3. PRINCÍPIOS DO DIREITO FALIMENTAR E RECUPERACIONAL: NORMAS
3.2. Novos “princípios” da Lei de Recuperação de Empresas e Falência
3.2.9. Participação ativa dos credores
Certamente, uma das maiores inovações da Lei de Recuperação de Empresas e
Falência foi a previsão de maior participação dos credores no processo de falência e de
recuperação judicial, já que são eles os grandes interessados no desenvolvimento célere e
eficiente do processo para que sua pretensão creditícia seja efetivamente atendida.
Quanto a isso, o parecer do Senado Federal sustenta que é desejável que os credores
tenham participação ativa nos processos de falência e recuperação judicial, a fim de que, ao
diligenciar na defesa de seus interesses, especialmente buscando o recebimento de seus
créditos, otimizem a prestação jurisdicional e impeçam a prática de fraudes ou o desvio de
recursos da empresa ou da massa falida.
Verifica-se, assim, que a assembléia-geral de credores, que já era prevista nos artigos
122 e 123 do Decreto-lei nº 7.661/45, teve seus poderes extraordinariamente ampliados, tanto
na falência como na recuperação, cumprindo destacar que foi concedido ao órgão assemblear
o poder soberano de aprovar ou rejeitar o plano de recuperação apresentado pela empresa
devedora, conferindo à recuperação judicial natureza jurídica de contrato, diversamente
daquela da antiga concordata, que era regulada pela Lei anterior como um “favor legal”.
A assembléia-geral de credores é constituída pela reunião dos credores que se sujeitam
aos efeitos da falência ou da recuperação judicial, composta por três classes de titulares de
créditos, com competência para deliberar sobre as matérias previstas na legislação concursal.
Quanto a isso, ressalte-se que há alguma divergência na doutrina sobre a natureza dos
interesses dos credores no processo de falência e de recuperação: há quem diga que eles têm
interesses comuns ou coletivos, mas também podem apresentar interesses individuais e até
conflitantes.
Assim, Miranda Valverde afirma que os interesses dos credores concorrentes em um
ato submetido à votação na assembléia podem convergir, divergir ou se opor
127. Já Sampaio de
Lacerda, invocando a lição de Thaller, sustenta que se constitui em um estado de associação,
sem personalidade jurídica, constituída por força de lei, com a natureza de universitas iuris
128.
Quanto a isso, parece correto afirmar que a assembléia-geral de credores é um órgão
colegiado que representa a comunhão dos credores, com poder-função deliberante para
examinar, discutir e decidir sobre as matérias inseridas em sua competência legal.
129A assembléia-geral é um órgão hierarquicamente superior em relação a dois outros
órgãos que lhe são subordinados: o Comitê de Credores e o Gestor Judicial, não tendo ela,
porém, superioridade em face do administrador judicial, que se subordina, exclusivamente, ao
juiz que preside a falência ou a recuperação judicial. Ressalte-se, no entanto, que a assembléia
é órgão de funcionamento facultativo que, mesmo na recuperação judicial, caso não haja
objeção de nenhum credor ao plano recuperacional, poderá jamais ser convocada.
130127 M
IRANDA VALVERDE. Comentários à lei de falências, p. 187.
128
J.C.SAMPAIO DE LACERDA. Manual de direito falimentar, p. 191.
129 E.V.A. E. F
RANÇA. Da assembléia-geral de credores. Comentários à lei de recuperação de empresas e
falência, p. 187; J.LOBO. Da assembléia-geral de credores. Comentários à Lei de recuperação de empresas e
falência, p. 86. 130 E.V.A. E. F
RANÇA. Da assembléia-geral de credores. Comentários à lei de recuperação de empresas e
Na recuperação judicial a deliberação da assembléia-geral sobre o plano de
recuperação apresentado pelo devedor é soberana, desde que observadas as regras de ordem
pública que regem a matéria, especialmente as normas sobre o quorum do artigo 45 e seus
parágrafos ou, eventualmente, aquele preconizado nos incisos I, II e III, do § 1º, do artigo 58.
De tal forma, cumpridas as exigências da Lei, o juiz concederá a recuperação judicial do
devedor cujo plano não tenha sofrido objeção de credor ou tenha sido aprovado pela
assembléia-geral.
Há autores que sustentam que juiz não está vinculado a tais decisões, mantendo
evidentemente o exercício do poder jurisdicional
131. Nesse sentido, Jorge Lobo afirma que a
interpretação sistemática, teleológica e pragmática, levaria à conclusão que o juízo não pode
ser privado dos poderes e atribuições que lhe são assegurados por norma constitucional, nem
impedido de exercer o controle da legalidade formal e substancial e, conforme o caso, o
controle de mérito tanto do plano de recuperação quanto da decisão da assembléia-geral dos
credores, especialmente no que concerne a fraude à lei, abuso de direito e preterição de
formalidade essencial.
132.
Em sentido contrário, afirma-se que, não aprovado o plano pelo conjunto de credores
reunidos no conclave, ao juiz não restará alternativa senão a sua rejeição, ressalvada a hipótese
do § 1º, do artigo 58, da Lei, uma vez que, pelo sistema adotado, cabe aos credores deliberar
sobre a melhor solução para os seus interesses e, portanto, rejeitado o plano, a falência será
inevitável.
133Da mesma forma, aprovado o plano pela assembléia-geral, não cabe ao juiz
nenhuma margem de discricionariedade a respeito da matéria, que deverá conceder a
recuperação. Assim, a verificação no caso concreto da viabilidade econômica da recuperação
131 M.J.BEZERRA FILHO. Lei de recuperação de empresas e falências comentada, p. 174. 132
J.LOBO. Da assembléia-geral de credores. Comentários à Lei de recuperação de empresas e falência, p. 154.
do devedor e do atendimento dos objetivos previstos no artigo 47, da Lei, não cabe ao juiz,
mas deverá resultar do processo de negociação entre devedor e credores.
134Nesse mesmo sentido, a Câmara Especial de Falências e Recuperações Judiciais do
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo tem precedentes que proclamam que o juiz não
pode se imiscuir no mérito do plano, ou seja, quando a assembléia-geral de credores aprova o
plano é vedado ao magistrado negar a recuperação judicial, sob o entendimento de que o plano
aprovado é inviável economicamente para a recuperação da empresa. Da mesma forma, o juiz
não pode rejeitar objeção ao plano e deferir a recuperação sem que a assembléia-geral delibere
a respeito.
135Reconhece-se, portanto, a soberania da assembléia de credores na deliberação sobre a
viabilidade e consistência do plano de recuperação apresentado pelo devedor, bem como a
natureza contratual da recuperação judicial, conferindo, desta forma, participação ativa dos
credores no processo de recuperação de empresa.
Ressalte-se, porém, que a maior participação dos credores no processo de falência e
recuperação efetivamente, observada na elaboração da Lei nº 11.101/2005, não caracteriza
propriamente um “princípio” do Direito Falimentar e Recuperacional, mas sim, uma opção
estratégica do legislador que, para isso, instituiu diversas regras em atendimento ao novo
desenho da reorganização empresarial, acreditando ser este modelo mais eficiente para
propiciar a recuperação da empresa. Nesse sentido, mais uma vez, são regras que derivam do
princípio da preservação da empresa, que seria melhor atendido pela participação dos credores
no processo de recuperação e falência.
No documento
THOMAZ HENRIQUE JUNQUEIRA DE ANDRADE PEREIRA
(páginas 94-97)