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As tropas e o povo do Rio, ululantes, vibrando na vigência de um poderio que lhes fora desconhecido até então, irmanados na mesma consciência imperativa da vontade nacional, que se revoltara contra um governo de áulicos ou palacianos, em arranco de energia varonil, exigiram do monarca a demissão do Ministério.

Sentindo-se ferido no seu amor próprio, o Imperador abdicou o trono em favor de seu filho, criança de quase seis anos de idade.

No campo de Santana, a multidão agitava-se, em estos revolucionários. Em S. Cristóvão, D. Pedro e D. Amélia preparavam-se para a partida. Passara assim o dia 6 de Abril de 1831. E já brilhava além, no horizonte, a estrela dalva, anunciando o dia 7, quando os imperadores abdicantes foram ao quarto do novo monarca, o menino Pedro II.

Sem compreender os trágicos acontecimentos do dia que se passara, a imperial criança repousava placidamente, talvez sonhando com histórias de fadas. Um leve sorriso debuxava-se em seus lindos lábios infantis.

D. Pedro e D. Amélia contemplaram, emudecidos, com os olhos marejados de lágrimas, aquele dormir de inocência, enquanto lá fora, bramia, furiosa, a patuléia revoltada.

Depois dessa contemplação, em que se dilacerara, na despedida, um coração de pai, o ex-imperador baixou a cabeça até o leito, e na fronte do filho depositou o seu último beijo. Duas lágrimas quentes deslizaram rápidas, e aqueceram ligeiramente a face da criança.

D. Amélia, comovida, também baixou os lábios até a cabecita loira do imperial menino. Beijando-o duas vezes, viam-se na face da madrasta dois sulcos luzidios, por onde descaiam, vagarosamente, lágrimas sinceras de mulher que sabe amar e que sabe sofrer.

D. Pedro e D. Amélia iam partir, deixando, entregue aos seus sonhos encantados, com ligeiro sorriso na flor dos lábios o novo imperador, que ficava nas mãos do destino, sob a proteção da alma brasileira, vigilante e afetiva.

E iam partir... Na majestosa Guanabara, balouçante, um vulto destacava-se: era a nave inglesa “Warspite”. A esse pedaço da Inglaterra, atirado às águas esmeraldinas de nossa famosa baía, o duque de Bragança, D. Pedro de Alcântara, e sua esposa, D. Amélia, iriam pedir asilo na sua desventura de imperadores sem Império.

Assim, nesse dia 7, os ex-imperadores se despediam da criança a quem tanto amaram e que deixavam entregue ao carinho e lealdade do povo brasileiro, estertorante na plenitude da sua soberania.

D. Mariana Augusta Pinto Ribeiro, açafata da criança imperial, trouxera as jóias da ex-imperatriz.

D. Amélia escolheu uma pequena cruz de brilhantes, jóia que mais estimava por ter sido o primeiro presente que lhe dera, em terra do Brasil, o querido esposo. Juntando-a a uma carta, que pouco antes escrevera, deu a

carta e a jóia a D. Mariana, pedindo-lhe que as transmitisse ao jovem príncipe, quando acordasse.

Na carta pusera a madrasta toda a afetividade de mulher que vive para o amor e que sabe amar. Era o derradeiro adeus, grito angustioso dum coração dilacerado pela despedida do ser que ela adotara como filho, e que como filho amava, embora apenas fosse sua madrasta.

Só mulheres que são mães poderão bem compreender as torturas que surgem e resultem em momentos angustiosos duma separação como essa. Esta carta que se vai ler, deixada por D. Amélia como despedida ao enteado, é um pungente grito de dor.

Eis a carta da Imperatriz sem Império: 5

- “Meu filho querido, delícias da minha alma, alegria de meus olhos, filho que meu coração tinha adotado! Adeus para sempre!

O quanto és formoso nesse teu repouso! Meus olhos chorosos não se puderam furtar de te contemplar! A majestade de uma coroa, a debilidade da infância, a inocência dos anjos, cingem tua fronte de um resplendor misterioso que fascina...

És o espetáculo mais tocante que terra pode oferecer! Quanta gran- deza e quanta fraqueza a humanidade encerra, representadas por ti, criança idolatrada: uma coroa e um berço!

A púrpura ainda não serve senão para estofo, e tu, que comandas exércitos e reges um Império, ainda careces de todos os desvelos e carinhos de mãe.

Ah! querido menino, se eu fosse tua verdadeira mãe, se meu ventre te tivesse concebido, nenhum poder valeria para me separar de ti, nenhuma força te arrancaria dos meus braços!

Prostrada aos pés daqueles que abandonaram meu esposo, eu lhes diria entre lágrimas: “Não sou mais Imperatriz, e sim a mãe amantíssima... Permiti que vigie o “nosso tesouro”, que é esta criança e que é meu filho e vosso Imperador. E eu lhes diria assim:

- “Vós o quereis seguro e bem tratado, e quem o haveria de guardar e cuidar com maior devoção senão eu, sua mãe. Apenas, sou tua madrasta, embora te queira como se fosses o sangue do meu sangue. Um dever sagrado me obriga a acompanhar o ex-imperador no seu exílio, através dos mares, em terras estranhas... Adeus, pois, para sempre!

vossos filhinhos, supri minhas vezes: adotai o órfão coroado, dai-lhe, todas vós, um lugar na vossa família e no vosso coração.

Se a maldade e a traição lhe prepararem ciladas, vós mesmas armai em sua defesa vossos esposos, com a espada, o mosquete e a baioneta. Ensinai, com voz terna, as palavras de misericórdia que consolam o infortúnio; as palavras de patriotismo que exaltam as almas generosas, e de vez em quando sussurrai ao seu ouvido o nome de sua mãe de adoção, que sou eu. Oh! mães brasileiras, eu vos confio este preciosíssimo penhor da felicidade do vosso país, de vosso povo: belo e inocente ele vos fica entregue. E tu minha criança querida, estás dormindo enquanto nós, teu pai e tua mãe de adoção, partimos para o exílio, sem esperanças de nunca mais te vermos... senão em sonhos.

Adeus, órfão-imperador, vítima de tua grandeza antes que o saibas conhecer! Adeus, anjo de inocência e formosura! Adeus! Deixo-te um beijo, ainda outro... e mais um último.

Adeus, adeus para sempre. – Amélia”.

Lá, em plena Guanabara, a nave inglesa “Warspite” esperava os ex- imperadores. Deviam partir... e partiram.

Ao deixar o palácio, lançando um último olhar ao berço de Pedro II, a imperial madrasta, lacrimejando, balbuciou para D. Mariana, açafata do Paço: - “Ah! minha amiga, se eu fosse mãe dessa criança, em vez de ser sua madrasta, revolução alguma conseguiria separar-me dela. Mais forte que as revoluções sanguinolentas dos homens, é um coração de mãe...”

E saiu...

Enxugando as lágrimas tépidas que sulcavam sua face, D. Mariana virou-se para a outra açafata do Paço, D. Joaquina Severiana Pinto Ribeiro e disse-lhe soluçante:

- “D. Joaquina, essa mulher sabe amar... Viu suas lágrimas?” D. Joaquina Severiana, hierática, solene, inflamada de orgulho patriótico por ver dois estrangeiros de sangue real vencidos pela vontade do povo brasileiro, com uma voz sibilante, retorquiu:

- “Pois não compreendeu, D. Mariana? Foram apenas lágrimas de

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