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A PEB e o Oriente Médio no final do século XX e início do século XXI

1 INTRODUÇÃO

2.3 UMA BREVE ABORDAGEM NA EVOLUÇÃO DAS RELAÇÕES BRASIL E

2.3.1 A PEB e o Oriente Médio no final do século XX e início do século XXI

Com o fim do regime militar em 1985, iniciou-se no Brasil um período de redemocratização, interligado posteriormente, ao desmoronamento do bloco soviético em 1989. No entanto, mesmo com a volta da democracia, os temas relacionados à política externa brasileira, não tiveram, inicialmente, alterações significantes se comparadas à PEB no final do regime, podendo dizer que a posição da diplomacia brasileira para o Oriente Médio

permanecera em continuidade à anterior. Segundo Silva e Pilla (2012, p.118-119), “o evento que impactou decisivamente a atuação externa do país, foi a transformação estrutural do sistema internacional após a derrocada da União Soviética e a afirmação dos Estados Unidos como a única superpotência do mundo.”

Durante esse contexto, a política externa brasileira nos anos 1990 alinhou-se novamente à potência norte-americana, provocando de acordo com Pecequilo (2010, p.197), “uma inflexão negativa na política africana e no Oriente Médio”, e alterou desta forma, um padrão de continuidade que vinha desde os anos 70.

Segundo Haffner e Vidal (2012, p.98), foram estabelecidas três metas para a PEB nos anos 90: “atualizar a agenda internacional do Brasil por conta do novo contexto internacional; construir um relacionamento alinhado com os Emirados Árabes Unidos; e negligenciar o perfil terceiro-mundista do Brasil.” Assim, em virtude da volta do bilateralismo, nota-se no final do século XX um “afastamento imediato” da política externa brasileira para o OM, consequentemente por uma participação menor, ou até mesmo, inexistente, em diversas conferências realizadas referentes aos conflitos no OM (SILVA; PILLA, 2012)35. Em verdade, como argumentam Silva e Pilla (2012, p. 122), “ao longo dos anos de 1990, [o Brasil] preferiu manter-se afastado dos principais temas envolvendo a região do Oriente Médio, como o processo de paz entre israelenses e palestinos.”

Em virtude da conjuntura no Iraque abalada pelo conflito entre o país e o Kuwait, os autores Silva e Pilla consideram que “no caso das relações com o Iraque de Saddam Hussein, o presidente Collor objetivava desvincular a imagem do Brasil à desse país árabe, o que significava uma profunda reversão no padrão de relações que vinha desde o governo Geisel [1974-1979].” (SILVA; PILLA, 2012, p.120). Por outro lado, nesse período, a posição brasileira para a região, mesmo que reduzida conforme apresentado anteriormente, ainda estava presente na agenda externa do Brasil, no entanto, não como prioridade e, principalmente, ao redor da órbita norte-americana. Segundo Barreto, Celso Lafer ao ser nomeado para Ministro das Relações Exteriores em 1992 observara que o Brasil, durante os últimos anos, mantivera com os países árabes:

[...] ‘relações fluidas e produtivas’ já havia algum tempo, ‘sobretudo no campo da exploração de vantagens de complementaridade no comércio de petróleo e de serviços’. Referindo-se a Israel, expressou haver um ‘horizonte promissor, inclusive na área de cooperação científica e tecnológica’ após o novo quadro político que se seguiu à eleição do governo trabalhista naquele país (BARRETO, 2012, p.211).

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Deve-se ressalvar que a posição brasileira perante o conflito entre Iraque e Kuwait nos anos 90, foi de desaprovação, conforme posição de todos os membros do Conselho de Segurança da ONU, sem, contudo, participar de ações militares contra a região (SILVA; PILLA, 2012, p.120-121).

Com a queda do Presidente Collor em 1992, consequentemente, com a ascensão do Presidente Itamar Franco (1993-1995), o panorama da política externa se altera e retoma, mesmo que por um curto período, à tradição global-multilateral. Segundo Barreto (2012, p. 260), nesse período o Brasil assinou acordos de cooperação econômica e comercial com os países da região, tais como com os EAU. No entanto, a tradição novamente é interrompida pelo bilateralismo em 1995, quando há a ascensão de FHC ao poder (PECEQUILO, 2010, p.197-199). De acordo com Silva (2009, apud Silva e Pilla, p.122), a PEB de FHC “seria caracterizada por um retorno ao paradigma neoliberal que orientara o governo Collor, mantendo, contudo, algumas condutas estabelecidas durante o governo Itamar.” Dessa forma, é mantida uma relação prioritária com os EUA e a interação brasileira com os países do OM, permanece a mesma estabelecida no governo de Collor, isto é, centrada no reflexo da atuação da potência americana.

Durante a presidência de FHC, considera-se que a diplomacia brasileira mostrou- se contraditória em alguns cenários relacionados ao OM. Como argumentam Silva e Pilla (2012, p. 122), “o longo de 1998, o governo brasileiro havia sido procurado pelos EUA, com o objetivo de ganhar apoio para uma eventual manobra militar contra o país árabe [Iraque]”, no entanto, enquanto a representação diplomática brasileira na ONU acreditava resolver de maneira diplomática os conflitos presentes no Iraque naquele ano, o Ministro das Relações Exteriores no Brasil, Luiz Felipe Lampreia (1995-2001), considerava que o Brasil estaria disposto a concordar com uma ação militar, conforme os Estados Unidos pretendiam (SILVA; PILLA, 2012, p.122). Além disso, o ministro ressaltava que na relação brasileira com o Oriente Médio era indispensável ter cautela, apoio imparcial e observação atenta, visto que para ele a região representava uma área bastante volátil (LAMPREIA, 1996 apud BARRETO, 2012, p.451).

Segundo Pecequilo (2010, p.201), durante os oito anos de gestão de FHC, considera-se uma “oscilação entre as tradições bilateral hemisférica e global multilateral, [revelando na segunda gestão] uma tendência à recuperação da global multilateral e ao reequilíbrio dos eixos vertical e horizontal.” Desta forma, em virtude da iniciativa do MRE em realizar encontros comerciais com os países árabes, tais como o seminário – “Relações entre o Brasil e o Mundo Árabe: construções e perspectivas” –, ocorrido em Brasília no ano 2000, a política externa brasileira no início do século XXI, é marcada por um período de reaproximação, seja para fins econômicos ou comerciais, com a região. Por outro lado, nota- se nos últimos anos da gestão de FHC uma preocupação também diplomática, em virtude do suporte ao Oriente Médio, principalmente perante o conflito árabe-israelense, prevalecendo

ainda o apoio brasileiro para a criação do Estado Palestino, e também a existência do Estado de Israel em fronteiras reconhecidas (BARRETO, 2012, p.643). Em verdade, Barreto (2012, p.635) explica que o governo de FHC “reiterou que o direito à autodeterminação do povo palestino e o respeito à existência de Israel como Estado soberano, livre e seguro são essenciais para que o Oriente Médio possa reconstruir seu futuro em paz”, assim, nesse momento, a diplomacia brasileira defendia a volta do processo de paz, consequentemente, suspensão dos atentados e terrorismo presentes naquele território. Segundo Barreto:

[O Itamaraty] declarou que o Brasil estava pronto ‘a atuar, uma vez mais, como

tertium inter partes, promovendo de forma ativa a cooperação internacional para a

paz.’ Observou que os brasileiros tinham ‘um desconforto natural diante do discurso do choque de civilizações’, que contrariava a essência do país (BARRETO, 2012, p.641).

Dessa maneira, segundo Silva e Pilla, conclui-se que “os três últimos anos do mandato do presidente Cardoso foram [interligados às relações horizontais e], marcados por um crescimento contínuo dos fluxos comerciais entre o Brasil e o Oriente Médio.” (SILVA; PILLA, 2012, p. 123).

É no contexto conturbado pelo pós 11 de Setembro, pela invasão EUA contra o Iraque e pelos novos conflitos entre Israel e Palestina que se encerrou a gestão de FHC em 2002 e tomou posse o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2003. Nesse momento, o aumento e a diversificação de parcerias políticas, econômicas e comerciais tornaram-se meta estratégica da atuação externa brasileira, isto é, os princípios da tradição global-multilateral, representados pela dimensão terceiro-mundista da política externa, ganharam evidência outra vez na evolução da PEB e recuperaram, dessa forma, seus espaços em regiões antes frequentadas (PECEQUILO, 2010, p.268).

Diante do objetivo de fortalecer a posição brasileira no contexto internacional, Silva e Pilla (2012, p.124) explicam que “a política externa de Lula da Silva buscou articulações variadas com diversos países do mundo”, as quais fizeram a presença brasileira fortalecer mais uma vez na região do Oriente Médio. Em verdade, Silva e Pilla (2012, p.125) argumentam que esta modificação na PEB já esteve presente durante o primeiro ano de ascensão de Lula, quando o Presidente “fez uma importante visita à região [do Oriente Médio], que incluiu cinco países: Síria, Egito, Emirados Árabes Unidos (EAU), Líbia e Líbano”, e iniciou-se ali o primeiro passo para uma intensificação das relações com a região, todavia, sem afetar o relacionamento com o Estado norte-americano.

Portanto, com a finalidade de construir oportunidades de negócios entre as regiões América do Sul e Oriente Médio, o governo de Lula “esforçou-se para realizar uma cúpula que envolvesse países árabes e sul-americanos.” (SILVA; PILLA, 2012, p.125). Assim, em 2005 aconteceu na cidade de Brasília, a primeira Cúpula América do Sul-Países Árabes (ASPA) que reuniu 34 países, sendo 22 árabes e 12 sul-americanos (BRASIL, 2012C). Os principais pontos do encontro foram:

[...] o fortalecimento da cooperação bi-regional, das relações multilaterais, da paz e da segurança, da cooperação cultural, da cooperação econômica, do comércio internacional, do sistema financeiro internacional, do desenvolvimento sustentável, do desenvolvimento da cooperação Sul-Sul, da cooperação em ciência e tecnologia, da sociedade da informação, da ação contra a fome e a pobreza, [...] do desenvolvimento e temas sociais e do mecanismo de cooperação (BRASIL, 2012H).

Para o MRE a Cúpula tinha como finalidade principal enfatizar as parcerias comerciais, estreitando relações de cooperação com as duas regiões, para “estabelecerem uma parceria em prol do desenvolvimento, da justiça e da paz internacional.” (BRASIL, 2012B). Todavia, os países árabes desviaram, e muito, o assunto do encontro, prevalecendo os ideais políticos sobre os econômicos e comerciais. De qualquer maneira, segundo Cervo (2005C, p.3), “a cúpula serviu para testar a capacidade de o Brasil correr riscos”, visto que a comunicação e relação com a região do OM sempre foi vista como conturbada no cenário internacional, além disso, de acordo com Manzur (2005, p.6) pode-se ainda considerar como benefícios desse encontro:

[...] o incremento da cooperação sul-sul bilateral e multilateral (para além do âmbito econômico comercial), o que poderia favorecer o planejamento e execução de ações conjuntas em prol da promoção da paz mundial e, talvez, um apoio mais abrangente à proposta brasileira de reforma do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas, com o Brasil passando a ser membro permanente.

Considera-se que durante a gestão do Presidente Lula, diversos encontros e conferências voltadas ao Oriente Médio, tiveram a participação brasileira, tais como a Conferência de Annapolis36, a Conferência dos Doadores em apoio à Economia Palestina para a Reconstrução de Gaza37 e como membro rotativo do Conselho de Segurança da ONU (SILVA; PILLA, 2012, p.126). Além disso, após a primeira Cúpula da ASPA diversos acordos foram fechados, o que refletiu, segundo Silva e Pilla, “num aumento do comércio

36Realizada em 2007 na cidade de Annapolis, Estados Unidos, com objetivo de retomar o processo paz no Oriente Médio.

37Realizada em 2009 na cidade Sharm El-Sheik, no Egito, com objetivo de reconstrução de Gaza e apoio econômico à Palestina.

entre o Brasil e os países árabes, de US$ 5,48 bilhões em 2003, ano em que a ideia da ASPA foi lançada, para US$ 19,58 bilhões em 2010.” Dessa forma, em virtude da importância da primeira Cúpula em 2005 e em continuidade à aproximação com os países árabes, no ano de 2009 aconteceu a segunda Cúpula da ASPA na cidade de Doha e o terceiro encontro, previsto para ter acontecido em 2011 no Peru, precisou ser adiado devido às manifestações presentes na região do Oriente Médio (SILVA; PILLA, 2012, p.125).

Indicando que a gestão atual da Presidente Dilma Rouseff ainda permanece com os princípios multilaterais presentes no governo antecedente, o terceiro encontro entre os países árabes e sul-americanos iniciou-se em outubro deste ano (2012) na cidade de Lima, o qual não será tratado neste trabalho por se encontrar em andamento. No entanto, de acordo com as notícias atuais, observa-se que muito dos objetivos comerciais e políticos oriundos da primeira Cúpula prevalecem, e novos assuntos, principalmente, referentes à paz na região, serão muito comentados em função de o encontro ser após o início das manifestações árabes em 2010. Assim, segundo o atual Ministro das Relações Exteriores, Antonio de Aguiar Patriota, as diretrizes atuais do Itamaraty com respeito às relações com os países árabes serão de continuidade ao trabalho de aproximação do Brasil com o mundo árabe no governo precedente, tendo participação ativa em encontros como a Cúpula da ASPA. Segundo o Embaixador Patriota:

A ASPA é um mecanismo inovador, que tem aproximado as duas regiões em torno de uma agenda positiva de cooperação, comércio, investimentos, conhecimento mútuo, valorização da contribuição do mundo árabe na nossa cultura, na nossa identidade, e também de despertar junto ao povo, à população da sociedade civil dos países árabes o interesse pela América do Sul, que é uma região de oportunidades, de crescimento econômico, com inclusão social, de estreitar relações com uma parte do mundo muitas vezes associada a uma agenda negativa. O interessante da Aspa é que associa o mundo árabe a uma agenda exclusivamente positiva (OPERA MUNDI, 2012A).

Dessa forma, verifica-se no final do século XX e andamento do século XXI uma intensa aproximação da política externa brasileira para a região árabe, sem, contudo, afetar a relação com Israel e abandonar a relação tradicional vertical. Assim, deve-se considerar que a política externa brasileira atual, marcada tanto pela tradicional relação vertical quanto pela horizontal, é caracterizada conforme Pecequilo (2010, p.203), por uma “combinação dos eixos da política externa brasileira.” A autora explica que:

As Relações Internacionais são percebidas de uma forma não excludente, nas quais o reforço do eixo Sul atua simultaneamente como reforço do eixo Norte [...] os eixos não somente se combinam, como se complementam, agregando assertividade e

confiança à diplomacia, que amplia suas alternativas e possibilidades de ação internacional (PECEQUILO, 2010, p. 204 e 205).

Apresentadas as tradições da política externa brasileira e a relação do Brasil com o Oriente Médio, principalmente nos últimos anos, a seguir, são apresentados os movimentos populares no mundo árabe, ocorridos no final de 2010 e início de 2011, que foram convencionados a serem chamados de Primavera Árabe.

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