• Nenhum resultado encontrado

Autor: Antonio Gomes (10/11/2015)

Da mesma maneira que no caso dos agentes transitários, também as empresas transportadoras afirmaram que boa parte de suas rotas tem origem na África do Sul, passando por Maputo e com destino às cidades do Centro e Norte de Moçambique, como Beira, Quelimane, Tete, Nampula, Nacala e Pemba, confirmando a existência de uma circulação de mercadorias em escala nacional. Quase todas as transportadoras afirmaram trabalhar também em toda a região da África Austral, em países como Zimbabwe e Malawi, mas nenhuma delas disse realizar percursos mais curtos, como,

126 por exemplo, entre Maputo e as províncias de Gaza e Inhambane, rotas que, de acordo com Aly Ibrahimo Lalgy, costumam ser realizadas por caminhoneiros autônomos e pelo transporte dito “informal”. Também em comum a quase todas as transportadoras entrevistadas é o fato de realizarem outras atividades para além do transporte de mercadorias, como mudanças (carreto) e até a venda de veículos e peças automotoras.

Fica claro que o mercado de empresas transportadoras em Moçambique desempenha um papel significativo no desenvolvimento de um setor privado nacional, mas isso não significa que ele seja totalmente desvinculado do Estado. Pelo contrário, no setor privado dos transportes de carga em Moçambique, o Estado aparece pelo menos de 3 (três) maneiras: a) muitas vezes os donos das empresas são membros da FRELIMO64, e mesmo que não sejam os donos, é muito comum existir pelo menos um funcionário ligado ao Estado nas empresas; b) às vezes o Estado aparece também como cliente, já que algumas das transportadoras entrevistadas disseram ser o Estado seu maior cliente, realizando diversos transportes para os ministérios locais em direção às províncias; c) por fim, o Estado aparece, como já foi discutido, como regulador, através dos diversos órgãos ligados ao transporte.

Em resumo, ao contrário do que é comumente difundido, existe em Moçambique um empresariado nacional, que encontra no setor do transporte rodoviário de carga um importante nicho de desenvolvimento, possibilitando uma acumulação de capital nacional e gerando empregos, ainda que ele continue fortemente vinculado ao Estado moçambicano que, por sua vez, atua em pelo menos três instâncias desse processo (como regulador, proprietário e cliente).

3.3.3 Caminhoneiros autônomos, caminhoneiros informais e os chapas65: a economia invisível dos pequenos

Agentes transitários e empresas transportadoras, porém, apesar da importância para a configuração de uma circulação interna de mercadorias em Moçambique, e para ajudar a desconstruir a imagem de um território exclusivamente voltado ao exterior, representam uma pequena (mas fundamental) parcela da totalidade de agentes do

64 Esses membros da FRELIMO formam o que Baia (2011) denominou de uma “elite nacionalista”,

composta por homens ligados ao setor público que “paralelamente levam uma carreira de homens de negócios (p. 21)”, atuando em setores como o de transportes, comércio, agricultura e indústria.

65 Pequenas vans de cerca de 15 lugares responsáveis pela quase totalidade do transporte coletivo no país,

127 transporte rodoviário de cargas no país (Figura 3). Caracterizados essencialmente por um movimento de escala nacional, interligando as principais cidades do país, e com um grau considerável de organização interna, esses dois tipos de agentes não possuem a capacidade de abranger grande parte do movimento de carga de um território onde aproximadamente 70% da população vive no meio rural, demandando percursos relativamente curtos e com pequenas quantidades de carga. Esses movimentos, que se encaixam na expressão proposta por Arroyo (2008) de uma “economia invisível dos pequenos”, são levados a cabo por outros tipos de agentes, extremamente capilarizados pelo território moçambicano e com um grau baixíssimo de organização e regularização: são os caminhoneiros autônomos, os caminhoneiros informais e os chapas.

Os caminhoneiros autônomos são donos de caminhões próprios que possuem uma licença para trabalhar, e que apesar de também transportarem cargas isoladas, são mais comumente subcontratados por agentes transitários e empresas transportadoras para compor um grupo cooperativo de caminhoneiros para transportar uma carga de maior volume. A empresa Transportes & Logística é uma das transportadoras que afirma fazer esse tipo de subcontratação, sendo que a empresa MoTraBro, um agente transitário, apontou também que subcontrata caminhoneiros não registrados, que compõem uma outra categoria de agentes: os caminhoneiros informais. No caso desse tipo de subcontratação, tanto os caminhoneiros autônomos quanto os informais continuam a promover a circulação de mercadorias em escala nacional, mas é sobretudo na escala local que os informais atuam, ainda que não necessariamente por meio dos caminhões: “no nível distrital, o transporte de produtos agrícolas tende a ser realizado por transportadores rodoviários informais, usando meios como bicicletas, tratores, vans de pequena capacidade e caminhões de até 10 toneladas66 (DIBBEN, 2009, p. 209)”.

Por fim, também na terceira categoria de agentes daquilo que poderíamos chamar de “pequena circulação”, estão aqueles envolvidos no transporte de mercadorias por meio dos chapas. Considerados como operadores de transporte misto no Regulamento de Transporte em Automóveis, por permitirem tanto o transporte de passageiros, quanto o de mercadorias, os proprietários dos chapas geralmente aceitam levar até 30 kg de carga por pessoa sem necessidade de cobrança, sendo que ao ultrapassar essa quantidade passa-se a cobrar um valor de acordo com o peso excedido.

66 Tradução nossa. No original: “At district level, the transport of agricultural commodities has tended to be carried out by informal road transporters using means such as bicycles, tractors, small-capacity vans and trucks of up to 10 tons”

128 A carga transportada por esses passageiros, essencialmente produtos alimentares, geralmente é colocada em uma pequena carreta acoplada atrás do veículo, quase sempre sobrecarregada (Foto 11).