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Capítulo 1: Trajetória rumo ao coletivo 19 

1.5. Participação e proxemia 48 

Configurar esses grupos artísticos, que trabalham com esquemas de participação e colaboratividade dentro de uma temporalidade e uma ambiência, postula um nível de proximidade entre pessoas (que muitas das vezes não se conhecem). Logo, níveis maiores de proximidade são efetivados. É oportuno pensar esses níveis através do estudo da proxemia.

As proposições conviviais, aqui pesquisadas dentro da noção de ambiência, possibilita-nos enxergar o surgimento de grupos a partir de uma interconexão entre eles. Trabalhos coletivos, que objetivam ocupar um espaço físico, demandam por vezes uma aproximação maior entre os participantes. Essa visão orgânica nos permite pensar o mundo conectado, em rede, e não fragmentado por discursos. O estar junto tem em suas premissas a união dos contrários, da diferença e da alteridade, evidentemente, levando em conta os conflitos e atritos que possam surgir desses encontros.

Nos trabalhos, que escolhemos para a pesquisa, averiguamos que há um encurtamento de distâncias espaciais entre um indivíduo e outro. Nessas ambiências, um mundo orgânico e conectado fomenta o contato, uma efetivação mais incisiva do termo comunidade ou grupo. A ciência classifica pela “proxemia” essas distâncias, esses níveis de proximidade. O antropólogo Edward T. Hall cunhou esse termo, em 1963, com o intuito de caracterizar o conjunto de observações e teorias referentes ao uso que o homem faz do espaço enquanto produto cultural específico. Hall demonstrou que a distância social entre os indivíduos pode

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ser relacionada com a distância física. Nesse sentido, menciona quatro tipos de distância, que caracterizam níveis diferentes de proxemia:

• “Distância íntima: para abraçar, tocar ou sussurrar; envolve contacto físico entre os corpos; não permitida habitualmente em público na maior parte das culturas (0-45 cm);

o Modo próximo: maior proximidade possível, contacto entre a pele e músculos; o Modo afastado: apenas as mãos estão em contacto; proximidade provoca visão

distorcida do outro, distância na qual se fala aos sussurros.

• Distância pessoal: para interação com amigos próximos; distância que o indivíduo guarda dos outros (45-120 cm);

o Modo próximo: permite tocar no outro com os braços; a posição/distância

revela o relacionamento que existe entre os indivíduos;

o Modo afastado: limite do alcance físico em relação ao outro; distância habitual

da conversação pessoal;

• Distância social: para interação entre conhecidos; definida por Hall como o “limite do poder sobre outrem”; a esta distância os indivíduos não se tocam. (1,2-3,5 m);

o Modo próximo: adotado quando várias pessoas dividem o mesmo espaço de

trabalho ou em reuniões pouco formais;

o Modo afastado: adotado quando de relações sociais ou profissionais formais; • Distância pública: para falar em público; situa-se fora do círculo mais imediato do

individuo; vista em conferências. (acima de 3,5 m).

o Modo próximo: relações formais; permite a fuga ou a defesa caso o indivíduo

o Modo afastado: modo no qual a possibilidade de estabelecer contacto com

alguém é nula, devido à distância.”125

Um exemplo recorrente na obra de Hall é o relativo a uma pessoa que decide sentar-se em um banco de praça já ocupado e mantém certa distância daquele que já o ocupa, sentando- se na outra extremidade, preservando a distância entre os dois indivíduos. É interessante notar que, em determinado momento, Hall pontua que há, em diferentes culturas, diferentes padrões concernentes a distância guardada entre indivíduos e o quanto é importante se ter consciência disso. Segundo ele:

Lidar com padrões proxêmicos para pessoas de diferentes culturas, serve a um propósito duplo: em primeiro lugar, para lançar luz sobre os nossos próprios padrões inconscientes, e por este meio, espero contribuir para a melhoria da concepção das estruturas de trabalho e melhoria de vida nas cidades; e, em segundo, para mostrar a grande necessidade de uma melhor compreensão intercultural.126

Na América Latina, por exemplo, as distâncias tendem a ser menores e as pessoas não se sentem desconfortáveis quando estão próximas umas das outras; diferentemente das culturas nórdicas, onde ocorre o inverso. Para os germânicos, por exemplo, a noção de espacialidade física “é sentida como uma extensão de seu ego”127 Logo, ela é resguardada, pois prioriza-se a intimidade.

Contudo, a relativização dessas noções espaciais globais ocorre dentro das ambiências formadas pelos grupos artísticos, que promovem, instigam e motivam proximidade e por vezes um contato maior, indo em um caminho oposto ao padrão cultural estabelecido. Há, nesse momento, tendo por base a ambiência formada pela proposição, um consenso que liga público e artistas em um estado de participação.

Tais grupos efetivam novidades nesse campo quando valorizam, por meio do convívio, uma proximidade muito maior que as indicadas geralmente nas estatísticas dos estudos de proxemia. O historiador da arte e teórico alemão Wilhelm Worringer, em sua obra,128 descreveu de forma curiosa estes movimentos ou períodos em que predominam as artes mais táteis e outros períodos em que predominam as artes mais ópticas. Worringer

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Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Prox%C3%AAmica>   126 HALL, 1996, p. 29.  127 Idem, 1990, p. 34.  128 WORRINGER, 1921, p. 101. 

evidencia que obras de arte figurativas e orgânicas são resultado de um ambiente amigável, e obras que se distanciam da representação (são abstratas e geométricas), refletem um ambiente hostil.129 Em outras palavras, uma arte que não oferece entraves a um contato maior, e outra que é resultado de um distanciamento da realidade. Estou me referindo a este autor para salientar e fazer um paralelo com o fato de que, hoje, alguns autores, como Maffesoli e o filósofo italiano Mário Perniola,130 dizem estarmos entrando em “um período táctil, onde somente a proxemia importa”.131

A importância do entendimento dos níveis de proximidade, principalmente a distância íntima e a distância pessoal, possibilita-nos enquadrar esse conhecimento como estratégia para instigar níveis maiores de interação entre os participantes das proposições artísticas (do processo e da dinâmica de jogo de tabuleiro, por exemplo, ou na escolha dos locais para ativar as ações). O próprio jogo como dispositivo ativa esses níveis maiores de proximidade, a saber: encurtando as distâncias entre os participantes a partir das regras do jogo, saindo de um nível de proximidade elencado como “distância social” para o de “distância pessoal” por meio da ludicidade.

Contudo, a partir desses três dados: desaceleração do tempo, ambiência e proxemia, podemos adentrar na esfera do convívio no contexto da arte, tendo por base essas instâncias como referentes para assim observar as atividades de alguns grupos artísticos específicos e a utilização desses termos como estratégias comuns dentro de dois pressupostos centrais: participação e convivência. 129 WORRINGER, 1921, p. 101.  130 PERNIOLA, 1993.  131