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CAPÍTULO 4 RESISTÊNCIAS EM AÇÃO NA VOZ DAS GRIÔS

4.1 O APRENDIZADO DA TRADIÇÃO ATIVISTA PELAS GRIÔS

4.2.1 MILITANTES COMO FORAM SE TORNANDO

4.2.1.1 Participação no Movimento Negro

O Movimento Negro cumpre um papel importante ao contribuir para o fortalecimento das mulheres e homens negros que o compõem. Como afirma Lúcia Xavier, participar do Movimento Negro é sempre positivo, apesar dos percalços,

pois ele ajuda você a se estruturar. É um grupo que acaba estruturando as pessoas para instituir uma mudança no modo de se relacionar, porque as pressões são muito grandes. É o cabelo, a roupa, que é colorida demais. [...]. Não acho que ser negro tem que ter um padrão (apud CONTINS, 2005, p. 313).

Desse modo, e os relatos de muitas entrevistadas caminharam nesta direção, o Movimento Negro surge, também, como um espaço de reestruturação pessoal, de realização da autodefinição e de fortalecimento coletivo.

Um dos relatos mais significativos, em concordância com o argumento de Lúcia Xavier é o apresentado por Valdecir Nascimento no qual me deterei para abordar a participação das mulheres negras nos grupos mistos dos movimentos negros, ou seja, formados por mulheres e homens. Da mesma forma que Lúcia Xavier, Valdecir recupera o lado positivo e essencial do ativismo negro para as nossas vidas.

Eu acho que ter entrado em contato com o movimento negro, com o Movimento Negro Unificado, particularmente, salvou a minha vida. Salvou, porque eu poderia ser uma

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mulher negra, num outro lugar, com 51 anos de idade. Num outro lugar, lá do bairro da periferia, convivendo com esse quadro de violência aí e dizendo assim: “Pô, meu Deus”, mas Deus fez assim mesmo. Quem sabe já teria me convertido ao Evangelho, ou coisa dessa natureza. Então, o Movimento Negro na minha vida, ele vai me dizer o que é possível, que todas as coisas são possíveis. Não sei quantas pessoas interpretam dessa forma, mas o Movimento Negro na minha vida me fez nascer de novo. É ter uma sensação como se eu tivesse sido batizada de novo, passado por seu ritual de iniciação, batizado de novo. Ele vai dar um outro sentido a minha vida, que é sentido de cidadania de uma pessoa que está pensando o Brasil.

Apesar do reconhecimento da importância do movimento, as ativistas não deixam de tecer comentários sobre os percalços, sendo alguns inerentes ao trabalho militante, em função da dedicação diuturna exigida pela luta. Como se pode constatar no depoimento de Jurema Batista, na obra Lideranças negras, de Márcia Contins (2005, p. 292): “[...] não é fácil juntar militância e relacionamento. Meu primeiro casamento não deu certo. Foi assim porque a militância toma um tempo muito grande”. Esta dimensão pouco abordada acerca da vida das(os) integrantes dos movimentos sociais é reveladora, na medida em que desvela as subjetividades do ativismo/ativista e coloca o sujeito em cena.

O grande problema, talvez um dos maiores percalços interpostos às ativistas, conforme depoimento de Valdecir, decorria da postura/visão sexista partilhada por certos homens do Movimento Negro. Sua entrada para os quadros do MNU ocorreu na década de 1980 e, ressalta, durante uma fase de avaliação do grupo, de questionamentos internos, pois as mulheres da entidade estavam insatisfeitas com o comportamento de determinados integrantes. Poucas mulheres negras resistiam ao ambiente sexista e, em função disto, a presença feminina era sempre pequena. Ou seja, destaca a entrevistada, havia o desejo de dar

um salto em relação ao nosso posicionamento no Movimento [Negro] Unificado. O salto

político foi obtido a partir do investimento e do fortalecimento das integrantes, que passaram a assumir atividades de destaque e de direção no grupo, tradicionalmente realizadas pelos homens. Para realizar a ação, continua:

Começamos a nos articular, conversar antes “Olha, hoje você pega a coordenação da mesa” incentivando que as mulheres começassem a assumir outra postura.

As integrantes mais antigas orientavam as que chegavam:

Não se envolva afetivamente com nenhum desses caras, porque vocês vão ser

172 Na perspectiva de Lélia Gonzalez (2008), existe uma dimensão histórica formatada pelas experiências com o escravismo e, posteriormente, com o racismo, responsável pela produção de relações mais igualitárias entre mulheres e homens negros95. O depoimento de Valdecir acerca das relações de gênero nos grupos mistos do movimento negro contrapõe a perspectiva defendida por Gonzalez.

Na verdade, se faz necessário pensar o processo pelo qual, historicamente, a colonização operou, de modo a impedir o crescimento da solidariedade racial entre homens e mulheres negros como fator de desestímulo para o exercício de práticas sexistas pelos homens negros nas sociedades da diáspora negra96. Como sugerem Brenny Mendoza (2010), María Lugones (2008) e Rita Segato (2011), a subordinação de gênero patriarcal foi socialmente pactuada pelo homens colonizados com os colonizadores para estabelecer algum controle em suas sociedades.97 Contudo, é importante refutar uma concepção homogeneizadora para enquadrar todos os homens negros militantes e, neste sentido cabe fazer o destaque de que havia/há solidariedade e companheirismo de parte dos militantes, realidade esta presente em vários grupos mistos do Movimento Negro.

Assim, conta Valdecir, entre os anos 1980 e 1981, ao lado de outras companheiras de Salvador, a exemplo de Júlia, América, Lúcia, Valdicélia, Saraí, Luiza, Ana Célia, Tereza, cria o grupo de mulheres do MNU cuja primeira ação foi: denunciar os caras do MNU que

se apropriavam das coisas do MNU.

A ação embora fosse protagonizada, principalmente, pelo grupo de mulheres, contou também com o apoio de alguns companheiros, como ressalta:

Encontramos, no MNU da época, apoio de Jonatas Conceição, de Luiz Alberto, Luiz Orlando... eram os caras que nos deram apoio, eram os caras que concordavam e que debatiam com a gente qual era a situação do MNU.

O Grupo de Mulheres tinha por objetivo o empoderamento político das integrantes para que exercessem uma atuação proativa no interior do MNU, assumindo o lugar de protagonistas no movimento negro. A estratégia passava pela troca de experiências para expor as fragilidades, para dividir os medos alimentados pelo racismo, pelas imagens negativas depreciativas, os estereótipos, que acabam solapando a autoestima e a capacidade de falarem em seu próprio nome para construir, coletivamente, a transformação das mulheres do grupo pela afirmação do discurso, do ato de falar, pois, como sublinha bell hooks (1989),

95

Como mostrado na discussão realizada no Capítulo 3, Parte II. 96

Julia Sudbury (2003) trata e analisa várias organizações com problemas semelhantes. 97

173 para as mulheres de grupos oprimidos falar é um ato de resistência, um ato que desafia a política de dominação masculina.

A formação de um grupo de estudos foi uma das ações pensadas pelas mulheres do MNU com o objetivo de qualificar a intervenção política de todas. Nas palavras de Valdecir:

[Para] que as mulheres estivessem preparadas de manhã para participar dessas reuniões mais gerais durante à tarde. Porque a gente não participava porque não tinha informação, tinha medo de falar; então, nós formamos um grupo de mulheres, muito para fortalecer, para atuar no grupo misto.

Segundo Valdecir, o grupo montou uma peça de teatro em quatro atos, “Anônimas guerreiras brasileiras”, visando:

Abrir a discussão sobre a questão das mulheres negras dentro do movimento.

É interessante refletir acerca da forma encontrada pelo grupo para abordar a temática, o teatro. Embora a depoente não tenha feito referência ao Teatro do Oprimido, este sempre foi e continua a ser uma ferramenta muito usada pelos movimentos sociais. O teatro, sob esta concepção98, se caracteriza por ser um modo de expressão e comunicação colocado à disposição de qualquer pessoa que tenha desejo de personificar um papel com intuito de abordar questões políticas e sociais, promover a reflexão e transformação social. Aquelas(es) que participam são os sujeitos da atuação, deslocados do lugar de expectadores passivos para o de agentes do processo. A proposta do Teatro do Oprimido está no tratamento em grupo dos problemas políticos e sociais, visando à discussão e a busca de possíveis ações coletivas.

A representação teatral foi, portanto, um processo conjunto de afirmação política, de promoção da construção coletiva do conhecimento, um jeito de abrir espaços para o surgimento de lideranças femininas negras e, fundamentalmente, para o fortalecimento das mulheres negras. Segundo a ativista, cada ato tratava de uma questão fundamental para as mulheres negras: o trabalho doméstico e a relação de poder estabelecida entre mulher branca, patroa, e mulher negra, empregada; o mercado de trabalho; a opção dos homens negros pelas mulheres brancas99; e a relação dos militantes com suas mulheres. O objetivo deste último ato se voltava para a problematização da invisibilidade das mulheres. Diz Valdecir:

98

Consultar Silva (2009) e Silveira (2009). 99

bell hooks (1981, p. 112) diz que “é perfeitamente normal pessoas de diferentes raças serem atraídas sexualmente de forma mútua, porém, não penso que os homens negros que confessam amar as mulheres brancas e desprezar as mulheres negras ou vice-versa, simplesmente expressam preferências pessoais livres de ‘bases’ culturais”. Ver também (BISPO, 2011).

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As mulheres dos militantes nos odiavam. Como se a gente fosse tudo mulheres amantes deles. Então, isso era uma problemática para a gente trazer mais mulheres para dentro do movimento.

Assim, resume Valdecir Nascimento a trajetória do grupo de mulheres negras do MNU:

Foi assim que a gente começou a discutir as relações de gênero dentro do movimento negro. Nós vivenciamos a experiência, que foi de enfrentamento com os caras, em seguida, produzimos a peça de teatro e a gente corria Salvador e alguns municípios do Estado da Bahia, problematizando com essa questão. Fomos a Juazeiro, fomos a Vitória da Conquista, fomos a vários municípios que tinham discussões de movimento negro, a gente levava a peça, bar de periferia, era a nossa estratégia de discutir a questão das mulheres negras dentro do movimento. E aí o grupo vai se fortalecer. Nós vamos começar a disputar Congresso Estadual, Congresso Municipal, então, a gente vai começar a ter uma atuação efetiva dentro do MNU da Bahia porque nós queríamos dar o tom. Então, a gente, a nossa ação, mesmo sem querer, ela acabava sendo uma ação policialesca, então, onde apareciam as mulheres do MNU, os caras do MNU não ousavam arranjar outra mulher.

Da mesma forma que Valdecir Nascimento, Marta Andrade integrou uma organização mista do movimento negro, o Centro de Cultura Negra (CCN), do Maranhão. A narrativa a respeito da sua participação no CCN apresenta muitas semelhanças com o depoimento de Valdecir, pois, segundo Marta, as mulheres integrantes do CCN forçaram a discussão sobre mulheres negras, mas foi, somente, após a decisão de se reunirem como grupo organizado dentro da instituição que o debate fluiu adequadamente. O grupo, no entanto, não foi bem aceito por parte dos militantes, que respondiam à organização das mulheres com percepções sexistas, anunciando uma disputa de poder na definição dos espaços sociais. Sobre isso, diz Marta:

Eram os homens digladiando com as mulheres. Se tinha o grupo de mulheres, também deveria ter o grupo de homens... na cabeça deles era: “Minha mulher não vai ficar nesse grupo. Se quer namorar comigo tem de largar essas meninas. Essas meninas são mal- amadas, são sapatão”.

Com o grupo de mulheres do CCN, diz Marta, foi possível pensar e discutir propostas diferenciadas para as mulheres negras. Porém, o principal destaque feito por ela recai sobre a importância dada pelas ativistas à formalização do grupo de mulheres dentro do CCN. A organização do grupo representava para as mulheres da entidade a conquista de um

175 espaço político do qual elas se orgulhavam. Portanto, diz Marta Alencar, pertencer ao grupo constituía um diferencial.

Eu sou de onde? Do grupo de mulheres do Centro de Cultura Negra do

Maranhão. Não era só de um grupo de mulheres, você era do grupo de mulheres do Centro de Cultura do Maranhão.

O livro organizado por Alberti e Pereira, Histórias do Movimento Negro no

Brasil: depoimentos ao CPDOC, traz uma entrevista com Magno Cruz, militante e ex-

presidente do CCN. Na perspectiva de Magno, o grupo de mulheres surgiu da “discussão da questão da mulher negra dentro do movimento negro, e elas sentiram a necessidade de ter uma autonomia. Aí, criou-se, dentro do CCN, o Grupo de Mulheres Negras Mãe Andresa, que hoje é um grupo independente”. A relação era conflituosa, pois as mulheres eram vigilantes em relação à reprodução das relações sexistas. Sobre isso, exemplifica Magno, “o grupo de mulheres negras achava que o time de futebol era muito machista e havia um embate muito grande. Mas acho que isso foi salutar, porque a gente começou a trabalhar as contradições que estão na própria sociedade” (ALBERTI; PEREIRA, 2007, p. 209-210).

Ainda nessa mesma linha, trago o depoimento de Joselina da Silva, ativista do Programa de Mulheres do Centro de Articulação de Populações Marginalizadas (CEAP), Rio de Janeiro, que consta no livro Lideranças negras, de Márcia Contins (2005). Ela ratifica a afirmação de Marta Alencar no tocante ao peso político assumido pela organização das mulheres negras dentro de grupos mistos do Movimento Negro. Joselina afirma que:

[...] acontece ou o que tem acontecido é o seguinte: ao mesmo tempo em que as mulheres negras se organizam, elas também acabam se organizando entre si. Estamos num processo em que as mulheres negras estão muito mais organizadas enquanto mulheres negras, e se aproximam do Movimento Negro como uma organização, do que mulheres individuais dentro do Movimento Negro.

Vai ser muito mais difícil encontrar uma mulher de uma instituição X, Y ou Z (mesmo que seja uma instituição de mulheres fortes, estamos falando no Movimento Negro) enquanto dona Fulana de tal grupo. Você vai encontrar, mas vai encontrar muito mais um grupo de mulheres, seja de que

organização for, se fazendo presente (apud CONTINS, 2005, p. 269, grifo

nosso).

A organização de grupos de mulheres negras no interior dos movimentos negros mistos também foi mencionada pelas outras ativistas: Kátia de Melo cita o Departamento de Mulheres Negras da Unegro; Jurema Werneck o Programa de Mulheres do CEAP; Maria Fátima o grupo de mulheres do Instituto de Pesquisa das Culturas Negras (IPCN); Benilda

176 Paiva, o coletivo de mulheres do GRUCON; e Sônia Cleide o grupo de mulheres do APNs de Goiás.

São depoimentos de ativistas oriundas de diferentes cidades e regiões brasileiras, mas que têm em comum o contexto de mobilização e a disposição política das mulheres negras para o enfrentamento do racismo gendrado. Alinhavar as narrativas umas nas outras significa resgatar mais uma parte da história do processo de organização política das mulheres negras brasileiras, ou seja, significa recuperar o fio da história rompido pela invisibilização das mulheres negras.

A participação das mulheres negras nos grupos mistos dos movimentos negros também foi percebida por algumas depoentes como importante processo de formação política, tal qual a avaliação da participação nos movimentos sociais não negros. No caso dos movimentos negros, a relevância advém da possibilidade de refletir, evidentemente, sobre raça, mas, também, de aprofundar a reflexão a respeito do processo de construção das relações de gênero entre mulheres e homens negros. Valdecir Nascimento, por exemplo, reconhece este aspecto, atribuindo-lhe valor positivo; entretanto, percebe que tal experiência produziu/produz um cenário de contradição à ação das ativistas, precisando, ainda, ser discutido, pois existe, declara a entrevistada, por parte das mulheres negras, uma orientação para a compreensão do sexismo do homem negro e de proteção ao ente masculino, em função do racismo. Em suas palavras:

Para nossa formação política de mulheres negras, estar em um grupo misto

com essa quantidade de conflito foi importante, fundamental, para a gente poder ter uma interpretação ou fazer um olhar sobre as relações de gênero entre homens e mulheres negras. Muito importante. Eu acho que a gente consegue capturar as particularidades da postura dos homens negros em relação a nossa dominação [...] Porque, ao mesmo tempo em que a gente vai ter a compreensão da relação de dominação dos homens negros sobre as mulheres negras, porque é o único espaço que eles acreditam ser o espaço de existência deles, nós vamos, também, entender que eles são metade homens e que não são mais completos em função do racismo, consequentemente, nós vamos querer ampará-los. Então, a gente vai viver essa contradição.

Julia Sudbury, em Outros tipos de sonhos: organizações de mulheres negras e

políticas de transformação, apresenta um estudo das organizações de mulheres negras na Grã-

Bretanha, realizado através de entrevistas com ativistas negras. Ela constata que, em muitos casos, “as mulheres eram influenciadas por experiências comuns de racismo para fazer vista grossa a atuações opressivas de gênero” (2003, p. 102).

177 Esta aparente condescendência seria, na maioria das vezes, consciente e alimentada pelo sentimento de afinidade moldado pelo compartilhamento das experiências com o racismo e a discriminação racial. Subsumido na disposição para compreender as práticas sexistas dos homens negros está o entendimento de que, para manter a unidade racial, se faz necessário resolver os problemas internamente, como já abordei em mais de um momento nesse trabalho. Essa é uma questão recorrente em vários escritos de mulheres negras, evidenciando um problema a ser posto à investigação. É fato que existem mulheres e homens negros partilhando esta premissa, porém, a história de mobilização das mulheres negras, de modo geral, desautoriza afirmações mais categóricas de que fazemos “vista grossa” a atuações opressivas de gênero.

Muito embora haja semelhanças no enfoque de Valdecir Nascimento e de Julia Sudbury, entendo que a ativista brasileira apresenta novos elementos, pois ela redireciona o foco da discussão do campo do passado histórico comum para as violências impingidas às mulheres negras pelo sistema moderno/colonial de gênero.

Nós transitamos melhor que os homens e nós armamos melhor do que eles. A

sociedade impôs para nós, mulheres negras, um conjunto de contingenciamentos que fez a gente virar super. Então, eu acho que nós mulheres negras somos mulheres especiais. Especiais mesmo, no sentido mais literal da palavra. Porque nós somos especiais? A gente consegue, a gente conseguiu montar uma estratégia de sobrevivência que nos coloca mil lugares onde os homens negros não conseguem chegar. Então, eles desistem da escola mesmo, eles fazem discursos superficiais, eles não aprofundam, nem assumem responsabilidades de transformação da comunidade negra como a gente... E nós não.

As soluções encontradas pelas mulheres negras para sobreviver na adversidade constituem estratégias com as quais estas se defendem e se fortalecem tanto individualmente quanto coletivamente. Porém, as respostas encontradas pelas mulheres negras, muitas vezes, podem lhe acarretar problemas, explorados, aqui, por Valdecir:

Não é uma coisa que eu acho interessante. Não acho positivo e porque não acho positivo? Porque isso dá, tem uma sobrecarga muito grande sobre nós. Então, a gente, eu, com 51 anos de idade, por exemplo, hoje tem coisas que eu não quero fazer porque eu não quero ocupar esse lugar, a mulher negra forte de luta. Eu não quero ser a mulher forte de luta. Eu quero ser frágil com todas as possibilidades e condições que eu tenha, porque isso é a minha dimensão humana. Mulher negra forte de luta é animal, não é humano. Mas no fundo, no fundo, no fundo, e aí, é isso que eu dou essa condição de especialidade da gente. Como é que a gente consegue manter a saúde mental, como é que a gente consegue ainda ser

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sustentáculo para fazer com que esses homens negros possam se projetar para algum lugar. Então, isso, para mim, é algo que a gente tem. Não só a gente vai herdar da nossa ancestralidade, mas como a gente vai herdar, de como foi que a política, a nossa atuação, o forjar política, o pensar enfrentamento ao racismo nos talhou, nos talhou.

O depoimento de Valdecir é rico, colocando em pauta as construções de gênero racializadas. A construção do estereótipo da mulher negra “forte e dura” remonta ao colonialismo e representa a antítese da representação da mulher branca “frágil e sensível”, esta a construção hegemônica do lado visível/claro do sistema moderno/colonial de gênero. A representação da mulher negra tinha por objetivo constituir a parceira do homem escravizado para trabalhar ao seu lado, executando tarefas que demandavam força física, mas que também poderia desempenhar atividades domésticas, sem falar na exposição ao estupro e à violência.

Bell hooks declara que nenhum homem negro escravizado “foi forçado a executar papéis tradicionalmente desempenhados exclusivamente por mulheres”. No entanto, o mesmo