• Nenhum resultado encontrado

3. OS DOCUMENTOS QUE TRATAM DA FORMAÇÃO DO PROFESSOR DA

3.3 PARECER DO CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO N.009/ 2001: PARECER

A Proposta/2000 foi enviada ao Conselho Nacional de Educação, no qual foi constituída uma Comissão Bicameral, composta pelos Conselheiros Edla de Araújo Lira Soares, Guiomar Namo de Mello, Nélio Bizzo e Raquel Figueiredo Alessandri Teixeira, da Câmara de Educação Básica e Éfrem Maranhão, Eunice Durahm, José de Almeida e Silke Weber, da Câmara de Educação Superior. Essa comissão realizou 21 reuniões entre agosto de 2000 e maio de 2001, apresentando-se em encontros, seminários e conferências sobre formação de professores. Essa apresentação foi parte da estratégia para a construção de consensos “e [a fim] de predispor seus destinatários mais para a sua aceitação do que para a sua resistência”(VILARINHO, 2000, p. 119)74

. No contexto brasileiro, Campos R.(2002) também constata essa estratégia, ao pesquisar a reforma da formação de professores.

Nesse movimento constitui-se o Parecer CNE/CES 009/2001, de 8 de maio, que dispõe sobre as Diretrizes Nacionais “que aplicar-se-ão a todos os cursos de formação de professores em nível superior, qualquer que seja o lócus institucional – Universidade ou ISE – áreas de conhecimento e/ou etapas da escolaridade básica” (MEC/CNE, 2001, p. 6). Esse Parecer tem como objetivos:

a) dar base comum à formação docente por meio de diretrizes que possibilitam a revisão criativa dos modelos em vigor;

b) estabelecer sintonia entre a LDB 9394/96 e os parâmetros/referenciais para a educação básica e a formação de professores.

74

Vilarinho(2000), ao realizar estudo sobre a Educação Pré-escolar no discurso oficial em Portugal, constata que essa é uma característica comum das reformas realizadas pelo Estado na década 90 também naquele país.

Comparado aos documentos anteriores, o Parecer 009/2001 reafirma preceitos já apresentados no Documento de 2000, no entanto apresenta objetivos mais diretivos e fechados ao propor dar “base comum” para atuação em toda a educação básica, centrando-se no estabelecimento da sintonia com a reforma da educação básica, não mais oferecendo “orientações gerais” para a profissionalização, como na Proposta de 2000, nem dando subsídios, como no RFP/1998. No documento 009/2001, a função de cuidar e educar como função específica da educação infantil praticamente desaparece75

; ao contrário dos documentos 2000 e de 1998. Nesse caso, podemos dizer que aqui vincula-se de forma estreita a formação do professor da Educação Infantil ao do Ensino Fundamental – a integraçãovira subsunção, desaparecendo de vez a possibilidade, antes apenas esboçada, não apenas de reconhecer, mas também de tratar a formação específica .

Segundo Campos R.(2002, p. 73), no Parecer 009/2001, de um modo geral, “foram mantidos os princípios e indicações que nortearam o documento 2000, exceto as indicações relacionadas à carga horária total da formação e sua distribuição em termos de organização curricular”. Transformando em “base” o que foi apresentado como proposta, a “(re)visão radical”76

, pensada especialmente por Guiomar N. de Mello (1999), transforma-se em “revisão criativa”. O Parecer 009/2001 justifica a reforma da formação dos professores:

[...] com base no diagnóstico dos problemas detectados na formação inicial dos professores,[ ela] apresenta princípios orientadores amplos e diretrizes para uma política de formação de professores, para sua organização no tempo e no espaço e para a estruturação dos cursos (MEC/CNE, 2001, p. 7).

O diagnóstico aludido não tem como base dados de pesquisas nem a problemática da formação levantada por pesquisadores e entidades representativas dos professores ou da área da educação infantil. O Parecer 009/2001 , após uma crítica geral sobre a formação dos professores da educação básica, aponta que ela não vem sendo desenvolvida adequadamente por centrar-se demasiadamente nos conteúdos (conteudista) ou na prática (tecnicista), não preparando os futuros professores para participar da elaboração do projeto político pedagógico ou para estabelecer parcerias com a família e a comunidade; propõe uma formação que integre teoria e prática.

Com relação à especificidade da docência na educação infantil, assinala que [...]é importante observar que a lei prevê que as características gerais da formação de professor

75

Abordada apenas em duas ocorrências. 76

devem ser adaptadas ou adequadas aos diferentes níveis e modalidades de ensino, assim como a cada faixa etária (MEC/CNE, 2001, p. 13, grifo nosso).

Tal como no Documento 2000, também o Parecer 009/2001 mantém a lógica de adaptação – a proposta da formação tem como referência central a educação básica, devendo ser adequada para os diferentes níveis que a compõem. Em conseqüência, os princípios que a norteiam devem ser únicos. Isso que nos leva a questionar, por exemplo, o princípio da “simetria invertida” no contexto da formação para a educação infantil: o que significa levar o futuro professor a vivenciar na formação o que deverá desenvolver posteriormente como docente com as crianças? Considerando que esse princípio se refere sobretudo aos conteúdos a serem ensinados e às metodologias a serem empregadas junto ás crianças, seria essa uma forma de estabelecer o papel da educação infantil e o de seus professores como adaptadores dos conteúdos do ensino fundamental às crianças pequenas?

Torna-se pertinente a questão formulada por Kishimoto (2002, p. 109): “Como levar o profissional a compreender que a criança pequena aprende de modo integrado, se ofereço conteúdos que não tratam da epistemologia desses conhecimentos?” Para a autora, a simetria invertida poderia ser utilizada na formação do professor, desde que abrangesse como conteúdos da formação o corpo, os brinquedos e brincadeiras, as múltiplas linguagens artísticas e expressivas.

O Parecer 009/2001 claramente indica que “as características gerais da formação”, devem ser adaptadas ou adequadas aos diferentes níveis de educação. Isso significa que os princípios e a base epistemológica que orientam o documento devem ser mantidos, podendo ser variável a parte dos conteúdos curriculares, estes sim adaptados a cada nível da educação básica. Ou seja, seguindo o Documento de 2000 – nesse caso aprofunda o que já aparecia como orientação em 1998 –, converte-se em indicação legal que a formação para atuação na educação infantil deve ser organizada a partir da adaptação/adequação dos preceitos que orientam a educação básica. O centro é a educação escolar – ou a lógica do ensino escolar –, a partir da qual deve se constituir a educação infantil. Nesse caso, onde residem as especificidades de cada nível da educação básica como eixos orientadores das propostas de formação docente?

A análise do Parecer 009/2001 parece nos confirmar a tendência já delineada no documento de 1998, qual seja, um entendimento particular das especificidades da educação infantil, tendo como concepção da criança de 0 a 6 anos “como ‘aprendiz intelectual’ e a

invenção de ‘atividades’ intelectuais e práticas adequadas a esta idade”(CHAMBOREDON e PRÈVOT, 1986, p. 42).

O RFP/1998, a Proposta 2000 e o Parecer 009/2001 em linhas gerais aparentemente indicam reconhecer que o professor de educação infantil tem uma docência específica, diferenciada dos demais níveis. No entanto, ao defender uma proposta da educação básica única, que deve ser adaptada pelo professor de educação infantil para a criança de 0 a 6 anos, acaba submetendo a educação infantil à lógica do ensino fundamental.

Nesse aspecto essa legislação diferencia-se da conotação compensatória das décadas anteriores, em que se definia que a criança deveria ser adaptada, sendo ela responsabilizada pelo seu fracasso. Assim, atualmente é a proposta que deve ser adaptada, o professor é o responsável pela adaptação, e pelo eventual fracasso. O que permanece inalterado é a consideração da proposta ou modelo a ser implantado pela educação básica como único e ideal para todas as crianças. Na construção de uma educação de qualidade, o professor foi considerado o protagonista, e essa é também uma forma de atribuir-lhe “a responsabilidade e as mazelas do sistema público de ensino e o mágico poder de extirpá-las” (SHIROMA et al. 2002, p. 98).

Enquanto os movimentos sociais e dos profissionais da educação defendiam uma reforma da educação que a pusesse a serviço do ser humano, na visão oficial tendo como referência as orientações dos organismos multilaterais ela está a serviço principalmente do sistema econômico e da sociedade estruturada a partir de seus padrões.

3.4 TRÊS DOCUMENTOS E UM SÓ PROJETO: AFINANDO A FORMAÇÃO DOS