3. PRINCÍPIOS DO DIREITO FALIMENTAR E RECUPERACIONAL: NORMAS
3.2. Novos “princípios” da Lei de Recuperação de Empresas e Falência
3.2.3. Recuperação das sociedades e empresários recuperáveis
constituída pelos próprios empregados” (inciso VII), a “constituição de sociedade de credores”
(inciso X), a “venda parcial de bens” (inciso XI), o “usufruto da empresa” (inciso XIII) e a
“administração compartilhada” (inciso XIV), evidenciam a distinção entre “empresário”, a
“organização empresarial” e o “estabelecimento”.
Da mesma forma é a previsão do artigo 75 da Lei, pois ao afastar o “empresário” ou os
administradores estatutários ou contratuais da sociedade empresária quando é decretada a
falência, nítida é a distinção entre o conceito de empresário ou sociedade empresária e a
organização funcional e a projeção econômica – estabelecimento – da empresa. O mesmo
ocorre com a regra do artigo 140 que ordena preferencialmente a alienação judicial da
empresa, inserindo como primeira alternativa a “venda dos estabelecimentos em bloco”, isto
significa, a totalidade da organização (funcional) e a integralidade dos estabelecimentos
(objetivo).
De tal forma, apesar da Lei de Recuperação de Empresas e Falência, como é natural, se
filiar à teoria da empresa, previamente adotada pelo direito privado brasileiro quando da
promulgação do Código Civil de 2002, a separação entre o conceito de empresa e de
empresário, não se trata verdadeiramente de um “princípio” do Direito Falimentar e
Recuperacional, seja em seu sentido de regra constitutiva, de norma geral, ou de mandamento
de otimização.
Trata-se, na verdade, de regra constitutiva do direito empresarial como um todo, que
tem na “empresa”, “empresário” e “estabelecimento empresarial” os seus conceitos
fundamentais, conceitos utilizados pelo Direito Falimentar e Recuperacional, enquanto sub-
área do Direito Empresarial que, por sua vez, é uma sub-área do Direito Privado, definida,
exatamente, pelo conceito de “empresa”.
3.2.3. Recuperação das sociedades e empresários recuperáveis
Em primeiro lugar, em rigor, se houver efetivamente um “princípio” desta ordem,
deveria ele ser rotulado de “princípio da recuperação das empresas recuperáveis”, isto porque,
emerge do sistema adotado pela Lei nº 11.101/2005 a intenção de preservar a empresa, não
havendo preocupação em se proteger ou tutelar a figura do empresário ou da sociedade
empresária.
Na verdade, o que se constata é que ao se estabelecer o princípio da preservação da
empresa e, especialmente, ao adotar o instituto da recuperação judicial e extrajudicial de
empresa, promoveu-se relevante alteração no tratamento da empresa em crise econômico-
financeira, no que concerne à sua reorganização.
No Decreto-lei nº 7.661/45, previa-se a concordata – preventiva ou suspensiva –, como
o meio adequado para se buscar a reorganização da empresa, vale dizer, evitar ou superar a
falência. A concordata preventiva tinha o objetivo de impedir o decreto de quebra. Já, a
concordata suspensiva, que era aplicada à empresa falida, objetivava a suspensão do processo
de quebra para outorgar-se oportunidade de o falido se reerguer, voltando a exercer sua
atividade empresarial. Sob a égide da legislação anterior, a concordata era regulada como
sendo um “favor legal” ou um “benefício legal”, conferido ao comerciante, infeliz nos
negócios, porém honesto.
84Desse modo, ao devedor que requeresse a concordata, exigia-se apenas que
comprovasse satisfazer os requisitos arrolados no artigo 148, da antiga Lei Falimentar, para
que o juiz lhe concedesse o “favor legal”. Não havia na Lei anterior qualquer exigência no
sentido de o comerciante ou sociedade comercial ter que demonstrar no seu pedido de
concordata, que empresa por ele dirigida ou administrada era viável economicamente, isto é,
que sua atividade organizada merecesse ser preservada. Por isso, grande número de
concordatas eram concedidas pelo Poder Judiciário sem que houvesse qualquer preocupação
com a efetiva possibilidade de a empresa se restabelecer sob a ótica da economia e da ciência
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da administração de empresas, circunstância que, por óbvios motivos, acarretou a posterior
falência de muitas dessas empresas.
Por sua vez, a Lei nº 11.101/2005, a par de alterar a natureza jurídica da concordata,
que ao ser substituída pela recuperação judicial deixou de ser “favor legal” concedido por
sentença judicial, passando a ostentar natureza contratual – uma vez que a recuperação só
poderá ser concedida se o plano de recuperação for aprovado pela assembléia-geral de
credores –, trouxe grande modificação ao sistema no que se refere à necessidade de o devedor
comprovar a seus credores a viabilidade econômica de sua empresa para que ela possa ser
judicialmente recuperada.
O artigo 53, da Lei de Recuperação de Empresas e Falência, estabelece a necessidade
de o plano de recuperação conter a discriminação pormenorizada dos meios de recuperação a
ser empregados, a demonstração de sua viabilidade econômica e laudo econômico-financeiro e
de avaliação dos bens e ativos do devedor, subscrito por profissional legalmente habilitado ou
empresa especializada.
Tratando da “viabilidade da empresa”, Fábio Ulhoa Coelho diz que ela deve ser
examinada pelo Poder Judiciário, em função de vetores como (i) a importância social – a
questão da viabilidade da empresa deve considerar as condições econômicas a partir das quais
é possível planejar-se a reorganização da empresa e a relevância que ela tem na economia
local, regional ou nacional –, (ii) a mão de obra e tecnologia empregadas – fatores que, na
atualidade, podem se complementar ou, eventualmente, se excluir, pode ocorrer de sem
modernizar a tecnologia usada a empresa não se reorganize, mas ao ser modernizada, ela
utilizar-se-á de menor número de empregados, (iii) volume do ativo e passivo, (iv) tempo da
empresa e (v) porte econômico – as medidas recomendadas para uma grande empresa não
podem ser aplicadas a um pequeno empresário.
8585 F.U.C
O plano é o elemento central para a análise da estratégia desenhada para o sucesso ou
não da recuperação judicial, devendo conter a demonstração de sua viabilidade econômica,
pois, caso ela não esteja comprovada, não se justifica deferir a recuperação judicial, que
significaria apenas o prolongamento da agonia da empresa, que, continuando a exercer sua
atividade no mercado, obviamente, não atenderá à função social que justifica o deferimento do
pedido.
Assim, diante da constatação de que só merecem a recuperação judicial as empresas
que comprovarem sua viabilidade econômico-financeira, isto é, que tenham condições de se
reorganizar, e de que, em nome da recuperação da empresa – entendida em seu perfil
funcional, como atividade empresarial – pode-se sacrificar o empresário – pessoa física ou
jurídica – percebe-se que o que não se trata de um “princípio” autônomo do Direito Falimentar
e Recuperacional, mas apenas a reafirmação do princípio da preservação da empresa em vista
de sua função social.
No documento
THOMAZ HENRIQUE JUNQUEIRA DE ANDRADE PEREIRA
(páginas 61-64)