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De uma outra entrevista, Alexandre Castro-Caldas, a 1 de Abril de 2006 sustenta [Castro-Caldas, A 2006]:

2.2. O Ver e a Visão

“É necessário introduzir e desenvolver na educação o estudo das características cerebrais, mentais, culturais dos conhecimentos humanos, de seus processos e modalidades, das disposições tanto psíquicas quanto culturais que o conduzem ao erro ou à ilusão”.

Edgar Morin

Nos diferentes seres do género animal, devido à luta pela continuidade da espécie e adaptação ao meio ambiente, ao longo dos tempos, a formação do órgão e a acuidade visual sofreu modificações essenciais à sobrevivência das espécies. O olho é o mais desenvolvido instrumento de defesa. Somente o olho conserva competências que informam a distância, a direcção e a forma dos objectos. Ao longo dos tempos, grande parte do conhecimento humano, teve origem na percepção visual. Hoje, podemos afirmar que, a maioria das informações que o homem moderno recebe, chegam através de imagens. O homem de hoje é um ser predominantemente visual. É evidente, que se existem imagens é porque temos olhos. O envolvimento da nossa sociedade com imagens e artefactos, considerados objectos visuais, são cada vez em maior número. Os olhos encontram-se localizados ao nível do cérebro. O ver é comandado pelo pensamento numa acção determinada e de interpretação. Á medida em que o olho se detém e permanece diante do objecto, pode descobrir múltiplos pormenores e, ao longo do processo, recuperar um nível mais complexo de percepção. Ver com atenção significa entregar-se a um exercício de ver perspicaz e pessoal, numa tarefa onde o ver actua e é operativo, trata-se do processo de percepção. O homem moderno é um ser visual, cada vez mais, recebe mais informação e, através de imagens, existindo assim, cada vez mais informação visual. Nos meios audiovisuais, do cinema à informática, o visual aparece ligado ao auditivo; está ainda presente no visual da publicidade verbal, dos cartazes aos painéis luminosos. Assim, deduzimos que na sociedade contemporânea, caracterizada pela poluição de imagens, a educação visual deve propor, saber o que ver e como ver. O ver, a visão e a percepção são instrumentos de descoberta e transformação da realidade.

Como a aprendizagem da fala, ―ver‖ é a experiência que desenvolvemos em criança e na qual o significado das palavras da língua materna se vai pouco a pouco assimilando e enriquecendo num vocabulário personalizado. Aprende-se a ver como se aprende a falar, identificando e memorizando códigos, elementos, associando semelhanças, reconhecendo diferenças, delineando sentidos. Como a linguagem, a percepção visual é construída lentamente. Encontrar coerência nas manchas de cores e formas, depende de um ―vocabulário‖ visual ―apreendido‖ e memorizado, depende de um comportamento visual experimentado e entendido [Sacks, O. 1995] (cf, p.132). Trata-se, como descrito, do comportamento marcado pelo movimento visual na descoberta e exploração do mundo, num esforço para compreender as relações de distância, volume, dimensão e por vezes aludidas por alterações de cor e luz. Ver e desenhar objectos do mundo que nos rodeia são actividades normais. Para ver, como para desenhar é necessário destacar um ou vários objectos, de uma multiplicidade destes, existentes à nossa volta. Se estivermos parados, imóveis, o próprio limite físico do aparelho visual provoca o primeiro recorte. Com algum esforço, no máximo vemos os objectos, que se encontram 360° à nossa frente (e lateralmente). Em movimento, multiplicamos infinitamente o campo visual. Ao longe ou ao perto, podem surgir dificuldades na visão total. Perdemos o contorno e nitidez de objectos distantes, do mesmo modo que perdemos em objectos próximos. Apercebemo-nos de algo indefinido, por vezes apenas uma mancha de cor, nos casos de grandes distâncias ou proximidade. Peirce, citado por Umberto Eco, [Eco, U. 1976] refere a presença de um quali-signo. Distinguir objectos como um ―sin-signo‖ e nomeá-los usando um ―legi- signo‖, isto é, com a precisão de um código plural, instaura o homem como sujeito na sua cultura. Desenhar é um exercício onde sobressai o objecto do fundo. A mancha de cor, que distingue um objecto do fundo no qual se projecta ou o distingue de outros objectos, é ―visualizada‖ como uma massa com contornos, linhas de contorno que limitam o objecto e diferenciam o que ―é o objecto‖ daquilo que ―não é o objecto‖. As linhas de contorno são a primeira percepção da forma do objecto, ou melhor, da sua configuração. De certa forma esta linha de contorno projecta o objecto, transforma-o numa mancha bidimensional diferenciada e plana. É o movimento á volta do objecto, ou outras manchas mais subtis de luz e sombra, que proporcionam espessura, densidade, volume, profundidade, tridimensionalidade. Distinguir um objecto, ver um objecto e desenhá-lo, é o primeiro percurso da linguagem dita ―artística‖. Durante séculos a presença física

R e c u r s o s M u l t im é d i a n a A l f a b e t i za ç ã o , L i t e r a c i a e I n s e r ç ã o S o c i a l | 81 da forma plástica, de um plano delineado no espaço era condição de existência da arte. Actualmente novos recursos tecnológicos e semânticos têm provocado a ―desmaterialização‖ da arte, a construção de limite físico e massa de um objecto acontece como ―experimento‖ de pura virtualidade numérica (digital) ou apenas como uma imagem mental sugerida. A ausência do objecto, não raro, tem transformado a linguagem verbal que o suscita, numa meta-linguagem das artes visuais. Trata-se de uma saturação do signo, uma ausência do físico, do material e concreto que projecta na história um sujeito ―descorporificado‖, ausente como a obra que produz. Actualmente o desenho permanece como um recurso de registro, de indicação de objectos do mundo. As crianças desenham mostrando a aprendizagem das coisas, os adultos desenham em diálogo com outros adultos representando desejos, construindo mapas de endereços, mostrando direcções. O desenho é assim eleito como um preveligiado meio de comunicação e em termos de analfabetismo, um poderoso recurso para a aprendizagem e desenvolvimento.

Educar o ver, é educar para a compreensão. Como já foi referido, o mundo é preponderantemente visual. Na aprendizagem, devemos dar prioridade às experiências visuais. Para isso, é importante o olhar, narrar, descrever, analisar,

interpretar, ampliar, experimentar e criar, visando a construção de um olhar mais

sensível para as coisas do mundo. Ensinar arte educando o ver implica, nas diferentes etapas, levar o aluno a compreender que a cultura humana se constrói como derivado de um sujeito criador e que exprime algo de acordo com a sua história e percepção do contexto sociocultural. Assim, pode ser possível transmitir conhecimentos pela arte.