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A particularidade histórica brasileira e a cidadania com vistas a emancipação humana

houver Estado burguês, vai continuar existindo, já que são relações que fazem

E XPLORAÇÃO C APITALISTA I MPERIALISTA

4. P ARA A LÉM DO J URÍDICO FORMAL ABSTRATO : C IDADANIA E D IREITO NA H ISTORICIDADE

4.3. A particularidade histórica brasileira e a cidadania com vistas a emancipação humana

O capitalismo industrial para a população pobre significou a criação de novas oportunidades concretas de trabalho, de adquirir um meio de vida. O povo muda de configuração estrutural e histórica, adquirindo novo peso econômico, social e político dentro da sociedade brasileira, mas que não serve para contrabalancear os efeitos ultra- elitistas das transformações ocorridas no nível das classes possuidoras. Porém, o novo padrão de desenvolvimento capitalista fortalece as condições favoráveis aos movimentos operários e à disseminação do conflito de classes segundo interesses especificamente operários. O grau de participação econômica assegurado pelos níveis salariais deverá aumentar, elevando o padrão médio de vida do assalariado em geral, inserindo-os na economia de consumo de massa; por outro lado, há uma participação proporcionalmente maior dos setores de rendas altas e muito altas (FERNANDES, 2005).

Correntes sindicais socialistas indicam o lado perigoso e negativo deste desenvolvimento que leva a uma penetração maior da condição de vida burguesa no meio operário, estigando-os a um elitismo profissional. Porém, observa o autor que este processo possui enorme importância em uma sociedade fechada a práticas democráticas, como é o caso da sociedade brasileira. “Para ter um peso próprio, coletivamente, os

assalariados precisam melhorar sua base material de vida, alterando, assim, o que muitos descreveriam como seu „poder de barganha‟” (FERNANDES, 2005, p. 326-327) e que se trata de as classes operárias assumirem no contexto histórico-social um peso econômico, social e político expressivo tanto para a manutenção quanto para a alternação da ordem vigente.

Assim, considerando o autor ser exagerado supor que o poder das classes dominantes se aprofunde de modo unilateral, como se as alterações tecnológicas, na educação e nos padrões de participação intelectual e política não irradiassem também para a classe operária, observa ele que se abre a possibilidade de, pela primeira vez na história do capitalismo no Brasil, os assalariados deixarem de ser meros instrumentos e vítimas mudas e passivas ao desenvolvimento do capital, reivindicando adaptações que respondam às suas necessidades e interesses de classe que, embora limitado a emancipação política, representa significativos avanços dentro da realidade brasileira. O incremento da participação econômica pode vir a servir de base a maior participação social, cultural e política, associado ao movimento de migração do campo para as cidades.

Para que as coisas tomem outro rumo, é necessário uma ordem econômica efetivamente aberta à classe trabalhadora, possuindo um mínimo de fluidez e potencialidade democrática, possibilitando a estes participar ativamente da acomodação, competição e conflitos de classe. Apenas por meio deste movimento a classe trabalhadora poderá lutar por uma maior parte do excedente a ser investida em políticas públicas e buscar desacelerar o seu processo de superexploração.

É enquanto este agente político que é producente pensar o usuário no exrecício profissional no âmbito da sociedade brasileira. Apenas pensando o protagonismo e a autonomia dos usuários dentro do processo de luta de classes se pode pensar em ampliar o bem-estar que as políticas sociais proveem. Fomentar o protagonismo do usuário, pensar em sua autonomia enquanto auto-critica, soberania e possibilidade de fazer parte do planejamento das ações, todas estas ações têm por objetivo criar mecanismos, estratégias e vivencias na qual estes possam se compreender e se situar no mundo e, assim, lutar pela ampliação de seu bem-estar – seja reivindicando melhores salários (diminuindo sua exploração), seja reivindicando o aprimoramento das políticas públicas, até que possamos reivindicar nossa emancipação por nossas próprias mãos.

Muitos profissionais se frustram nesta tentativa e culpabilizam os usuários por não ocuparem os espaços de participação. Mas nos

lembremos que historicamente, o espaço político aberto, democrático e flexível só coube aos membros das classes dominantes que se identificassem com os propósitos econômicos, sociais e políticos mais agressivos, conscientes e violentos. Os divergentes sempre estiveram sujeitos a repressão ostensiva ou dissimulada e foram condenados muitas vezes ao ostracismo e sabemos que isto está longe de ser alterado, já que, conforme pontuamos, não tivemos em nossa história qualquer ruptura feita pelos “debaixo”. Ocorre, entretanto, que os conflitos reprimidos não deixam de existir. “[...] de expandir-se e de condicionar ou causar as modificações que estamos testemunhando em nossa vida diária [...]”. (FERNANDES, 2005, p. 324).

Até o momento, o descontentamento da população vem sendo tratado com repressão nos momentos mais tensos e pelo paternalismo e clientelismo (que esmagam a perspectiva democrática do direito e traz a resolução dos conflitos para relações interpessoais de favor), que dificultam a construção de um movimento popular forte e organizado. Para tanto, há que se aprofundar o entendimento de democracia para além do voto de tempos em tempos e passarmos a construir a ideia da democracia enquanto participação direta do próprio povo nos processos decisórios e isto pode ser construído principiando pela possibilidade de participação do usuário nos processos decisórios dos diferentes serviços e ações, incluindo no que se pretende dar de encaminhamentos para resolver suas próprias demandas.

Apostamos nesta possibilidade (que na verdade é a única que temos), subsidiados por Fernandes (2005) que entende que em decorrência desta ampliação de acesso da classe operária, pode-se esperar duas alterações concomitantes. Uma delas refere-se a alteração do horizonte cultural médio dos membros individuais e dos grupos que constituem as classes operárias e que refletirá na socialização burguesa da classe operária; mas também aparecerá:

[...] um novo tipo de operário, mais qualificado, econômica, intelectual e politicamente, para atender as complexidades da economia capitalista, realidade da dominação burguesa e a mistificação inerente ao funcionamento de um Estado que não poderá ser nacional enquanto for monopolizado pelo poder burguês e manipulado de cima pra baixo (FERNANDES, 2005, p. 330).

Outro aspecto que o autor aborda é a reconfiguração da classe média que a princípio se constituía de famílias tradicionais, ou de correntes migratórias econômica, política e socialmente mais

identificados com as classes altas e seus meios de dominação. Com o surgimento do capitalismo, surge certa mobilidade econômica e social que inclui uma forte massa de elementos genuinamente pobres de origem operária e socializados para isso. Esta característica somada com a anterior pode engendrar impulsos de transformação da ordem “debaixo pra cima” que nunca existiu no passado.

[...] Ao aumentar as proporções de elementos de origem operária e com socialização prévia operária nas classes médias, num clima de “revolução de expectativas” que não corresponde às potencialidades reais da sociedade brasileira, é claro que emergirão, concomitantemente, novas formas de radicalismo econômico, social e político, de grande importância para “aberturas democráticas” efetivas, que poderão levar quer a democracia burguesa, quer ao fortalecimento do socialismo ou a revoluções socialistas. (FERNANDES, 2005, p. 331).

Embora estejamos num contexto muito árduo da sociedade brasileira em que a classe trabalhadora ainda conta com uma organização incipiente, que traduz sua consciência de classe, tais fatos históricos permite que nasça, assim, um contexto favorável à historicamente imprescindível mobilização “dos debaixo”, mobilizados a partir da cidadania e o direito pautados pela luta de classes, para além de sua expressão jurídico-formal, para que, em seu exercício, possa começar os primeiros passos rumo a formação da consciência de classe e organização de estratégias que levem a emancipação humana.