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Do ser participante ao pesquisar participando – Os momentos da transformação Falei do emergir do método e das técnicas, agora quero falar dos momentos em

3. VIVENDO A PESQUISA – PESQUISANDO A VIDA

3.3 Do ser participante ao pesquisar participando – Os momentos da transformação Falei do emergir do método e das técnicas, agora quero falar dos momentos em

que a participação guiada por certas experiências se transformou em pesquisa. Como já mencionado não entrei como pesquisadora para o grupo, nem o grupo me chamou para ser pesquisado. Em um primeiro momento eu era participante com o desejo de, como parte do grupo, contribuir nas discussões e nas atividades. Como participante conheci, me identifiquei e me integrei ao Grupo, e, mesmo que não pensasse como pesquisadora, certas expressões me chamavam atenção.

O meu primeiro olhar de não pesquisadora, ou seja, de participante sem intenção de pesquisar, captou características que no decorrer de minha formação no curso de Pós- Graduação em Educação Brasileira, no eixo de Educação Ambiental, relacionei à EAD de Figueiredo (2007) e que no subconsciente formaram a base que promoveram o sentimento de querer saber mais e mais tarde o desejo de produzir conhecimento.

Quando me juntei ao grupo, a primeira vez, o que eu vi? Tinha certo número de mulheres reunidas na cozinha do espaço comunitário “O Amanhecer”. Dessas pessoas conhecia somente a minha amiga de longa data Jeane, que me convidou para participar do grupo. Quando cheguei fui acolhida com carinho e afeto e logo me senti a vontade.

Explicaram-me que o grupo era composto por mulheres que usufruíam do atendimento individual psicológico - oferecido gratuitamente pelo Centro Socorro Abreu, uma ONG -, algumas que tinham recebido alta e mais outras que não eram pacientes.

Percebi que havia além das participantes do grupo em si, pessoas, até mesmo de bairros vizinhos, que procuravam somente o atendimento. Todavia, essas pessoas, enquanto aguardavam a sua chamada, eram convidadas a se juntar ao grupo para usufruir da partilha da merenda e das conversas, e também a participar dos encontros que o grupo realizava.

Vi que antes do atendimento do psicólogo, as mulheres reunidas costumavam ler textos ou assistir a um vídeo refletindo em seguida sobre um dado assunto. Nessa fase me inseri como participante, me identificando com o que eu interpretei como sendo objetivo do grupo: o estar presente para os outros e ajudar na promoção da autoestima para além do atendimento psicológico. De maneira que senti que o grupo era mais do que algo institucional/ funcional, pois havia pessoas preocupadas com o bem estar mútuo, parecendo parte da terapia.

Nas conversas partilhadas, percebi que o grupo voltava sempre a sua origem, o que despertou minha curiosidade acerca de sua história, e pouco a pouco, perguntando e acompanhando os detalhes do grupo, que sempre foram revelados com prazer, me dei conta que essas relações mereciam ser melhor (re)conhecidas. Penso que foi o contar afetivo das mulheres sobre o grupo que me animou e marcou o processo dessa pesquisa.

Foi assim que do afeto passei a verificar as diferentes relações do grupo que iniciavam e aguçavam o meu olhar pesquisador: a construção da memória dos primeiros passos da composição do grupo, que gerava sentimentos de saudade e alegria, indicando que a sua origem tem significado específico, sendo marco importante na vida dessas mulheres e, por isso, merece ser memorizado e divulgado em várias ocasiões; o desejo de uma das integrantes que repetia que queria escrever um livro sobre o grupo; a produção de artesanato com material reciclável e a reflexão em torno de questões ambientais que identifiquei como certa noção de Educação Ambiental.

Então de participante me tornei participante observante foi assim que iniciei um caderno de anotações relatando conversas, depoimentos, atividades. Não que antes não estivesse observando, mas agora era direcionado para este trabalho. Ia para os encontros para participar como de costume, mas ao mesmo tempo para pesquisar.

Mais tarde houve um momento em que decidi intervir/contribuir no rumo do grupo. Foi em época de campanha eleitoral, no ano de 2010, quando a maioria das integrantes ligadas a um partido político, prestou serviços de baixa remuneração a fim de melhorar sua

renda familiar, alegando não ter mais tempo para continuar no grupo. Permaneceram somente duas mulheres e eu, e, como não queríamos desistir demos continuidade aos encontros convidando outras pessoas. Terminada a campanha eleitoral, as que tinham se afastado voltaram pouco a pouco. Com o fim de contribuir para a manutenção do grupo intervi, estimulando a produção de artesanatos diversos e ajudando na divulgação e comercialização dos produtos, favorecendo a geração de renda do grupo, direcionando parte para um caixa coletivo e outra parte para as mulheres artesãs.

Chegou então o tempo em que o grupo, através da minha amiga Jeane, nessa época, também integrante do Centro de Assessoria Popular Caldeirão, uma ONG externa à comunidade, foi contemplado pelo projeto Ponto de Leitura da Secretaria de Cultura da Prefeitura de Fortaleza-CE (Secultfor), que financiou oficinas de leitura, produção de mamulengos17, fotografia e vídeo, com o objetivo de pesquisar e registrar, com a participação

ativa do GMG, a história da comunidade de Goiabeiras, através da produção de um vídeo, intitulado “Relendo a sombra das Goiabeiras”.

Nesse processo, aceitei o convite de entrar como uma das coordenadoras para contribuir no desempenho do grupo, percebendo também a oportunidade de aproveitar o material coletado no meu projeto de pesquisa especificamente na parte em que apresento a história da comunidade. Nessa fase, como tinha conseguido uma máquina fotográfica com filmadora, iniciei a coleta de dados a partir de material fotográfico e gravações filmadas. Acompanhava o projeto “Relendo a sombra das Goiabeiras” como coordenadora, mas também como pesquisadora, batendo fotos do que acontecia e filmando.

Nos encontros semanais do grupo de mulheres, nas conversas costumeiras, iniciei a direcionar perguntas sobre a história do grupo, a vida das pessoas, seu conhecimento no campo, experiência com educação. Às vezes o grupo convocava reuniões aos sábados para que aquelas que trabalham pudessem participar. Nesses momentos o grupo voltava às suas origens, avaliava sua situação atual e refletia sobre o seu futuro, o que me transmitiu como o grupo se entende, quais seus sentimentos, quais suas ações, seus objetivos, os relacionamentos umas com as outras. Aproveitei também esses momentos para gravar e fazer perguntas.

Outro momento em que pude coletar dados foi quando o grupo mobilizou a reativação da horta comunitária. Nesse processo, um jovem da comunidade, interessado na questão ambiental, ouviu falar das mulheres e se inseriu no GMG, contribuindo com o

17Mamulengo é um tipo de fantoche típico do nordeste brasileiro, especialmente no estado de Pernambuco1 . A origem do nome é controversa, mas acredita-se que ela se originou de mão molenga2 - mão mole, ideal para dar movimentos vivos ao fantoche. (http://pt.wikipedia.org/wiki/Mamulengo, acessado em 25.06.2014).

desenvolvimento de algumas atividades, tais como a produção de pão caseiro, a produção de uma composteira caseira, para cultivar hortaliça em casa, e a apresentação de um vídeo sobre a produção industrial de alimentos, debatendo o sentido da recuperação da horta comunitária. Pela sua reflexão, ação e convivência registrada por vídeo e anotações, o grupo estava me fornecendo bastante material para a pesquisa.

Pensei ser interessante também promover momentos específicos em que o grupo manifestasse seus sentimentos e reflexões, utilizando técnicas como desenho, escrita, oralidade e realização de uma dinâmica. Foi assim que promovi as duas oficinas como atividade de produção de idéias em que foram trabalhados sentimentos acerca da natureza e a visão acerca do grupo no passado, no presente e futuramente.

Realizei a primeira oficina iniciando com uma dinâmica. Coloquei na parede cartazes em que colei fotos de revistas de paisagens, plantas, animais e pessoas de várias culturas. Ao som de uma música íamos passeando pelas imagens, olhando para as fotos e escolhendo aquelas que mais nos atraíam para em seguida explicar o porquê da escolha. Na segunda oficina nos debruçamos sobre como o grupo se enxerga no ontem, no hoje e no amanhã aproveitando nosso saber desenhar, escrever e falar.

As oficinas foram filmadas e eu fiz questão de que quem quisesse, usasse a filmadora, no intuito de tirar a sensação das pessoas serem vigiadas, e me incluí também na pesquisa respondendo as perguntas. Apesar de agir como pesquisadora me incluí como pesquisada, mesmo abstraindo, não posso negar que sou parte do que estou pesquisando.

Foi assim que vivendo a pesquisa e pesquisando a vida na relação com os outros, em seu refletir e agir, os dados vieram a mim e me revelaram características do grupo que relacionei à Educação Ambiental Dialógica.

Por enquanto abri uma janela acerca do “segredo” do Grupo de Mulheres e sua relação com a EAD, mas antes de conhecermos as mulheres e seu grupo vamos visitar “amorada” das nossas “heroínas”, ou seja, seu contexto sócio-ambiental.

Permito-me apresentar, no capítulo que segue, além da história da origem da comunidade de Goiabeiras, que se deu a partir de uma ocupação de terra, também parte da história mais remota desse lugar, com o objetivo de que o grupo que permanecerá com uma cópia deste trabalho possa se descobrir parte de um processo maior que iniciou com a origem da cidade.