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CAPÍTULO II POLÍTICA, EDUCAÇÃO, SOCIEDADE E ESCOLA: O ESTIGMA

2.3 OUTRAS REFERÊNCIAS DA RELAÇÃO AUTORITÁRIA NA ESCOLA

2.3.3 A Pedagogia tecnicista

O escolanovismo começou a apresentar evidentes sinais de exaustão na primeira metade do século XX, e, com isso, as esperanças depositadas na reforma da educação frustraram-se e, por conseguinte, restou frustrada a reforma educacional; um sentimento de desilusão passou a se espalhar e a reinar nos meios educacionais.

A pedagogia nova, ao mesmo tempo em que se tornava dominante, como concepção teórica repleta de virtudes e nenhum vício, revelou que a pedagogia tradicional, tida como a portadora de muitos vícios e nenhuma virtude, na prática, mostrou-se incapaz em face da questão da marginalidade. Foi aí que, de um lado, começou a tentativa de se desenvolver uma espécie de Escola Nova Popular, tendo por base as pedagogias de Freinet e de Paulo Freire; de outro lado, acentuava-se a preocupação com os métodos pedagógicos presentes no escolanovismo que desembocaram na eficiência instrumental (SAVIANI, 2003), então, deu-se início a articulação de uma nova teoria educacional que ficou conhecida com a pedagogia tecnicista.

Pensando na neutralidade científica e inspirada nos princípios de racionalidade, eficiência e produtividade, tornou-se necessária uma pedagogia que se preocupasse com a reorganização do processo educativo de maneira a torná-lo objetivo e operacional. Dessa forma, o trabalhador deveria se adaptar ao processo de trabalho, cujos desafios eram dominar a tecnologia. De certa forma o trabalhador estava sendo desafiado a lidar com mecanismos complexos de produção, pois se via na obrigatoriedade de ocupar seu posto na linha de montagem, que agora exigia um conhecimento técnico.

Com o advento daquilo que se chamou de pedagogia tecnicista, “buscou-se planejar a educação de modo a dotá-la de uma organização racional capaz de minimizar as interferências subjetivas que pudessem pôr em risco sua eficiência” (SAVIANI, 2003, p. 12).

Tornou-se imperiosa uma prática pedagógica que pensasse na operacionalização do processo do ensino. Por conta disso, seria inevitável a proliferação de propostas pedagógicas

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com o enfoque sistêmico, o microensino, o tele-ensino, a instrução programada, as máquinas de ensinar entre outros mecanismos necessários para racionalizar e (ou) padronizar o sistema de ensino a partir de esquemas de planejamento previamente reformulados para ajustar as diferentes modalidades de disciplinas e práticas pedagógicas.

É importante ressaltar que se na pedagogia tradicional a iniciativa era de inteira responsabilidade do professor, o único sujeito do processo, por se constituir como o elemento principal nas decisões do processo, e se na pedagogia nova a iniciativa do processo recai sobre o aluno, o nervo da ação educativa na relação educador-educandos, na pedagogia

tecnicista o foco maior passa a ser a organização racional dos meios. Diante disso, o educador

e o educando ocupam posições secundárias que os reduzem a meros executores de processo, sendo que a tarefa de planejar, coordenar e o controle ficam à disposição de especialistas, aparentemente habilitados, neutros, objetivos, imparciais. Assim, o processo podia garantir a eficiência, compensando e corrigindo as deficiências do educador e maximizando os efeitos de sua intervenção.

Enquanto na pedagogia nova o educador e educando têm a liberdade de adotar ou não os meios a serem utilizados, na pedagogia tecnicista a situação se inverte. É o processo que desafia os educadores e os educandos a definirem o que devem fazer, quando e como o farão. Na pedagogia tecnicista a marginalização não recai sobre o ignorante, mas o marginalizado será o incompetente tecnológico, o ineficiente ou improdutivo por não dominar a tecnologia. Para a pedagogia tradicional, o importante é o aprender, enquanto para a pedagogia nova os sujeitos devem aprender a aprender, e o lema da pedagogia tecnicista é o de que os sujeitos aprendam a fazer, por isso devem dominar a tecnologia (SAVIANI, 2003).

A pedagogia tecnicista, tal como exposta, contribuiu para a reorganização das escolas, o que redundou no crescente processo de burocratização. Na medida em que o processo da racionalização se acelerava, o aprender a fazer dominava o interesse pela forma de funcionamento do sistema fabril e a educação perdia de vista sua principal função de formar cidadãos e passou a valorizar o processo produtivo, que se dava de modo indireto e por meio de complexas mediações.

Desviando-se das atividades-fim para as atividades-meio, o sistema da educação pautada na perspectiva tecnicista de ensino afetou a América Latina, por conta de recursos sabidamente escassos destinados ao setor educativo. Além do mais, uma boa parte dos programas internacionais que se dispunham a implantar tecnologias de ensino, tinha por detrás, de forma velada, os próprios interesses como, por exemplo, a venda de artefatos

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tecnológicos obsoletos aos países periféricos (MATTELART apud SAVIANI, 2003). Dessa maneira, a pedagogia tecnicista acabou por contribuir para o caos no campo da educação por gerar o nível de “descontinuidade, de heterogeneidade e da fragmentação, que praticamente inviabiliza o trabalho pedagógico”, conforme Saviani (2003, p. 15). Agravou-se a marginalidade, porque o conteúdo do ensino tornou-se ainda mais rarefeito, e a ampliação de vagas irrelevante, por conta dos altos índices de evasão escolar e repetência.

Em suma, antes que suscitam indagações acerca da inclusão da contribuição de Saviani, um dos defensores do pensamento histórico crítico, em pesquisa cujo enfoque é a concepção pedagógica freireana, não trouxe nenhum prejuízo ao trabalho. Aliás, é importante esclarecer que os ideais de Saviani e Paulo Freire convergem. A emancipação humana está presente nos dois. Portanto, seria uma ingenuidade dispensar a contribuição de Saviani por conta de sua opção filosófica.

No campo da educação a contribuição filosófico-pedagógica de Paulo Freire extrapola limites fronteirícios. Seu ideário pedagógico deixou de ser um patrimônio nacional ou continental e passou a pertencer a toda a humanidade, contagiando não apenas o sistema educacional brasileiro ou latino-americano, como também, sem exceção, a educação no âmbito mundial. Prova disso, as discussões pedagógicas em torno do pensamento do educador pernambucano estão presentes em diversas universidades de diferentes países.

No campo da educação, a literatura freireana instiga educadores e educadoras a despojarem-se do sentimento egoísta acerca do ideário pedagógico de Paulo Freire. Toda a comunidade acadêmica deve partilhar os escritos de Paulo Freire, despindo-se das barreiras territoriais.

A alegria nos contagia só de saber que em diversas universidades espalhadas pelo Brasil e pelo mundo afora é possível encontrar linhas de pesquisas que se dispõem a estudar o pensamento pedagógico-filosófico de Paulo Freire. Diante do interesse em torno do seu pensamento, só nos resta confessar que carecemos de tempo para analisar um maior número de obras de sua autoria. Carecendo desse tempo, pareceu-nos coerente e viável incluirmos na lista das obras analisadas mais dois livros, conforme destacamos a seguir.