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8 Sobre os diferentes factores, como os de índole psicológica, que podem constituir um obstáculo à participação dos

1.2. Alfabetização O Conceito de Paulo Freire

1.2.2. Paulo Freire e Lev Vygotsky

A semelhança de pontos de vista entre Paulo Freire e Lev Vygotsky (1896- 1934) está na abordagem à alfabetização. A teoria da escrita de Vygotsky contém a descrição de processos internos que caracterizam a produção das palavras escritas. A procedência mental de recursos da escrita é o "discurso interno", que evolui a partir do discurso personalizado. Vygotsky reconhece que nos discursos humanos, o indivíduo muda e desenvolve o discurso interno com a idade e experiência. A linguagem é extraordinariamente importante na cognição das crianças e no aumento da afectividade social. É o meio pelo qual a criança e os adultos sistematizam as percepções. Através das palavras, os seres humanos formulam generalidades, abstracções e diferentes formas do pensamento. Assim, as palavras contidas na frase "a frágil ponte sobre a qual os pensamentos devem viajar" são determinadas, social e historicamente, limitadas ou alargadas, pela experiência individual e colectiva. Embora Vygotsky e Freire tenham vivido em tempos e hemisférios diferentes, a abordagem de ambos tem aspectos fundamentais relativos a mudanças sociais e educativas. Enquanto Vygotsky realça a dinâmica psicológica, Freire concentra-se no desenvolvimento de estratégias pedagógicas e na análise da linguagem. As propostas de ambos, relativamente à transformação do discurso interno em discurso escrito são poderosas ferramentas, não apenas nos programas básicos de alfabetização, mas também na programação de competências específicas da escrita.

Citando Vygotsky, em processos e relações existentes entre o pensamento e a actividade humana, o indivíduo apresenta uma determinada interacção com o mundo de forma particular, transportando determinadas interpretações e (re) estruturações do que adquire do mundo. Podemos dizer que Vygotsky traz a lógica dialéctica e o materialismo histórico para o estudo do desenvolvimento do homem: explica a conduta, segundo a história da conduta, a consciência, segundo a história da consciência, a representação, segundo a história da representação. Note-se que para Vygotsky o sujeito não é só activo mas também interactivo. Compõe-se de conhecimentos que se formam através de relações intra e interpessoais. Ou

R e c u r s o s M u l t im é d i a n a A l f a b e t i za ç ã o , L i t e r a c i a e I n s e r ç ã o S o c i a l | 41 melhor, é nas relações com os demais sujeitos e consigo próprio que absorve e estrutura conhecimentos, papéis, funções sociais, que permitem a construção do conhecimento e da própria consciência. Deste modo, a construção do sujeito, os seus conhecimentos e modos de acção, devem ser compreendidos na relação com os outros. Este processo chama-se inter-subjectividade.

Vygotsky dedicou-se também às chamadas funções psicológicas superiores, que são as capacidades de planeamento, memória voluntária, imaginação e outras. Referem-se a processos mentais conscientemente controlados, processos derivados da vontade própria, que dão ao indivíduo a possibilidade de independência em relação às particularidades do momento que está a ser vivido [Rego, T. 1995]. O estudo das funções psicológicas superiores relaciona-se com a origem cultural das funções psíquicas. Estas originam-se através das relações do indivíduo com o contexto cultural e social. Refere Teresa Rego: ―A cultura é parte constitutiva da natureza humana, já que a sua característica psicológica se dá através da interiorização dos modos historicamente determinados e culturalmente organizados em operar informações‖ (Ibid: 42). [Rego, T. 1995].

Nos humanos, os instrumentos técnicos e os sistemas de signos, que são construídos ao longo da vida, funcionam como mediadores. Assim, a linguagem torna-se um mediador superior, traz consigo conceitos universais e produzidos pela cultura humana. A mediação revela o sujeito inserido num determinado contexto cultural e participar, em práticas sociais ali exercidas e construídas no passado. Assim, interioriza formas de acção já adquiridas e, à medida que estas forem interiorizadas, dá-se a (re) estrutura individual das formas e das acções no plano inter-subjectivo. Permite uma activa configuração do funcionamento individual, aprendendo a organizar os processos mentais através de palavras e recursos semióticos. Para Vygotsky, o modelo histórico-social é desenhado nas estruturas de mediação instrumental, social e de interiorização. ―Estas estruturas possibilitam a interpretação do movimento da passagem de acções realizadas no plano social (inter-psicológicos), para acções interiorizadas (intra-psicológicas). Na formação do indivíduo, este utiliza mediações para ordenar e reorganizar informações que indicam e delimitam e atribuem significados à realidade‖ [Rego, T. 1995] (cf., p. 61). Propõe Vygotsky, que o simples processo estímulo-resposta seja substituído por um acto mais complexo. Assim, o elemento mediador seria o elo intermediário entre

Paulo Freire e Lev Vygotsky

o estímulo e a resposta. A simples presença de elementos mediadores introduz um elo a mais nas relações organismo/meio.

É pois introduzida a mediação instrumental. Como sabemos, Vygotsky possui clara ligação às teorias marxistas, tenta compreender o desenvolvimento do indivíduo através do trabalho, que pela acção transformadora deste, sobre a natureza, une homem e natureza e cria a cultura e a história humana. Na mediação instrumental, os instrumentos psicológicos são objectos que o sujeito usa para ordenar e reposicionar externamente a informação, utilizando a inteligência, memória ou atenção. O conjunto de instrumentos fonéticos, gráficos, tácteis, etc., constitui o imenso sistema de mediação instrumental: a linguagem [Oliveira, Marta K. 1995]. Estes dependem de interacções constantes com o meio social em que vive, já que as formas psicológicas mais sofisticadas emergem da vida social. Deste modo, o uso de instrumentos permite ao sujeito modificar basicamente a sua maneira de perceber o contexto, podendo ir mais além, ou seja, de acordo com os significados que atribuímos ao signo e não simplesmente respondendo de maneira passiva e directa a estímulos físicos externos. Quanto ao instrumento, Vygotsky define-o, como componente de mediação entre o trabalhador e o objecto do trabalho, aumentando as perspectivas de transformação da natureza. Ou seja, o instrumento é produzido com um determinado objectivo, transporta consigo o modo de utilização para o qual foi desenvolvido através da história do trabalho colectivo. Os instrumentos ampliam as capacidades cognitivas. Assim, observamos que a meta para transformar objectos em instrumentos estimula mais a reflexão. Isto porque, o uso de instrumentos estimula mais o pensamento devido à flexibilidade que confere à acção. O utilizador transforma instrumentalmente os objectos de inúmeras maneiras e activa novos hábitos para as diferentes realidades. O uso de instrumentos, transformação (causal), propícia o estímulo do pensamento relacional entre, o instrumento e a meta. A utilização de instrumentos fortalece a consciência ao conceder um carácter de domínio sobre a realidade. É objecto social e mediador da relação entre o indivíduo e o mundo. Outro aspecto importante é que o uso de instrumentos viabiliza o pensamento abstracto, ou melhor, ao usar um objecto numa determinada actividade, podemos desencadear a construção de outros cenários. Esta situação requer uma consciência ―descontextualizada espacial e funcionalmente livre de situações fixas‖ [Oliveira, Marta K. 1995]. A consciência deverá ter a noção de futuras possibilidades. Por exemplo: se "a" fosse trazido para

R e c u r s o s M u l t im é d i a n a A l f a b e t i za ç ã o , L i t e r a c i a e I n s e r ç ã o S o c i a l | 43 cá, poderia ser usado de determinada forma para ocasionar "b". Porém, se o objecto não conseguir cumprir o seu objectivo, o indivíduo deverá experimentar ajustar a consciência para conseguir o pretendido. Nesta perspectiva, o nível de abstracção pode ser visto como um sistema porque implica a forma pela qual o conteúdo é assimilado.

Recordemos, que para Vygotsky os signos9são instrumentos psicológicos conduzidos pelo sujeito, ou seja, conduzem ao controle de acções psicológicas, seja do indivíduo em si ou de outras pessoas. Assim, os signos são ferramentas que "auxiliam nos processos psicológicos e não nas acções concretas, como os

instrumentos". Finalmente, ―os instrumentos – signos – são formas que utilizamos,

para nos auxiliarem no desempenho de actividades psicológicas‖ [Oliveira, Marta K. 1995]. Nesta óptica as Tecnologias de Informação e Comunicação, mostram ser os materiais com que o Homem realmente constrói a representação externa, e que mais tarde se juntarão à mente, sendo interiorizada. Isto é, num primeiro momento, o indivíduo executa actividades externas, que serão compreendidas pelas pessoas que estão à sua volta, de acordo com os significados culturalmente10 estabelecidos. Resumindo, o indivíduo deixa de se basear em signos externos e procura apoios nos recursos interiorizados (imagens, representações mentais, conceitos etc,). Assim, o formador é um apresentador do conhecimento, um facilitador de experiências e a sua tarefa pedagógica é criar situações de aprendizagem que facilitem a construção individual do conhecimento. Considera o conhecimento ―preexistente‖ para mediar o processo de construção do conhecimento. O formador encoraja os estudantes a desenvolverem os processos na procura de novos desafios. Como o conhecimento é adquirido sem uma norma definida, dificilmente existirá uma única solução para um problema, as abordagens metodológicas requeridas são mais reflexivas.