PRESENTE DO CONSELHO NACIONAL DE
2 A PATERNIDADE NA PÓS- PÓS-MODERNIDADE
Antes de discorrer sobre a paternidade
na pós-modernidade,1 é preciso citar alguns
1
Há um grupo de pensadores que consideram que a modernidade já terminou em suas vertentes históricas, como Daniel Bell, Michel Foucault, Jean Baudrillard, Felix Guattari, Gilles Deleuze, Jacques Derrida, Lyortard. No Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua
Portuguesa, o termo Pós-modernismo refere-se à
"denominação genérica dos movimentos artísticos
surgidos no último quartel do século XX,
caracterizados pela ruptura com o rigor da filosofia e das práticas do Modernismo, sem abandonar totalmente seus princípios, mas fazendo referências a elementos e técnicas de estilos do passado, tomados com liberdade formal, ecletismo e imaginação". O filósofo francês Jean-François Lyotard (1924-1998) propalou a utilização do termo em 1979, com a
aspectos históricos e sociais da paternidade, especialmente sobre o direito de família brasileira.
O Direito das Famílias tem sofrido rupturas provocadas pelas transformações socioculturais sofridas na sociedade da pós-modernidade, vez que, anteriormente, as relações eram embasadas em interesses sucessórios, e, na contemporaneidade, essa concepção de família sofreu transformações sistemática, cedendo espaço para a inclusão de novos valores.
Com as alterações trazidas pelas mudanças ocorridas na sociedade e na entidade familiar, os valores norteadores da
publicou a obra "A Condição
Pós-Moderna". Originariamente se atribui que este termo nasceu na Espanha na década de 1930 com Frederico de Onís. Para Lyotard, o pós-moderno designa o estado da cultura após as transformações que afetaram as regras dos jogos da ciência, da literatura e das artes a partir do final do século XIX. Afirma o filósofo: "eu defino o pós-moderno como a incredulidade com
relação às metanarrativas" (LYOTARD,
Jean François. The Postmodern condition: a report on Knowledge. Minneapolis: University of Minnesota Press, 1984, p.24). Este termo, no entanto, para LIPOVETSKY, se esvaziou de conteúdo e esclarece: "há vinte anos, o conceito de pós-moderno dava oxigênio, sugeria o novo, uma bifurcação maior; hoje, entretanto, está um tanto desusado. O ciclo pós-moderno se deu sob o signo da descompressão cool do social; agora, porém, temos a sensação de que os tempos voltam a endurecer-se, cobertos que estão de nuvens escuras". LIPOVETSKY, sugere a utilização do termo hipermodernidade, advertindo: "No momento em que triunfam a tecnologia e a genética, a globalização liberal e os direitos humanos, o rótulo pós-moderno já ganhou rugas, tendo esgotado sua capacidade de exprimir o mundo que anuncia". E, conclui: “Hipercapitalismo, hiperclasse, hiperpotência, hiperterrorismo, hiperindividualismo, hipermercado, hipertexto – o que mais não é hiper? O que mais não
expõe uma modernidade elevada à potência
superlativa?" (LIPOVETSKY, G. Os tempos
predita relação ganharam ainda mais importância, quais sejam: a ética, a cidadania, o afeto, o cuidado, a solidariedade, a igualdade e dignidade (MENEZES, 2009, p. 13).
Na seara da paternidade não tem sido diferente, estamos passando pelo processo de desbiologização da paternidade, o que possibilita o reconhecimento de outros vínculos de parentesco, dessa forma, a paternidade não se restringe aos laços consanguíneos. São levados em consideração os laços afetivos, de amor, carinho e do
desejo de construir uma relação de
companheirismo, pautada no princípio da afetividade (GAMA, 2003, p. 118).
Embora a família seja considerada a mais antiga instituição social, isso não significa que os temas relacionados a esse ramo do Direito já tenham se esgotado, muito menos que tenham deixado de ser fonte de temas causadores de constantes discussões entre os doutrinadores e o poder judiciário (MENEZES, 2009, p. 13).
Na esteira do patriarcalismo, cujo berço foi plantado na velha Roma, as famílias desconsideravam os laços de afeto nas
relações paterno-filial, bem como era
ignorado qualquer sentimento de
solidariedade, a responsabilidade recaia sobre o “pater famílias” e o respeito à instituição familiar era inviolável, estando diretamente
ligado ao poder conferido ao patriarca, prevalecendo a autoridade sobre todos os
descendentes, indistintamente (TORRES,
2001, p. 25).
Some-se a isto que a autoridade patriarcal não se restringia somente à manutenção familiar, indo além do sustento, englobando, também, a autoridade sobre as filhas casadas e os seus respectivos maridos. Segundo FIÚZA bem explica:
Tanto na cultura grega quanto em sua continuadora, a cultura romana, a ideia de família era bastante diferente da atual. Para os nossos antepassados culturais, a família era corpo que ia muito além dos pais e dos filhos. [...] O pater-famílias era, assim, o senhor
absoluto da domus. Era o
sacerdote que presidia o culto dos antepassados; era o juiz que julgava seus subordinados, era o administrador que comandava os negócios da família. Com o passar dos tempos, o poder desse pater-famílias deixou de ser tão absoluto. “Não obstante, a estrutura familiar continuou sendo extremamente patriarcal (FIUZA, 2008, p. 943).
A partir da metade do século XIX, houve a decadência da família patriarcal, causada pelo êxodo rural e a rápida expansão das zonas urbanas, o que deu força aos movimentos sociais da época, como, por exemplo, o surgimento das indústrias, as revoluções econômico-sociais, bem como a
emancipação feminina (OLIVEIRA;
A luta feminista teve grande importância para a imposição de liberdade e igualdade de direitos entre homens e mulheres, contribuindo, dessa forma, para a crise do patriarcalismo. Segundo Maria Berenice Dias, "Foi a libertação feminina que levou à decadência do viés patriarcal da família" (DIAS, 2016, p.17).
Com os avanços da sociedade, a estrutura familiar moderna sofreu fortes transformações, visto que as mulheres
passaram a ocupar novos espaços,
reivindicando direitos de igualdade perante os homens e rompendo barreiras criadas pelo patriarcalismo. Dessa forma, a cada tempo, a configuração familiar reestrutura-se de acordo com as transformações culturais sofridas pela sociedade, a exemplo disso, podemos citar o surgimento crescente de diversas formas de
constituição de família, as famílias
monoparentais, as famílias homoparentais, dentre outras (OLIVEIRA, 2009).
A família patriarcal e
matrimonializada, embasada nas relações heterossexual e hierarquizada, tinha como característica uma prole numerosa, o que lhe conferia status. Diante das fortes mudanças culturais sofridas pela sociedade brasileira, a família patriarcal, que tinha como base o casamento, deixou de ser a única forma de constituição familiar, dando espaço para o surgimento dos novos modelos de família da
pós-modernidade, pautadas no princípio da afetividade (OLIVEIRA, 2017).
Neste sentido, Cristiano Chaves de Farias afirma que a família deixou de ser entendida apenas como um núcleo social “econômico e reprodutivo”, passando a compreender-se como entidade socioafetiva,
dessa forma, a família patriarcal e
matrimonializada não reflete mais a realidade das famílias da pós-modernidade, pois esta busca a dignidade humana, ultrapassando os valores meramente patrimoniais (FARIAS, 2007, p.07).
Os novos valores das relações
familiares, reconhecidos pela Constituição Federal de 1988, têm como princípio fundamental a dignidade da pessoa humana, que ampliou o conceito de família quando passou a reconhecer, explicitamente, outras formas de entidade familiar, abandonando a ideia de que a única forma de se estabelecer uma família é por meio do matrimônio; dessa forma, os filhos havidos fora do casamento passaram a ter direitos iguais, deixando de lado a nomenclatura de filhos “legítimos e ilegítimos”, com base no princípio da igualdade entre os filhos, essa distinção já não cabe mais (NETA, 2016, p. 63).
A Constituição Federal de 1988 foi além da ampliação do conceito de família, também trouxe nova visão da figura paterna, essa que, antes, tinha o total domínio sobre os
filhos, passou a dividir as responsabilidades, antes inerentes somente ao homem, com a mulher, e, por consequente, o homem também passou a ser cobrado nas atividades domésticas e no cuidado com a prole.
A paternidade decorre do estado de filho, quando este deriva do pai, é a relação de parentesco entre duas pessoas. No direito brasileiro, a paternidade se dá de duas formas: a biológica e a socioafetiva, podendo esta relação paterno-filial ser reconhecida de forma voluntária pelo pai ou por meio de ação judicial (SOARES, 2015).
O reconhecimento da paternidade de
forma voluntária ou judicial gera
consequências obrigacionais recíprocas,
podemos usar como exemplo dessas
obrigações o reconhecimento no registro civil, atribuindo-lhe, dessa forma, um status familiar; a prestação ao filho dos alimentos e assistência devida, inerentes à obrigação de pai, além de conceder ao filho, reconhecido de qualquer natureza, o direito aos efeitos sucessórios, assim estabelece o artigo 1.829, I e II e 1.845 do Código Civil, dentre outras consequências estabelecidas em Lei.
Antes do Código Civil de 2002, o Estado somente reconhecia a família advinda do casamento, por consequente, só poderiam ser reconhecidos por seus pais, os filhos fruto desse matrimônio, que eram chamados de filhos legítimos. Para a biologia, pai era,
unicamente, quem, em uma relação sexual, fecundava a mãe; por outro lado, para o direito, pai era o marido da mulher, ignorando a verdade biológica, pois a família daquela época associava a moral e os bons costumes ao casamento (DIAS, 2016, p. 382).
Dessa forma, segundo Maria Berenice Dias, atualmente, são adotados pelo Código Civil brasileiro, três critérios para o reconhecimento do vínculo paternal: Critério jurídico - aquele que estabelece a paternidade por presunção, por exemplo, os filhos nascidos 180 dias, pelo menos, depois de
estabelecida a convivência conjugal,
considera-se o pai da criança que por ventura sua mulher venha ter, o seu marido, até prova em contrário, por ele próprio produzida, visto que a ação de contestação da paternidade é privativa do pai, consoante dispõe o artigo 1.601 do Código Civil de 2002, bem como os nascidos dentro do prazo de 300 dias subsequentes à dissolução do casamento, de acordo com o artigo 1.597, II, combinado com o artigo § 6º, da Constituição Federal.
O segundo critério é o biológico - é realizado normalmente pelo processo de reconhecimento da paternidade, por meio de exame de DNA. O terceiro é o critério socioafetivo – este, que toma como parâmetro o melhor interesse da criança, bem como a dignidade humana, podemos usar como
implicitamente regulamentada pela Constituição Federal de 1988, no art. 227, § 6º (DIAS, 2016, p. 386).
Segundo o entendimento de Paulo Lôbo, a filiação é a relação de parentesco consanguíneo ou não. A Constituição abandonou a primazia da origem genética ou biológica para fixar a filiação, quando desconsiderou qualquer traço da família patriarcal e exclusivamente matrimonial, quando equiparou aos filhos naturais os filhos adotados e quando atribuiu prioridade absoluta à convivência familiar (LÔBO, 2012. p. 227).
No processo de reconhecimento da paternidade, o Brasil adotou o entendimento de que o suposto pai não é obrigado a sujeitar-se a fazer o exame de DNA, embora o Juiz possa determinar a realização de qualquer outro meio de prova que entender necessário à confirmação da veracidade da
paternidade, assim dispõe o Código de
Processo Civil, em seu artigo 130 (DINIZ, 2013, p. 554).
Dessa forma, apenas a negativa do suposto pai em realizar o exame de DNA, por si só não basta para a autorização do registro do nome do pai na certidão de nascimento do filho, a presunção deve estar acompanhada de outras provas, entendimento da súmula 301 do Supremo Tribunal de Justiça, caso não
existam outros meios de prova, a paternidade não é declarada (BRASIL, 2004).
Contudo, como bem pontua Maria Helena Diniz, não basta entender como sendo pai e mãe aquele reconhecido por meio de uma decisão judicial, haja vista que, para ser considerado pai e mãe, de fato, é preciso querer bem à prole, participando da sua vida, nos momentos de alegria e tristezas, guiá-lo no mundo e ser o abrigo nas crises emocionais e nas diversas dificuldades da vida; portanto, pai e mãe é quem educa e cria, dando-lhe a base necessária para um crescimento digno (DINIZ, 2013, p. 561).
Nesta esteira de ideias, a autora segue afirmando que os vínculos socioafetivos não podem ser considerados menos importantes que o biológico, e, em respeito ao melhor interesse da criança, este deve prevalecer sobre aquele, não podendo dessa forma, a verdade biológica prevalecer sobre uma paternidade pautada no afeto, com amor e carinho, permitindo-lhe conviver em um ambiente sadio, que lhe possibilite crescer
espiritualmente, fisicamente e
intelectualmente.
A partir das mudanças trazidas pela Constituição de 1988, o instituto da
paternidade responsável que está
implicitamente garantido no artigo 226, §7º, da Constituição Federal, passou a ser visto
desaparecer os valores introduzidos na sociedade pela família patriarcal e, por consequência, abriu espaço para o surgimento da família pós-moderna, que tem como função a afetividade e a responsabilidade.
O princípio da afetividade vem ganhando cada vez mais espaço nas relações
familiares, consequência das inovações
trazidas pelo poder judiciário. Na pós-modernidade, o afeto é reconhecido como o ponto de grande relevância para o Direito das Famílias, nas relações entre pais e filhos essa ligação de amor e vontade mútua vem ganhando cada vez mais força e visibilidade.
Corroborando com tal afirmação,
Aimbere Francisco Torres, apud Maria
Berenice Dias, assevera que:
O prestígio a afetividade fez surgir uma nova figura jurídica, a filiação socioafetiva, que acabou
se sobrepondo à realidade
biológica. A moderna doutrina não mais define o vínculo de
parentesco em função da
identidade genética[...]. A paternidade é reconhecida pelo vínculo de afetividade, fazendo nascer a filiação socioafetiva.
Ainda segundo Fachin a
verdadeira paternidade não é um fato da Biologia, mas sim fato
cultural, está antes no
devotamento e no serviço do que
na procedência do esperma
(TORRES, 2009, p. 78-79, apud
DIAS, 2007, nº 91, p.107).
Desta forma, o princípio da
paternidade responsável está inserido no direito do estado de filiação, tendo em vista
que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente o direito à convivência familiar, colocando-os a salvo de toda forma de discriminação,
vedando expressamente as designações
discriminatórias relativas à origem biológica (LÔBO, 2012).