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2 A COMISSÃO PASTORAL DA TERRA DE ALAGOAS

2.9 Pastoralidade

É a práxis pastoral, essa especificidade, que diferencia a CPT dos movimentos sociais do campo. Trata-se de um trabalho da Igreja junto aos empobrecidos da terra, no canavial, na área de posseiro, no acampamento e no assentamento. Esse método é inspirado, conforme aparece na sua missão, no subversivo evangelho de Jesus Cristo54.

Faz-se necessário reafirmar que a CPT nasceu e cresceu no bojo da caminhada e da experiência da Igreja da Libertação, dos anos 60-70 e 80 do século XX. Os cristãos militantes viviam sua fé na solidariedade às lutas de libertação do povo, dos empobrecidos, no campo e nas periferias. Esta nova prática pastoral, junto com a leitura bíblica, produziu uma nova reflexão conhecida por Teologia da Libertação. A CPT é também “produtora” de teologia da libertação, na sua reflexão e nos escritos a respeito da terra, da água, do cuidado com a vida e a criação, da espiritualidade e da memória dos mártires.

52 “Terra de exploração ou de negócio é a propriedade destinada ao enriquecimento contínuo por meio da

exploração dos trabalhadores ou por meio da especulação. Terra de trabalho, pelo contrário, é a terra de quem nela trabalha e vive”. Os pobres possuirão a terra (SI 37, 11): Pronunciamento de bispos e pastores sinodais sobre a terra. São Paulo: Paulinas, 2006, p. 14.

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Arquivo Eclesiástico de Alagoas. Comissão Pastoral da Terra. Fundo: Assembleia da CPT. Colônia de Leopoldina/AL, 1991. p. 10.

54 Convocada pela memória subversiva do evangelho da vida e da esperança, fiel ao Deus dos pobres, à terra de

Deus e aos pobres da terra, ouvindo o clamor que vem dos campos e florestas, seguindo a prática de Jesus.

Missão da CPT. Disponível em: http://www.cptnacional.org.br/index.php/quem-somos/missao. Acesso em: 1/3/2015.

A CPT é uma pastoral. O Movimento tem dirigentes, a Pastoral tem coordenadores. O Movimento prepara seus “quadros”, a Pastoral forma seus agentes qualificados no acompanhamento dos processos coletivos de luta e de organização dos camponeses e camponesas. No Movimento, a direção é a protagonista e toma as decisões; na Pastoral, os protagonistas são as comunidades e as categorias acompanhadas, ajudadas a tomar suas próprias decisões. A CPT, em qualquer atividade desenvolvida, tem este espírito de serviço e não de condução do processo; ela usa uma metodologia que promove o protagonismo e a autonomia dos trabalhadores.

A pastoralidade é a relação entre a crença religiosa e a fé no Deus libertador que é assumida cultivada pelo agente, e a religiosidade, a fé do povo que luta por sua libertação. Quando os dois, fé do agente e fé do povo, interagem, acontece o acompanhamento pastoral ou serviço pastoral como missão junto aos empobrecidos. Este acompanhamento não dispensa uma correta leitura política da realidade e a prática da metodologia que valoriza o saber do povo e favorece o seu protagonismo.

Entendendo a pastoralidade, também, como o encontro da “fé do agente e a fé do povo”, a CPT/AL articula e organiza atividades nas quais a pastoralidade se efetiva. São momentos em que a fé e a luta estão inerentemente ligadas, sem que uma substitua a outra; a fé assume a condição de uma força incentivadora que anima a participação na vida social e política, com a finalidade de transformar a realidade.

Nas atividades anuais como a Romaria da Terra e das Águas55, o Jejum da Solidariedade56 e a celebração do Natal dos trabalhadores57, percebem-se os sinais da realização dessa pastoralidade. Nas palavras proferidas pela camponesa Maria Cavalcante, que vive no assentamento Flor do Bosque, encontradas em Almeida (2014): “Outra coisa é a questão da Romaria da Terra, que é uma coisa que reúne as pessoas, que canta, que marcha pelo objetivo da terra prometida, espelhado na história do povo de Deus” (ALMEIDA, 2014, p. 33).

Figura 5 - Natal dos trabalhadores

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Ver Apêndice B

56 Ver Apêndice C 57 Ver Anexo A

Percebe-se a intensidade desse encontro entre fé e luta, explícito na primeira romaria, realizada em 13 de dezembro de 1988, dia dedicado à santa Luzia, na serra da Barriga, em União dos Palmares, com o tema Terra Mãe: Filhos livres. A romaria é um encontro de gerações, entre o campo e a cidade, entre a Igreja e o povo, a partir do tripé bíblico-histórico- religioso. Fundamenta-se na narrativa do povo que sai da escravidão imposta pelo Faraó para conquistar a liberdade na terra prometida, em que corre leite e mel; na luta histórica do quilombo dos Palmares por território e liberdade; e na religiosidade popular manifestada nas romarias.

Assim, estavam dados os pilares bíblico, social, histórico e religioso da romaria: a liberdade do povo hebreu, como primeira grande romaria; o alagoano, como um ser romeiro; a luta e martírio do povo negro que consagra a serra da Barriga como santuário; e a luz de santa Luzia (LIMA, 2014, p. 58).

Figura 6 - Romaria da Terra - Serra da Barriga

A experiência da Romaria da Terra e das Águas também sofreu influência da ocupação da Flor do Bosque. Na virada do século, no ano 2000, nos dias 11 e 12 de novembro, com o tema Conquistar a terra, multiplicar o pão, saindo do acampamento Flor do Bosque em

direção à cidade de Messias, foi inaugurada outra fase da romaria58, que alteraria o seu espaço de realização e o seu formato: a romaria deixa de ocorrer no dia 13 de dezembro, na serra da Barriga, e incorpora o calendário lunar e o espírito nômade. Após subir a serra da Barriga por 12 anos, essa atividade passa a se realizar nos fins de semana, da noite do sábado para as primeiras horas do domingo, em noite de lua cheia. Essas mudanças foram publicadas no informativo Terra de Deus, Terra de Irmãos59:

O coordenador da romaria em Alagoas, padre Alexander Cauchi, esclarece que a decisão de descentralizar a romaria, realizada durante doze anos na Serra da Barriga, em União dos Palmares, foi previamente discutida com todos os que vêm participando dessa caminhada. “Messias foi o primeiro local escolhido para esta nova fase da romaria porque pertence a uma região de tensão agrária e, ao mesmo tempo, tem infraestrutura para receber os romeiros, como também pelo apoio irrestrito da paróquia local e do Vale do Mundaú”, justifica padre Alex. Com o tema “Conquistar a Terra, Multiplicar o Pão”, a 13ª Romaria da Terra terá quatro momentos de reflexão durante o percurso, quando serão discutidos os subtemas “Terra”, “Água”, “Questão Indígena e Negra”, “Mártires da Terra” e “Pão Multiplicado” (CPT/AL, 2000, p.1).

Os romeiros e romeiras percorrem entre 10 km e 15 km por romaria, dialogando com outras realidades, fortalecendo comunidades, experiências e lutas. Com o intuito de preservar o que foi instituído em 1988, quando foi realizada a primeira romaria, a cada cinco anos ela retorna à serra da Barriga, do sábado para o domingo, em noite de lua cheia. A próxima ida à serra da Barriga ocorrerá em novembro de 2017, celebrando 30 anos de Romaria da Terra e das Águas, na arquidiocese de Maceió.

Ainda nesse caminho, convém destacar o jejum público em solidariedade às pessoas que passam fome e outras necessidades no mundo, em particular as famílias semterra. Além de promover uma reflexão crítica sobre questões da conjuntura política, essa atividade é mais uma expressão de fé e de pastoralidade, havendo o compromisso de jejuar por parte dos agentes da CPT, religiosas, padres e membros das pastorais sociais.

O primeiro jejum ocorreu no dia 26 de março de 1999, nas escadarias do edifício Walmap, no centro de Maceió (AL), onde funciona o INCRA. O argumento bíblico foi retirado do livro de Isaías (Is. 58, 6): “O jejum que eu quero é este: acabar com as prisões injustas, desfazer as correntes do jugo, pôr em liberdade os oprimidos e desfazer qualquer jugo”.

Essa atividade aos poucos foi se caracterizando como um espaço de reflexão bíblico e com temas gerais, mas sem perder o foco inicial: os empobrecidos da Terra. Trata-se de um ato público de fé e solidariedade, mas, também, é uma manifestação política, o que fica

58 Ver Anexo B 59 Ver Anexo C

explícito quando é realizado nos órgãos oficiais que se relacionam direta ou indiretamente com os semterra, tais como: em frente e dentro do Tribunal de Justiça, em frente e dentro do INCRA, na Vara Agrária e em frente ao palácio República dos Palmares, sede do governo de Alagoas; essa característica política se afirma em temas diversos, entre os quais: A vida e o planeta necessitam de cuidados; Sem terra não há pão; Sem pão não há justiça; Sem justiça não há paz; É justiça que queremos! A terra é de quem trabalha, já chega de tanto esperar; Solidários com os que sofrem com a estiagem e Casa comum, nossa responsabilidade.

Ainda tratando sobre a pastoralidade, pode ser encontrada outra atividade nas áreas de acampamentos, de assentamentos e de posseiros acompanhadas pela CPT/AL: o Natal dos Trabalhadores60. Essa atividade nasce na ocupação da fazenda Flor do Bosque, em dezembro de 1998. Era o primeiro Natal daquelas famílias que montaram acampamento em 27 de novembro de 1998. É, portanto, uma ação vinculada ao evento Flor do Bosque, que aos poucos foi se transformando numa atividade de dimensão estadual, a envolver as paróquias locais, sendo celebrado nas regiões do Sertão, da Mata e do Litoral. É uma reflexão do significado do Natal e de sua importância para as famílias que lutam pela terra; também é voltada para a confraternização entre trabalhadores e agentes pastorais.

Não seria correto aferir a pastoralidade a partir dessas três atividades: Romaria, Jejum e Natal dos Trabalhadores. A pastoralidade, de fato, é o espírito da ação da CPT/AL junto aos empobrecidos do campo. Ela ocorre, sem nenhum exagero, em todas as atividades realizadas, seja com as categorias acompanhadas, seja na relação com outras organizações sociais ou naquelas voltadas para os agentes. O exercício da pastoralidade é um elemento que fortalece o argumento de que mesmo se envolvendo nos conflitos agrários, vivenciado e contribuído nas ocupações de terra, enfrentando ações judiciais e as perseguições políticas, a CPT/AL se atualizou, dedicando-se integralmente aos semterra na defesa da reforma agrária, mas mantendo os pés no terreno da Igreja, sem abrir mão do seu espaço e da sua origem.