• Nenhum resultado encontrado

SENSO RELIGIOSO E RAZÃO EM LUIGI GIUSSANI

A RELAÇÃO ENTRE RAZÃO E SENSO RELIGIOSO NO PENSAMENTO DE LUIGI GIUSSANI

3 SENSO RELIGIOSO E RAZÃO EM LUIGI GIUSSANI

Segundo Giussani, o coração humano mostra-se desejoso de respostas plenas, totais.

O homem é carente das respostas

fundamentais, aquelas necessárias para

compreender a si mesmo e para compreender a totalidade da vida. Perguntas sobre o significado último da vida ou sobre a composição da realidade inquietam os seres humanos até o fim de suas vidas. É justamente nessas perguntas que o fator religioso se apresenta:

O fator religioso representa a natureza do nosso eu enquanto se exprime em certas perguntas: “Qual é o significado último da existência?” “Por que existem a dor, a morte?” “Por que, no fundo, vale a pena viver?” Ou, a partir de outro ponto de vista: “De que e para que é feita a realidade?” O senso religioso coloca-se dentro da realidade do

nosso eu no nível dessas

perguntas: coincide com aquele compromisso radical do nosso eu com a vida, que se mostra nessas perguntas (GIUSSANI, 2009, p. 73).

As perguntas acima não podem ser arrancadas do homem. Elas constituem a insatisfação humana. O coração do homem é inquieto e essa inquietude é antiga conhecida da filosofia. Ou melhor, a filosofia nasce dessa inquietação. Quando os pré-socráticos buscavam explicação para a gênese de tudo, estavam impelidos pela inquietação, pelo desejo de responder ao significado do todo e,

claro, ao significado de si também.

“Metafísica” afirmando: “Todos os homens, por natureza, tendem ao saber”, ou seja, desejam conhecer. O homem é, por natureza,

insatisfeito. Mas é justamente essa

insatisfação que faz com que o homem progrida.

A insatisfação não é apontada, por Giussani, como algo negativo, mas como um impulso que causa a evolução do ser humano. Segundo Giussani, o homem vê a realidade e sente-se impelido a descobrir tudo acerca dela. E quanto mais o homem conhece da realidade, mais ela foge à sua capacidade de apreendê-la. É desse modo que o homem evoluiu através dos séculos e carrega consigo conhecimentos que outrora não possuía. O homem não consegue esgotar a realidade, mas batalha para conhecer aquilo que lhe é possível. Logo, é razoável ao homem, ter a humildade de reconhecer que a realidade é muito maior do que se é possível conhecer acerca dela e, por isso, é razoável também que o se homem abra à categoria da possibilidade. Possibilidade de algo maior, possibilidade do mistério, possibilidade de Deus. Giussani recorda:

Sempre existirão mais coisas no céu e na terra — isto é, na realidade — do que na nossa

percepção e concepção da

realidade — isto é, na filosofia. Por isso, a filosofia deve ter a humildade profunda de ser uma tentativa totalmente escancarada e

desejosa de adequação, de

realização, de correção: deve ser

dominada pela categoria da possibilidade (GIUSSANI, 2009, p. 81).

3.1 ATITUDES RAZOÁVEIS DIANTE DO SENSO RELIGIOS

Conhecidas as premissas básicas para o conhecimento acerca do sentimento religioso, segundo a concepção giussaniana, faz-se necessário compreender qual a postura racionalmente adequada do homem perante o senso religioso. O italiano faz algumas observações e explicações rumo a esta

compreensão sem perder de vista a

necessidade de realismo, razoabilidade e moralidade.

3.1.1 Observar-se em ação

Para Giussani, quanto maior o compromisso com a vida, maior a percepção dos fatores da vida em cada experiência. O compromisso com a vida nunca deve ser algo parcial, mas total. Dentro de todos os gestos é importante que haja um compromisso com o

próprio destino. Desse modo, não se pode

assumir uma postura preguiçosa, mas racional, sem eliminar qualquer fator da vida. Eliminar o fator religioso pelo simples fato de não sentir Deus, por exemplo, pode ser fruto de elementos distrativos, mas não da razão. De acordo com Giussani,

A condição para poder

a natureza de um fator sustentador e decisivo como o senso religioso é o compromisso com a vida inteira, na qual tudo está compreendido: amor, estudo, política, dinheiro, até a comida e o repouso, sem nada esquecer — nem a amizade, nem a esperança, nem o perdão, nem a raiva, nem a paciência. Dentro de cada gesto está o passo em direção ao

próprio destino (GIUSSANI,

2009. p. 63).

3.1.2 O homem é feito

Segundo Giussani, o olhar atencioso para tudo faz com que o homem admita que a realidade não é feita pelo próprio ser humano. A realidade é uma presença dada, algo que já existia antes do homem e que continuará a existir após sua morte. Uma presença digna de maravilhamento. Tanto é verdade que, se um homem pudesse nascer novamente, mas na idade de um adulto, com a inteligência adulta, não teria outra reação senão o espanto com a realidade, o maravilhamento. Giussani (2009, p. 156) afirma: “O fascínio, a maravilha dessa realidade que se me impõe, dessa presença que me toma, está na origem do despertar da consciência humana”.

Luigi Giussani chama a realidade à qual o homem está inserido de “dado”, algo que é dado. Isto que é dado não depende do homem. Aliás, como supramencionado, já existia e, naturalmente, continuará a existir. Todavia o homem depende disso que é dado. O homem é um ser dependente. Cabe ao

homem, receber e reconhecer isto que lhe é dado. É diante da realidade dada, como um dom, que o homem põe-se a perguntar-se sobre o sentido de tudo. Antes mesmo de ser movido por um medo do fim ou da morte etc., o sentimento religioso é movido por um maravilhamento que possui uma força de atração. E Giussani (2009, p. 157) ainda recorda: “a religiosidade é, em primeiro lugar, a afirmação e o desenvolvimento de uma atração”.

Segundo Giussani, o próprio homem é dado, pois não é capaz de se fazer a si próprio. Se o homem é feito, quem o faz? Logicamente, um outro. Giussani afirma:

Se neste momento estou atento, isto é, se sou maduro, não posso negar que a evidência maior e mais profunda que percebo é que eu não me faço por mim, não estou me fazendo. Não me dou a realidade que sou, sou “dado”. É o instante adulto da descoberta de mim mesmo como dependente de uma outra coisa (GIUSSANI, 2009, p. 162).

3.1.3 Cosmologia e providência

Giussani recorda que tudo é muito ordenado. Desde as pequenas coisas às maiores é possível contemplar, na realidade, a existência de uma ordem, uma ordem cheia de beleza. Desde o céu estrelado ao conjunto das células presentes em uma pequena aranha se pode perceber esta ordem. Mais que isso, a

realidade não é apenas bela, mas se move, é providencial. Basta observar a mudança dos tempos. Ora é dia, ora é noite. Se agora é verão, em breve será outono, mais à frente inverno, depois primavera, e novamente o verão. Não é uma atitude irracional pensar que essa realidade ordenada e providencial possa ter sido criada por um Ser superior, por Deus.

3.2 ATITUDES NÃO-RAZOÁVEIS

DIANTE DO SENSO RELIGIOSO

O senso religioso, como vimos até aqui, surge na consciência do homem como pergunta acerca da totalidade. No entanto, de acordo com Giussani, o homem pode agir de modo não razoável diante da interrogação última e isso costuma acontecer de forma inconsciente, sem que o homem perceba. É importante conhecer as atitudes não-razoáveis a fim de não cometer erros. Giussani expôs seis tipos de atitudes não-razoáveis diante da interrogação última.

A primeira é a negação teórica das perguntas. Ocorre quando “aquelas grandes

perguntas, aquelas interrogações, sejam

definidas como ‘sem sentido’.” (GIUSSANI, 2009, p. 94). Negar o valor de tais perguntas é rebaixar ao ridículo o trabalho de toda a filosofia. Seria inutilizar o trabalho de todos os que trataram com seriedade as perguntas sobre a origem de tudo ou acerca do que ocorre após a morte. Os filósofos são

enobrecidos justamente por se debruçarem sobre estas questões. Para Giussani, não é razoável tratar estas perguntas como sem sentido.

A substituição voluntarista das

perguntas é a segunda atitude exposta por Luigi Giussani como não-razoável. Segundo ele, se a energia da experiência elementar for eliminada, ou seja, se o movimento que a experiência elementar causa for freado, ao homem restará apenas a afirmação de si. E “o instrumento da afirmação de si mesmo é a vontade” (GIUSSANI, 2009, p. 97). Consequentemente, caberia ao indivíduo trocar seus questionamentos mais profundos por alguma outra coisa que sua vontade deseje.

A terceira atitude, dita por Giussani, é a negação prática das perguntas. Aqui o

sujeito reconhece a importância das

perguntas, mas prefere viver tentando esquecê-las. O consumo de drogas, na maioria das vezes, é nessa intenção. Por pensar que as respostas são impossíveis, busca-se anestesiar-se das perguntas, esquecer que elas existem. Todavia “viver esquecendo assegura que se viva intensamente, como homem, de forma racional? Essa atitude não é adequada àquilo que somos” (GIUSSANI, 2009, p.106).

A evasão estética ou sentimental é também considerada não-razoável. Aqui a pergunta perde-se na esteticidade e no sentimentalismo. A inquietação suscitada pelas perguntas toma um modelo estético, mera poesia ao vento. Racionalmente, não se aceita que perguntas tão caras aos homens percam-se num mero esteticismo artístico. As perguntas movem, não estacionam. “Não se pode parar no meio do caminho, gozando de uma experiência emotiva que se torna evasão e desperdício” (GIUSSANI, 2009, p. 112).

Luigi Giussani fala, ainda, sobre a negação desesperada das perguntas. Nesta atitude as perguntas são levadas a sério, mas a dificuldade em respondê-las causa a sua negação. Calar as perguntas, porque não se sente capaz de respondê-las, é uma ação contrária à própria razão. Giussani (2009, p. 115) afirma que “a autêntica religiosidade é a defesa até o fim do valor da razão”. Uma vez que a razão vê dificuldade em resolver alguma questão, é muito mais sábio abrir-se à categoria da possibilidade, ao invés de excluí-la como se eexcluí-la não existisse.

Por fim, o que também pode acontecer com o indivíduo é uma alienação. A alienação, nesse caso, seria acreditar que exista um sentido positivo para a vida, mas que não se trata de um sentido que toque diretamente a pessoa. As perguntas, nesse caso, são geradoras de movimento, mas para

um bem coletivo identificado como

progresso. Nessa atitude, não há a

preocupação com as respostas que satisfaçam de forma pessoal, mas com um mecanismo humano que o leve ao progresso coletivo. É uma atitude não-razoável porque, se as perguntas surgem de forma pessoal, fazem parte da estrutura de cada um, então, a resposta deve ser esperada de forma também pessoal. As perguntas do homem podem até gerar um movimento em direção a um progresso, mas não são esgotadas por qualquer que seja esse progresso.

De acordo com Giussani, dois fatores colaboram para a redução ou negação das perguntas últimas: O preconceito e a ideologia.

O preconceito faz parte do processo

do conhecimento. Todos os homens

estabelecem julgamentos a partir de sua

própria história. Segundo Giussani, o

problema se dá quando o indivíduo toma o preconceito como medida de juízo. Ao invés de superar o preconceito na busca da verdade, toma-o por verdade e tudo passa a ser julgado a partir dele. O preconceito é paralisante e precisa ser superado. No romance Helena, escrito por Machado de Assis (2006, p. 10), uma fala de Estácio à sua namorada nos exemplifica a necessidade da superação das impressões: “Eugênia, disse Estácio, quer saber a verdadeira razão do mau sucesso de

suas afeições? É deixar-se levar mais pelas aparências que pela realidade”.

Outra causa da negação das perguntas, apontada por Giussani, é a ideologia. Ela,

geralmente, é embasada em alguma

experiência particular, mas propagada como verdade geral, a fim de persuadir. Aqueles que não observam a totalidade do real com o olhar da razão são facilmente persuadidos e ficam estagnados na parcialidade do real. Giussani aponta a ideologia como

A construção teórico-prática desenvolvida a partir de um preconceito. Mais precisamente, é uma construção teórico-prática baseada sobre um aspecto, ainda que verdadeiro, da realidade, mas considerado, de certa forma, unilateral e tendenciosamente absoluto por uma filosofia ou um projeto político (GIUSSANI, 2009, p. 147).