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7. O parto

7.3. Da sala de parto à volta para casa

É na sala de parto, no processo expulsivo do bebê, que se dá a transferência deste poder, passado ao profissional que vai comandar o parto. Enquanto que na primeira sala são várias mulheres em trabalho de parto, na sala de parto são elas e as ordens dos profissionais médicos participando de uma relação instrumental, contando apenas com a sua força para a expulsão. Muitas das mulheres mencionaram que tiveram suas pernas e/ou braços amarrados para que não pudessem se mexer e sair da posição. Na visita feita ao hospital, foi registrada uma sala de parto, onde é possível ver as faixas com as quais as mulheres são amarradas.

Foto 5. Sala de parto do hospital da cidade

Mais uma vez a expressão da violência. Ao se amarrar as mulheres no processo do parto, evidencia-se a anulação do outro como sujeito, transformando-se em objeto de técnicas, intervenções e procedimentos. Demonstra-se não apenas o recurso da força, mas também a necessidade de corpos dóceis, passíveis às intervenções que não são negociadas e nem explicadas.

Entre as mulheres que tiveram parto normal, a maioria passou pela episiotomia – incisão feita na região do períneo para ampliar a passagem do bebê. Este procedimento tem sido questionado por organizações de mulheres e por estudos que revelam sua inadequação, já que comprovava a baixa evidência científica em termos de eficácia (DINIZ, 2001). Alguns relatos revelam a maneira como a episiotomia é praticada, geralmente sem explicações e esclarecimentos prévios. Seguem, respectivamente, os relatos de Flávia, Jussara e Isabela.

Flávia:

P: Daí, a enfermeira que tirou o bebe de você, ou você que expulsou o bebe?

F: Não... Eu que...

P: Você que tirou? Ela fez aquele corte? F: Fez

P: E ela te perguntou se podia fazer? F: Não

P: E te explicou que ia fazer o corte? F: Explicou

P: Explicou? O que ela falou pra você?

F: Só falou: “Olha mãe, eu vou dá um cortezinho aqui em você” P: E não falou porque?

F: Não

Jussara:

P: Mas antes do parto, na hora que você mudou de sala, você tomou anestesia?

J: Não...

P: Só na hora de fazer a costura... E eles fizeram o corte? J: foi...

P: e eles explicavam pra você na hora o que eles estavam fazendo? J: Não...

Isabela:

P: Você não expulsou o bebê? Ela fez o corte e puxou? I: É, fez o corte e puxou...

[...] porque as pernas ficam em cima do gancho, ai coloca as pernas no gancho e só as costas na maca... só dá pras costas e a cabeça no caso. Ai a cabeça eu já estava vendo, ai ela fez um cortezinho com a lamina, cortou um pouquinho...

P: Ela te avisou que ia cortar? I: Não...

P: Não falou nada?

I: Ela falou assim, “fique quieta!” eu não estava sentindo mais nada ali.

Não estava doendo.

Várias mulheres mais velhas também relataram o corte feito em seus partos, e ainda comentaram que mesmo tendo sido há anos trás, ainda sentiam dores: “uma coisa feia mesmo

que fizeram comigo, viu!” (cunhada de Susan, ao falar de seu último parto). Faz-se mister

destacar ainda, um dado importante revelado por Isabela, sobre a atenção que recebeu neste momento. Após contar o sofrimento pelo qual passou, a jovem explicou que na hora em que costurava o corte, a enfermeira já estava lhe tratando bem melhor. Questionada sobre isso Isabela responde: “Foi... ela me tratou bem, porque eu disse a ela que eu era afilhada de uma pessoa que ela conhecia. Ai ela começou a me tratar bem depois disso. Ai ela começou a me dá atenção...” – outro caso que demonstra o modo pelo qual o contexto de desigualdade pode

ter reflexos nas práticas, comportamentos e maneiras de condução do evento do parto, sobretudo no que concerne à qualidade da atenção.

No processo de finalização do parto, depois da expulsão ou retirada do bebê, é preciso expelir a placenta. As mulheres contam que “é como um segundo parto: bota força de novo e

bota pra fora a placenta”. Algumas mulheres foram orientadas a fazer força novamente para

a expulsão da placenta. Outras tiveram sua placenta retirada pelos profissionais, como foi com Isabela:

I: […] A mulher limpando ela, depois vi o médico pesando... Falando

quantos quilos deu... 3kg e 600 e deu 46cm... Ai vi tudo isso. Ai a enfermeira falou assim: “Hã... Agora ficou quietinha né? Agora passou a dor...” ai tudo bem... ai depois teve que tirar a placenta... ai doeu porque ela aperta o abdômen... uma bagaceira...

P: Mas ela puxa?

I: Ela puxa, ela pega o cordão que resta da menina... ela cortou o cordão

da menina, ai ficou aquele cordão ainda, ai ela esticou e veio a placenta

P: Ai ela apertava o abdômen I: Apertava o abdômen.

P: Ela fez as duas coisas, apertava aqui e esticava lá? E doeu pra tirar? I: Doeu, foi como se ela estivesse nascendo de novo

Depois de retirar a placenta, os profissionais costuram o corte feito para a saída do bebê. Mas levar pontos é algo pelo qual passam também as mulheres que fizeram cesárea. Estas, inclusive, levam mais pontos e, por isso, passam por restrições mais severas no puerpério. Dália e Ângela, cujos bebes nasceram sozinhos na sala de trabalho de parto, não levaram pontos pois não tiveram lacerações nem episiotomia.

Imediatamente depois do nascimento, seja via cesárea ou parto normal, o bebê é mostrado à mãe, durante alguns segundos e então levado para limpar, pesar, “ver se tá tudo

direitinho” antes de ser entregado de volta à mãe72. Este processo de dar os primeiros

cuidados ao bebê e levá-lo às mulheres variam de duração. As mulheres recebem seus filhos quando já estão no quarto da maternidade. Para serem levadas ao quarto, são colocadas em uma maca – após receberem os devidos curativos – e esperam o maqueiro no corredor, sozinhas, por horas ou por minutos. O esperado encontro entre a mulher e seu bebê já levou mais de uma hora, como no caso de Eduarda, que comenta ter ficado angustiada com tanta demora:

“[…] e outra, quando me levou dali, ai levou meu filho e eu fiquei com

72 Os bebês ficam junto com as mães nos quartos da maternidade. Apenas permanecem separados quando é necessário mantê-los em incubadoras, nestes casos, ficam em uma sala de atenção neonatal, onde existem várias incubadoras.

medo... perguntando: cadê meu filho, cadê meu filho? Ai a enfermeira me falou: Se acalme, se acalme, se acalme que daqui a pouco você vai ver, eu achei um absurdo porque, como é que uma mãe vai ter menino e não come nada com a criança dentro da barriga? Eu comecei a falar desesperada: Eu tô com fome, meu filho tá com fome, tem que dá leite ao meu filho, e que isso e aquilo... E ela falou: “Espere mãe, espere um pouquinho... Ai eu sei que eles me tiraram de lá da sala de parto, quando eu sai também já ia outra menina pra sala de parto. Ai me botaram lá do lado do centro cirúrgico, eu fiquei lá em cima da maca um tempão, mais de uma hora de relógio mandaram eu esperar, ai depois eu peguei e fui pra sala, quando eu cheguei lá, eu fui pra sala de coisa quando a mulher tem neném, ai fiquei lá, depois passou um tempo, umas três horas, ai Dinho veio... ai eu peguei, já veio logo chorando ele... peguei ele... quando o menino nasce, não dá logo banho não...”

No quarto da maternidade, as mulheres podem receber visitas, que geralmente são de seus acompanhantes – as pessoas que foram com elas até a maternidade. Dentre as pessoas acompanhantes na maternidade figuram, principalmente, as mães destas mulheres. Caroline tinha sua amiga e vizinha, Diná, e Maria Helena que teve seu marido. Bárbara teve seu pai. Nem todas elas foram visitadas na maternidade, pois como a maioria teve parto normal, sem complicações posteriores, receberam alta no dia seguinte, antes do horário de visitas.

Flávia saiu da maternidade com sua filha no colo enquanto sua mãe e marido a aguardavam do lado de fora. Dália tinha sua mãe que a aguardava. O mesmo aconteceu com Isabela. Eduarda teve a visita de sua irmã e sua outra irmã a esperava para levá-la de volta para a ilha. Rosa tinha sua mãe como acompanhante que a visitou, assim como Thalia. Jussara teve que esperar seu filho se recuperar de uma febre, passando alguns dias no hospital. Lá recebeu visitas da mãe e da irmã. Seu marido estava trabalhando no “Monte”. Ângela não mencionou nenhum acompanhante.