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PARTE II – Rede empírica

Nó 7 - Discussão

7.3 Participação na circulação

Uma das premissas sendo exploradas neste trabalho é a de que a circulação seria uma etapa bastante participativa do processo jornalístico, na medida em que não necessariamente se depende de aprovação ou de autorização do veículo jornalístico para “participar”. O custo para participar da circulação, ao menos nas redes, é próximo a zero (requer apenas a infraestrutura de conexão à internet). Mesmo assim, ao retuitar uma notícia ou fazer um comentário sobre um acontecimento em seu newsfeed no Facebook, um usuário comum contribui para o espalhamento da informação (Jenkins, Ford & Green, 2013). Outras pessoas poderão tomar conhecimento de que algo ocorreu através desses compartilhamentos e comentários, contribuindo para a visibilidade das notícias (Zago & Bastos, 2013) – e, por consequência, para a potencialização da circulação jornalística (Zago, 2011a). Circulação e recirculação vão além da mera transmissão de conteúdo, gerando, assim, ressignificações.

Nesse contexto, as narrativas no Twitter em torno dos acontecimentos são participativas em sua constituição, na medida em que a rede de retweets e menções permite expandir o alcance de uma notícia ou comentário. Essa possibilidade de participação na circulação decorre de um contexto de fronteiras borradas entre produção e consumo (Bruns, 2008; Santaella, 2007), em que o acesso aos meios de produção e compartilhamento de conteúdos é facilitado (Lemos, 2005). Ao reunir os meios, motivos e oportunidade para criar e compartilhar (Shirky, 2010), a internet e os meios digitais propiciam a participação dos usuários, que, ao invés de apenas assistirem passivamente aos jogos na televisão e acompanhar a cobertura feita pela mídia tradicional, podem também ajudar a construir os próprios acontecimentos associados à Copa ao narrarem de diversas formas esses acontecimentos nas redes. Mesmo o ato mais simples de retuitar uma informação postada por outra pessoa contribui para a repercussão de um assunto, que se tornará visível em mais

timelines do que seria se fosse apenas postado por um único perfil.

Entretanto, ainda que a participação seja facilitada pela liberação do polo da emissão (Lemos, 2005), ela também acontecia antes. Um grupo de amigos poderia se reunir para assistir aos jogos da Copa, por exemplo, e trocar comentários sobre as partidas. Seria possível até mesmo criar panfletos ou fanzines e distribuir na vizinhança, ou mandar informações por outras vias para serem publicadas em um jornal impresso. O diferencial por conta dos sites de rede social é que essa criação e compartilhamento de conteúdos se dá de forma facilitada,

numa escala global, de forma rápida, e, muitas vezes, no mesmo meio e com os mesmos recursos que aqueles usados pelos veículos jornalísticos. Mesmo um usuário com poucos seguidores no Twitter, por exemplo, pode conseguir adquirir uma grande visibilidade através de retweets.

A participação no jornalismo já era possível, nas cartas dos leitores (Silva, 2005), na quarta página em branco dos jornais (Hermida, 2010), e até mesmo na participação através de outros meios (Cajazeira, 2013), como ao participar pelo telefone de um programa de rádio. A internet, de certa forma, potencializa essa participação, ao permitir que os usuários participem em alguns casos no mesmo meio (quando a notícia se origina nas redes), ou com visibilidade similar à dos veículos jornalísticos. A circulação dessas práticas de participação do público não fica restrita a poucas pessoas (como na quarta página em branco dos jornais), nem a um filtro prévio realizado pelos veículos (como nas cartas dos leitores). O usuário pode participar, de inúmeras formas, em todas as etapas do processo jornalístico, e suas práticas de recirculação de conteúdo se tornam visíveis. Essa visibilidade pode se dar para uma audiência invisível (boyd, 2007), diante da possibilidade de buscar e recuperar conteúdos postados por outros usuários nos sites de rede social.

Se antes da internet a circulação jornalística era pensada apenas como os canais pelos quais os jornais distribuíam seus conteúdos (Thorn & Pfeil, 1987), atualmente a circulação pode ser vista como um processo mais complexo, que ocorre tanto de cima para baixo quanto de baixo para cima (Machado, 2008), na medida em que, além de abranger a distribuição do conteúdo por canais tradicionais, também envolve a circulação por outros meios (sites de rede social, aplicativos) e também por outros agentes (usuários, feeds) que participam dessa circulação e contribuem para potencializá-la. Em paralelo às estruturas referenciais e aos mecanismos de difusão do próprio veículo, é possível observar uma participação do público através de mecanismos de retroalimentação (Schwingel & Correa, 2013).

Com a possibilidade de participação na circulação, o próprio consumo é modificado. Como afirmam Anderson, Bell e Shirky (2012), em um contexto de jornalismo pós-industrial, o consumo se torna pulverizado, na medida em que pode ocorrer a partir de postagens feitas por diferentes atores em sites de rede social ao colocar em recirculação conteúdos jornalísticos. Mesmo que não se esteja ativamente buscando por notícias, narrativas de acontecimentos postadas por sua rede de amigos podem servir de ponto de partida para tomar conhecimento de um fato (Mitchell & Page, 2014).

A participação na circulação, assim, pode trazer modificações em todas as etapas do processo jornalístico. A repercussão de um assunto pode se transformar numa nova notícia

(apuração). Fragmentos e narrativas dos usuários podem ajudar a compor os produtos criados pelos jornais (produção). Com a participação, não apenas os veículos jornalísticos podem fazer circular conteúdos (circulação), outros atores também entram em cena (recirculação). Diante das múltiplas narrativas criadas pelo público nos sites de rede social, surgem novas formas de acesso às informações (consumo).

A Figura 46 procura situar os acontecimentos estudados em uma matriz, conforme o acontecimento esteja situado mais para o lado da esfera do público ou para a esfera dos veículos (eixo y), ou mais para a esfera social ou para a esfera do processo jornalístico (eixo x). Essas esferas estão relacionadas à Figura 24, que procura situar as etapas do processo jornalístico em relação à vida social.

Figura 46. Matriz de localização dos acontecimentos estudados dentro da esfera do jornalismo.

A Figura 46 permite perceber que, enquanto a queda do viaduto pode ser considerado um acontecimento situado dentro da esfera do jornalismo, e pertencente à alçada dos veículos, o meme com o goleiro da Holanda estaria situado no meio do caminho entre a esfera do processo jornalístico e a esfera social, mais associado à participação do público do que aos veículos. A repercussão da animação com o Fuleco imitando o Kidiaba estaria situada ligeiramente mais para a esfera do público que dos veículos, e mais próximo à esfera social. O exoesqueleto na abertura da Copa, por sua vez, estaria situado na esfera dos veículos

jornalísticos, ainda que bastante próximo da esfera do público, um pouco mais para a esfera do processo jornalístico do que da esfera social.

De acordo com a matriz proposta, os eventos cotidianos que não se transformam em acontecimento jornalístico estariam situados na esfera da vida social, do lado esquerdo do gráfico, ao passo que os eventos que são alçados à categoria de acontecimentos jornalísticos ingressariam na esfera do processo jornalístico, do lado direito do grafo. Nesse sentido, o caso do meme com o goleiro da Holanda estaria situado entre essas duas esferas, na medida em que, embora se trate de uma brincadeira criada em sites de rede social, alguns veículos jornalísticos noticiaram a repercussão do mesmo, fazendo com que este ingressasse na esfera do processo jornalístico.