práticas paranóicas) não seriam registadas. E entre os romances com que McHale dá como exemplos desses textos que, nas palavras de McHale, "incorporate representations of (fictional) paranoid interpretations (conspiracy theories) or paranoid reading theories, or thematize paranoia itself, thereby reflecting on and anticipating (...) actual readers' paranoid readings'90, está Libra (uma das raras

alusões de McHale à obra de DeLillo).

A propósito de Gravity's Rainbow, de Thomas Pynchon, McHale pergunta-se sobre qual a melhor maneira de 1er um romance em que a incorporação e antecipação referida no parágrafo anterior produz uma visão paranóica de mundo que ultrapassa os limites do mundo ficcional e implica com o mundo real, indiferenciando conspirações fictícias e conspirações reais. A resposta oferecida é a da criação de um método de leitura meta-

paranóica, no qual o leitor evita o risco de aceitar irreflectidamente esta ruptura de

limites entre o mundo ficcional e o mundo real, mas, na expressão de McHale, "some form of paranoiacally skeptical reading of those paranoid structures"91. Julgo frutuoso lembrar

estas palavras, porque, na minha opinião, podem também descrever com justiça algumas das preocupações presentes em Libra sobre o discurso americano do pós-guerra: quais os riscos de um discurso paranóico sobre a realidade social americana? E quais os aspectos dessa 90 McHale, Constructing 171.