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1. TEORIA DEMOCRÁTICA

1.3 PARTICIPAÇÃO POPULAR: REPRESENTAÇÃO E ESFERA PÚBLICA

Esta seção tem como objetivo trazer à luz alguma noção sobre a categoria de esfera pública, que se impõe como condição necessária para a construção de alternativas políticas e sociais que ajudem a entender o passado da sociedade na construção de uma participação popular.

Assim, um dos aspectos centrais, que constituem a cidadania, no âmbito do processo de organização da democracia moderna, está relacionado ao papel desempenhado pelo espaço público democrático. Porém, antes de debater o conceito de esfera pública, é necessário ponderar sobre o papel desempenhado pela representação contra a participação na teoria democrática.

Em uma democracia representativa, o consenso em torno do interesse nacional nunca é unânime, mas fruto de uma opinião da maioria, em detrimento de opiniões minoritárias. Até certo ponto, há uma hegemonia dos representantes majoritários, porque o interesse nacional não é partilhado por todos, mas uma espécie de particularismo de uma maioria. Segundo Dias (2002, p. 98): “a idéia de interesse nacional é uma ficção, um constructo racional dos participantes da decisão.” “Quem são esses participantes?”. “Quem, afinal, define o que é o interesse nacional?”

O interesse nacional será definido, sempre, pelos agentes da soberania nacional, ou seja, os detentores de cargos públicos, eleitos para a esfera decisória do Estado. Na verdade, esses representantes são escolhidos, através do voto universal, para tomar decisões em nome de seus representados. São legitimados nessa perspectiva de democracia representativa. No entanto, esses representantes não devem satisfação aos representados, em relação à escolha que fazem, em nome de uma maioria que os elegeu para tal. Cabe a uma elite de dirigentes a responsabilidade pela condução dos negócios públicos.

Para os elitistas, o cidadão comum não demonstra interesse pela participação na esfera pública. As condições adversas da participação direta do cidadão não são vistas como transitórias ou passíveis de transformação, mas como estruturais peculiares à democracia representativa.

Em resumo, para os elitistas, a participação popular nas decisões políticas não é necessária, esta participação pode ser uma ameaça ao equilíbrio do sistema. Papel contrário é desempenhado pela elite política, que é especialista nos assuntos da esfera pública, é vista como a mais indicada para cuidar dos assuntos estatais.

A teoria elitista da democracia representativa também argumenta que, quanto maior for a participação popular direta, maior será a divergência sobre o que é bem público, menos consenso decisório e, conseqüentemente, maior incidência de conflito social.

Segundo observa Dias (2002) existem setores mais radicais, representados por autores como Sartori (1984) e Schumpeter (1984), que acreditam que a população em geral é menos sensível e menos preparada para os valores democráticos do que a elite democrática. Assim, uma participação popular mais efetiva no processo político poderia desequilibrar o regime democrático.

Portanto, os parâmetros para determinar a vontade do Estado podem variar. Se o parâmetro usado for o da soberania popular, a vontade estatal será determinada de baixo para cima, isto é, com a efetiva participação popular. Se o parâmetro mudar, neste caso for a soberania nacional, a vontade estatal será determinada de cima para baixo, a partir dos representantes, para a população como um todo.

O contraponto entre as concepções de representação está em que, no primeiro caso, o agente do poder político representa a vontade do cidadão-eleitor, podendo ser através da participação popular. No segundo caso, o da soberania nacional, o representante do povo é autor e ator ao mesmo tempo, criando e traduzindo a vontade do povo. Desse modo, Dias (2002) aponta para a verdadeira fonte de poder que, neste caso, é o representante, que institui a vontade que representa.

Conforme Fedozzi (2000 b), a esfera pública tem um lugar central no processo de fundamentação e justificação das decisões políticas, sua validação e efetividade. É como uma arena onde digladia a vontade coletiva e, em lado oposto, as decisões políticas previamente acertadas.

O conceito de “público” aparece, desde os gregos antigos até o Iluminismo, em Kant. Como já foi visto, Habermas (1984) vê a esfera pública , como uma terceira arena solitária,

entre a sociedade civil e a autoridade do Estado, em decorrência das profundas transformações que surgiram com o advento da modernidade.

De acordo com Fedozzi (2000 b, p. 41), para Arendt (1974) o espaço público tem uma relação estreita com cidadania, quando é relacionado com o “mundo compartilhado com os outros, que não é propriedade privada dos indivíduos e nem do poder estatal”.

Assim, para se poder alcançar a democracia, deve prevalecer o princípio da igualdade, resultante da organização humana através das instituições, em confronto com a diferenciação humana do mundo privado. Para Arendt (1974) o espaço público é onde os homens, por meio de procedimentos discursivos, da pluralidade humana, dos argumentos, conseguem compartilhar a construção de um mundo comum, legitimado pelo reconhecimento público desses mesmos homens.

O conceito de cidadania emerge, assim, como o direito a ter direitos, referindo-se à dissolução do espaço público, como base do mundo comum. Por isso, não ter acesso à esfera pública é não ter acesso à igualdade, pois a destituição da cidadania e a limitação à esfera privada significam a privação dos direitos, já que eles só existem em função da diversidade dos homens.

Logo, a publicização como forma de participar do poder político, a diferenciação entre poder político e poder econômico, o debate público, crítico e racional sobre as decisões da autoridade do Estado que diziam respeito apenas à esfera material são características de um fenômeno político moderno.

Dessa forma, conforme já foi visto em Habermas, a esfera pública é a instância geradora de poder legítimo, onde se dá o intercâmbio discursivo dos cidadãos. Esse poder comunicativo gerado tem prioridade sobre o poder administrativamente gerado pelas várias instâncias burocráticas estatais.

A esfera pública e os procedimentos democráticos de formação de opinião e vontade política devem ser fortes, a fim de se firmarem contra os poderes – econômico e administrativo, para que a participação popular se dê, efetivamente, na construção de um viés alternativo da democracia representativa em crise.

No final dos anos setenta, com o abrandamento do regime militar, a sociedade brasileira começa a ensaiar a retomada da democracia plena que havia sido tensionada 1964, com o golpe militar.

Em 1974, foi empossado o penúltimo Presidente militar, o General Ernesto Geisel, que iniciou o processo de “abertura” política. Nesse mesmo ano, ocorreram as eleições para o Senado e a Câmara, nas quais o governo militar perdeu a maioria de dois terços, que até

aquele momento possuía. O General Geisel foi o responsável, em 1978, pela revogação do AI- 54 e pelo fim da censura prévia.

No ano de 1979, com o último Presidente militar no poder o General João Batista Figueiredo, foi aprovada no congresso uma lei de anistia. Ainda em 1979, aboliu-se o bipartidarismo, extinguindo-se a Aliança Renovadora Nacional - ARENA e o Movimento Democrático Brasileiro - MDB. A primeira transformou-se em Partido Democrático Social (PDS), e o MDB deu lugar ao Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB).

Os trabalhistas que, estavam “abrigados” no antigo MDB dividiram-se em dois grupos: um grupo re-fundou o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), outro grupo fundou o Partido Democrático Trabalhista (PDT). Outro grupo originário do MDB, os chamados moderados, agrupou-se em torno do Partido Popular (PP), porém, logo após, voltou a fundir- se com o PMDB.

Em 1980, de acordo com Carvalho (2004, p. 176) surgiu: “a grande novidade no campo político partidário”, é fundado o Partido dos Trabalhadores (PT), e o país passa, em um primeiro momento, a contar com cinco partidos políticos.

Desta forma, vai sendo formada a composição dos principais partidos políticos que irão participar dos processos eleitorais da “Nova República”.

Dando prosseguimento à “abertura”, outras medidas que buscavam fortalecer a democracia, foram tomadas: em 1982 ocorreram eleições diretas para governadores de estado. Em 1984, o auge de participação popular foi à campanha pelas eleições diretas, porém, a emenda que garantiria as eleições diretas, em 1985, foi derrotada no Congresso.

A Constituinte de 1988 foi um marco no processo de redemocratização e de consolidação da participação popular. Como prova deste fato, essa Constituição passou ser conhecida como a “Constituição Cidadã”.

A seguir, serão abordadas as origens e as características dessa participação popular, evidenciada no caso do: Orçamento Participativo de Porto Alegre; da criação dos Conselhos Regionais de Desenvolvimento (COREDES); e da constituição da Consulta Popular do Governo Antonio Brito.

4 O Ato Institucional nº 5 (AI-5), conforme Carvalho: “foi o mais radical de todos, o que mais fundo atingiu direitos políticos e civis. O Congresso foi fechado, passando o Presidente, general Costa e Silva, a governar ditatorialmente.”

2. EXPERIÊNCIAS RECENTES DA PARTICIPAÇÃO POPULAR NO ESTADO DO