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Política, educação e sociedade : a atualidade da pedagogia freireana na superação dos estigmas autoritários nas relações escolares no Brasil

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Academic year: 2021

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À Maria Lueta Alberto, minha querida esposa e aos meus amados filhos Dingloy, Guiguina, Helezescky e Maluzzy, razão da minha insistente luta, pela dedicação, colaboração e pelo incentivo que sempre dispensaram.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, pela oportunidade, proteção e capacitação no decorrer de toda minha vida.

Aos meus pais Alberto Paca (in memoriam) e Madalena Samba, meus primeiros alfabetizadores pela dedicação, incentivo e compreensão.

Ao meu amigo e orientador Professor Dr. César Apareciddo Nunes, com quem tive o privilégio de conviver nesses últimos quatro anos, minha eterna gratidão pela sua prestativa e dedicada colaboração na elaboração desta pesquisa. Ao caro e inesquecível professor, a quem tenho o privilégio de conhecer, serás o meu eterno orientador.

Aos professores Dr. Sílvio Sanchez Gamboa e Dr. Valério José Arantes, por suas valiosas contribuições no transcorrer de toda a produção deste texto, minha admiração e gratidão.

Aos professores Dr. Marcelo Donizete da Silva, Dra. Claudia Ramos de Souza Bonfim, Dra. Luciana Barbosa Gerbasi, por suas contribuições na banca da defesa desta Tese, minha gratidão.

Aos meus filhos Dingloy, Guiguina, Helezescky e Maluzzy e à minha esposa Maria Lueta Alberto, por compreenderem minha ausência no convívio familiar.

À família Bueno, em especial ao casal Salomão e Josélia, que com carinho me adotou como filho, ajudando-me naquilo que sempre esteve ao seu alcance.

A todos os professores de todo o sistema educacional brasileiro, guerreiros incansáveis e destemidos que transformam o salário em um milagre para sustentar a família, ainda que a duras penas, os meus parabéns.

Aos colegas e aos professores do Programa de Pós-Graduação da UNICAMP-SP, pela convivência nas salas de aulas, nos grupos de estudos e na participação das discussões nos Seminários de discussões para a elaboração dos projetos de teses, minha eterna gratidão.

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Aos funcionários e funcionárias do Programa de Pós-Graduação em Educação, que com carinho nos atendem e nos orientam no desenvolver de nossas atividades, nossa eterna admiração.

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E não vos conformeis com este século, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente, para que experimenteis qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus

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RESUMO

A presente pesquisa tem como objetivo discutir as relações entre Política, Educação e Sociedade, sob a perspectiva freireana de ensino, visando à superação dos estigmas autoritários das relações escolares no Brasil atual. A pesquisa é bibliográfica e documental, realizada com base nas referências disponíveis no acervo geral de pesquisa na área da Educação, sobretudo em algumas obras de Paulo Freire e na literatura de outros autores que estudam a temática. Aborda os fundamentos filosóficos e históricos da educação brasileira, contextualizações políticas da conjuntura brasileira (1958-1996), período da atuação efetiva de Paulo Freire nas discussões da educação e as implicações da relação autoritária na escola e no autoritarismo político, econômico e cultural. Justifica-se o resgate histórico da trajetória da educação brasileira, definindo a educação emancipatória, educação bancária e alienação. Descreve analiticamente a biografia de Paulo Freire, com a intenção de compreender o significado de seu pensamento pedagógico na tradição política da educação brasileira. Enuncia e esclarece os conceitos como política, educação, sociedade, desmitificando o estigma da relação autoritária na educação escolar brasileira e seus fundamentos. Parte da questão: Por que somos organicamente autoritários? O pensamento freireano ajudou no entendimento e na análise dos movimentos sociais e dos novos sujeitos emergentes. Apresenta perspectivas e contradições da relação política, educacional e curricular na conjuntura brasileira, com o enfoque nas conquistas sociais e políticas advindas das legítimas e justas reivindicações populares, bem como os inegáveis avanços e limites da educação brasileira recente (1996-2014), uma fase de vida caracterizada pela debilidade física que impossibilitou Paulo Freire de participar intensamente nos debates educacionais e a luta dos diferentes movimentos sociais. Constitui a tipologia da relação pedagógica democrática e participativa, a partir das obras de Paulo Freire e sua contribuição diante da relação autoritária na escola e sociedade.

Palavras-Chave: Educação. Práxis. Emancipação. Democracia. Cidadania. Movimentos

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ABSTRACT

This research aims to discuss the relationship among Policy, Education and Society in the education of Freire's perspective, in order to overcome the authoritarian stigmas school relations in the actual Brazil. The research is literature and documents held on the basis of references available in the general library of Education, especially in the works of Paulo Freire and literature of other authors who deal with the subject. Discusses the philosophical and historical foundations of Brazilian education, political contextualization of the Brazilian situation (1958-1996), period of effective action of Paulo Freire in educational discussions and the implications of the authoritarian relationship in school and the political, economic and cultural authoritarianism. Justifies the historical rescue of the trajectory of Brazilian education setting the emancipatory education, banking education and alienation. Describes analytically Paulo Freire's biography, aiming understand his pedagogical thinking in the political tradition of Brazilian education. Lists and clarifies concepts such as politics, education, society, demystifying the stigma of authoritarian relationship in Brazilian school and its grounds. Part of the question: Why we are organically authoritarian? The Freire's thought helped in the analysis and understanding of social movements and the new emerging subjects. Intend to present the perspectives and contradictions of political relations, educational and historical in the Brazilian context, focused in the social and political achievements resulting legitimate and fair popular demands, and also the undeniable progress and limits of recent Brazilian education (1996-2014), a phase of life marked by physical weakness precluding Paulo Freire to participate actively in educational debates and the struggle of different social movements. It constitutes the type of democratic and participatory pedagogical relationship, from the works of Paulo Freire and his contribution facing the authoritarian relationship in school and society.

Keywords: Education. Conduct. Emancipation. Democracy. Citizenship. Social Movements.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

BIRD Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento EPL Educação como prática da liberdade

FMI Fundo Monetário Internacional

GV Getúlio Vargas

ICIRA Instituto Chileno para a Reforma Agrária LDB Lei de diretrizes e bases da educação OMC Organização Mundial do Comércio PNE Plano Nacional da Educação

PNEDH Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos PO Pedagogia do oprimido

PUC-SP Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

UNESCO Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura Unicamp Universidade Estadual de Campinas

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 1

CAPÍTULO I - FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E MATRIZES POLÍTICAS DA CONJUNTURA BRASILEIRA (1958-1996) E A EMERGÊNCIA DA CRÍTICA FILOSÓFICA E POLÍTICA DE PAULO FREIRE (1921-1997) ... 14

1.1 MATRIZES HISTÓRICAS ... 14

1.2 BIOGRAFIA ANALÍTICA E INTERPRETATIVA DE TRAJETÓRIA DE PAULO FREIRE ... 30

1.3 LEITURAS E POSSIBILIDADES DA COMPREENSÃO DO PENSAMENTO FREIREANO NA TRADUÇÃO POLÍTICA DA EDUCAÇÃO ... 39

CAPÍTULO II - POLÍTICA, EDUCAÇÃO, SOCIEDADE E ESCOLA: O ESTIGMA DA RELAÇÃO AUTORITÁRIA NA TRADIÇÃO ESCOLAR BRASILEIRA ... 45

2.1 POR QUE SOMOS AUTORITÁRIOS NAS RELAÇÕES SOCIAIS E ESCOLARES? . 46 2.2 A LEITURA DE PAULO FREIRE SOBRE A RELAÇÃO AUTORITÁRIA NA TRADIÇÃO ESCOLAR BRASILEIRA ... 51

2.2.1 Na pedagogia do Oprimido ... 52

2.2.2 Na pedagogia da Autonomia ... 56

2.2.3 Na pedagogia da Esperança ... 59

2.2.4 Na educação como prática de liberdade ... 61

2.3 OUTRAS REFERÊNCIAS DA RELAÇÃO AUTORITÁRIA NA ESCOLA ... 64

2.3.1 A Pedagogia tradicional ... 67

2.3.2 A Pedagogia nova ... 68

2.3.3 A Pedagogia tecnicista ... 70

2.3.4 Pedagogia do compromisso ... 72

2.3.5 Pedagogia: diálogo e conflito ... 75

2.4 A CULTURA AUTORITÁRIA NA ESCOLA E SUAS POSSÍVEIS SUPERAÇÕES: DEMOCRACIA, EMANCIPAÇÃO E DIREITOS SOCIAIS ... 77

2.4.1 Os novos direitos civis no Brasil ... 79

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2.4.3 Paulo Freire e o avanço dos movimentos sociais e populares na conjuntura

brasileira ... 85

CAPÍTULO III - HORIZONTES ATUAIS DA EDUCAÇÃO NO BRASIL (1996-2014): OS MOVIMENTOS E IDEIAIS DE SUPERAÇÃO DO ESTIGMA DA DOMINAÇÃO90

3.1 AVANÇOS E LIMITES DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA RECENTE (1996-2014) ... 93 3.2 TIPOLOGIA DA RELAÇÃO PEDAGÓGICA DEMOCRÁTICA E PARTICIPATIVA A PARTIR DE PAULO FREIRE ... 97 3.3 PARA ALÉM DA RELAÇÃO AUTORITÁRIA NA ESCOLA E SOCIEDADE: O PAPEL PROTAGONISTA DO EDUCADOR ... 103

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 108 REFERÊNCIAS ... 116

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INTRODUÇÃO

Esta pesquisa busca discutir política, educação e sociedade na atualidade da pedagogia freireana, com o propósito de oferecer ferramentas que contribuam para a superação dos estigmas educacionais reinantes nas relações escolares no Brasil atual. Assim, a discussão sobre a temática é feita a partir de perspectivas emancipatórias, tendo por base o pensamento do filósofo e educador brasileiro Paulo Reglus Neves Freire.

Atualmente, a educação brasileira – e igualmente a concepção de educação em todo o mundo – passa por momentos de profunda transformação. São momentos que exigem um olhar crítico sobre a trajetória das sociedades humanas, sobretudo, os educadores e as educadoras. É urgente a adoção de uma educação firmada na concepção pedagógica emancipadora. Não há tempo a perdermos. Formar professores e professoras altamente qualificados tornou-se uma necessidade imperiosa para a educação. O tempo é o de superar as

situações-limites1 que até certo ponto nos imobilizam e, por conseguinte, tornam a prática docente pesada a ponto de roubar o encanto da profissão. Assim, discutir as políticas públicas da educação, sua democratização e capacidade de compreender as legítimas reivindicações dos movimentos sociais, bem como o surgimento dos novos sujeitos emergentes, no Brasil atual, desafia o sistema educacional a conscientizar-se da responsabilidade que está à espera dos educadores e das educadoras diante desse vir-a-ser histórico.

Toda pesquisa nasce de uma motivação existencial. Desse modo, a título de contextualização dessa nossa motivação para efetuar a presente reflexão, precisaremos resgatar os fios de nossa memória e realidade histórica, política e cultural. Retomamos aqui as experiências de convívio numa tradição marcadamente autoritária, pela característica de uma relação colonial, a partir da realidade profissional de nosso país de origem, Angola.

O objetivo é elencar as razões que deram origem à temática abordada, pois nenhuma pesquisa acadêmica é fruto do acaso. “O problema constitui o eixo central do projeto de pesquisa”, lembra-nos Gamboa (2010, p. 105). A partir de um problema é possível à realização de uma pesquisa. Se concordarmos com Lukács (2003), podemos afirmar que tudo o que acontece na humanidade é responsabilidade de um sujeito, portanto está comprometido a algo ou alguém.

1Segundo Perdigão (2001, p. 545) situações-limites é um conceito, apesar de estar presente na literatura da

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A fundamentação teórica da pesquisa se pauta na concepção pedagógica freireana de ensino, porque Paulo Freire defende uma educação da inclusão e que respeita as vivências dos sujeitos do processo. Valoriza suas histórias de vida e suas experiências profissionais, sem, contudo, preteri-las. Assim, a memória e a trajetória docentes apresentadas na forma inicial de um esboço autobiográfico, reforçam o pensamento de uma narrativa simultaneamente histórica e reflexiva de uma trajetória docente oriunda de uma prática docente autoritária.

Sem dúvidas, como professores leigos, na época, carecíamos de uma formação acadêmica e docente sólida. Nada mais poderíamos oferecer à educação, além de uma prática pedagógica antidiálogica. A reação autoritária da nossa parte talvez fosse a forma mascarada de esconder a insegurança do despreparo profissional. Logo, o autoritarismo nas relações escolares parecia-nos um excelente mecanismo para sustentar falsamente nossa prática docente. Hoje, olhando para trás, principalmente nas consequências provenientes de uma prática educativa violenta e desumana, só resta-nos admitir que estávamos equivocados, alienados e distantes de uma concepção pedagógica libertadora e cidadã.

Iniciamos o estudo destacando nossa trajetória docente pessoal, porque Sartre (apud MEMMI, 1967, p. 4) entende que é possível “esclarecer os outros falando de si mesmo”. Nessa mesma direção Freire (2008, p. 13) diz: “Nada mais convincente do que os fatos da vida real. O objetivo principal, para mim, é que a teoria consiga abranger o cotidiano”. Com essa fala, sentimo-nos impulsionados a inserir no estudo história de vida pessoal, transformando a pesquisa em um momento terapêutico, pois podemos voltar no tempo e refletir o porquê do exercício de uma prática educativa autoritária, ao invés de libertadora.

O processo decorrente da realização da pesquisa foi importante, pois permitiu que compreendêssemos quem somos para explicar melhor a origem da temática abordada. Temos consciência de que é difícil expor a história de uma vida na sua totalidade em poucas linhas de um estudo ou pesquisa. Mas, escrever a própria trajetória de vida e das experiências docentes distantes de uma prática pedagógica dialógica e libertadora, embora doloroso, foi um ato de coragem que nos presenteou com uma terapia gratuita, pois, ao fazê-lo, lembranças de fatos que marcaram uma vivência toda vieram à tona. São momentos importantes da vida gravados na memória que sequer lembrávamos mais. Assim, a realização da pesquisa foi, de fato, uma oportunidade para compartilhar experiências de superação das dificuldades docentes de uma prática educativa autoritária exercida por muitos e longos anos.

Apesar dos traumas provenientes das lembranças já mencionadas, devemos ressaltar que foi de suma importância descrever a própria memória e história de vida, relatando

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experiências docentes ainda que de maneira desordeira ou fragmentada. O momento da pesquisa ganhou significado, porque a medida que “paramos para olhar para nós mesmos, é quase impossível continuar andando pela vida da mesma forma, simplesmente porque a própria história nos carrega em leituras compostas de fragmentos de nós e, também, dos outros” (TATIANA, bolsista IC, apud ABRAHÃO, 2008, p. 460).

Ora, discutir a temática numa perspectiva freireana de ensino talvez seja o prenúncio da superação de um pensamento ingênuo para o crítico, pois é responsabilidade da educação instigar educadores e educandos a superar o pensamento ingênuo e alienado para o conhecimento sistematizado. Mediante o pensar crítico, os sujeitos do processo conseguem perceber que a realidade do mundo em que estão inseridos não é algo estático, mas mutável. O ontem deixa de ser o hoje e o hoje longe de ser o amanhã. Portanto, o saber ingênuo, um saber oriundo das experiências empíricas dos educandos deve dar lugar ao saber sistematizado produzido pela curiosidade epistemológica, conhecido como o labor científico sistematizado.

A inclusão da memória, história e trajetória docente críticas do autor não atenua em hipótese alguma a complexidade da ciência, pois, segundo Severino (2002, p. 176), o memorial não pode ser transformado “numa peça de autoelogio nem numa peça de autoflagelo”, mas deve “retratar com segurança possível, com fidelidade e tranquilidade, a trajetória real que foi seguida, que sempre é tecida de altos e baixos, de conquista e de perdas. Relatada com autenticidade e criticamente assumida, nossa história de vida é nossa melhor referência”.

A leitura crítica das obras de Paulo Freire (EPL, 1975, 107; PO, 1983, 91) corroborou para que percebêssemos que “a conscientização permite ao homem articulação das distinções homem/mundo, sujeito/objeto e sujeito/sujeito, possibilitando que reflita sobre essas apreensões da realidade e encontre novos critérios para orientar a sua ação” (COSTA, 2010, p. 48), fazendo com que a educação assuma o papel de agente da transformação, cujo objetivo é levar os sujeitos do processo a perceberem sua capacidade de superar as adversidades da vida que os coloca na condição de meros objetos-mercadoria.

Conhecendo as origens do autor. Nasci em Quinvuenguete, uma aldeia situada no norte de Angola, no Estado do Uige. O nome da aldeia talvez sequer exista no mapa daquele país, mas foi ali que aprendi a lidar com as adversidades de uma vida dura e penosa que me aguardava. Pertenço à etnia dos bakongos, portanto kikongo, uma língua estranha e restrita, falada apenas por uma minoria dos angolanos, precisamente nos estados do Uige e de Mbanza Kongo é a minha língua materna (ALBERTO, 2010).

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Sou fruto de um sistema escolar de ensino mnemônico, coercitivo, seletista, racista, mecanicista e impositivo, que ignorava de todas as formas o conhecimento e as experiências dos educandos. O processo de ensino girava em torno do que fora estabelecido pelo sistema educacional português. Os portugueses transformaram a educação numa ferramenta em potencial para oprimir os diferentes “na medida em que deixavam em cada homem a sombra da opressão que o esmaga” (FREIRE, 1976, p. 37).

Além da educação formal sistematizada, para colonizar Angola os portugueses recorreram aos valores técnicos, materiais, econômicos, culturais e religiosos, visando alcançar o firme propósito estabelecido pelo governo português que, propositalmente, se interessava pela exploração comercial, mercantil e física das riquezas angolanas. Mas, quando o assunto é a educação sistematizada, a contribuição dos jesuítas não pode ser ignorada. Os jesuítas desempenharam um importante papel na sistematização da educação angolana. Aliás, a exemplo do que aconteceu em diversos países e continentes, a educação formal de Angola não escapou da intervenção religiosa jesuítica que usava a educação escolar como um mecanismo para catequizar os angolanos nativos, bem como atender aos interesses dos portugueses. Não está em discussão a validade ou não dos métodos pedagógicos aplicados pelos padres jesuítas, mas a preocupação deles no que tange à formação escolar integral dos sujeitos.

Apesar dos atropelos oriundos da mistura entre a fé cristã e o ensino secular, a educação formal sistematizada angolana, da qual fiz parte, contou com uma forte participação dos jesuítas. Foram os padres jesuítas que deram origem às escolas formais no território angolano, embora os relatos históricos não deixam dúvidas de que, ao misturarem o sagrado com o profano, desejavam aculturar e converter os angolanos nativos aos fundamentos da religião ocidental. Entrelinhas os portugueses pensavam em aniquilar a cultura tradicional, desarticulando as bases dos valores nativos de Angola, acentuando a divisão étnica dos diferentes grupos que existiam.

O tratamento dado aos angolanos nativos fortalece a hipótese de que os portugueses ansiavam por liquidar a cultura do colonizado (neste caso especifico a cultura do angolano). Felizmente, essa maléfica estratégia não vingou. Embora converter os angolanos nativos para a religião ocidental fosse uma das importantes estratégias que o colonizador implementava para desestabilizar a cultura, a identidade e a crença dos colonizados e, por conseguinte, abolir de uma vez por todas a relíquia folclórica tradicional e a religião local, que do ponto de vista dos portugueses não passavam de uma manifestação diabólica, por isso alvos de perseguição.

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Ante o exposto, é importante dizer que as leituras realizadas contribuíram para que pudéssemos discernir que a educação portuguesa ministrada nas colônias resumia-se no ato de transmitir o conhecimento de educadores para os educandos, mediante o processo de memorização mecânica de palavras. Assim, a educação de Angola tornava-se débil e alienada, porque incitava os angolanos a renunciar o pseudo patriotismo, aos valores nativos e de maneira desumana forçados a adotar valores e costumes ocidentais. Outrossim, tornava-se evidente que as matrizes curriculares da educação portuguesa menosprezavam as experiências e o saber dos educandos, colocando-os na condição de meros objetos do processo. No entendimento de Paulo Freire, a educação libertadora não pode ser abstrata e nem seletista, mas deve contemplar em suas discussões pedagógicas as vivências, as experiências, a realidade e o saber dos sujeitos do processo. A desvalorização da realidade dos educandos impulsiona o educador Freire (2003, p. 30) que, com indignação, questionou:

Por que não aproveitar a experiência que têm os alunos [...]. Por que não discutir com os alunos a realidade concreta [...]. Por que não estabelecer uma intimidade entre os saberes curriculares fundamentais aos alunos e a experiência social que eles têm como indivíduos? Por que não discutir as implicações políticas e ideológicas de um tal descaso dos dominantes pelas áreas pobres da cidade?

Para tolher a curiosidade crítica, a liberdade criativa e questionadora dos educandos, os portugueses passaram a adotar a palmatória e o chicote como importantes recursos pedagógicos. No fundo, a estratégia dos portugueses funcionava como mecanismo para intimidar a rebeldia intelectual dos educandos. Como isso funcionava na prática, muitos indagariam. Por exemplo, o aluno que não assimilasse um determinado conteúdo escolar e (ou) tivesse dificuldades de realizar quaisquer tarefas de uma disciplina prevista ou contemplada na grade curricular disponibilizada pelo Ministério da Educação Português, estava sujeito a penalidades absurdas.

O castigo era estabelecido a critério do professor e com base no número de acertos e erros, o professor estipulava o número de chicotes ou palmatórias a ser aplicado ao aluno faltoso. Em alguns casos, como bem lembrou Freire (2006, p. 22), “as crianças amarradas em um tronco de árvore, prendê-las durante horas em um quarto [...] com grossas e pesadas palmatórias, pô-las de joelhos sobre caroços de milho, surrá-las com correia de couro”. Paulo Freire, sem ser intencional, faz um relato de uma realidade educacional por nós vivenciada na época da colonização. É triste dizer que por motivos triviais ou banais éramos castigados e, na

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maioria das vezes, ficávamos sem entender o porquê da tamanha violência, já que não oferecíamos nenhum perigo a ninguém.

O curioso dessa prática pedagógica, que denominamos antipedagógica, é que o centro da palmatória era forrado de preguinhos invisíveis que causavam lesões nas mãos dos educandos. O fato aqui relatado pode parecer engraçado, mas é verídico. Eu mesmo sou testemunho vivo dessa revoltante realidade, pois de maneira impiedosa submetiam-nos a esse tipo de penalidades. Com relatos desse tipo alguém ainda se atreveria a dizer que o ensino português não era violento e desumano? A violência era frequente, talvez porque o sistema educacional português carecia de um projeto social que pudesse orientar sua prática pedagógica.

Na ausência desse projeto, os castigos corporais eram adotados com frequência. Freire (1996, p. 115), sempre crítico dessa prática pedagógica, afirma ser “professor a favor da decência contra o despudor, a favor da liberdade contra o autoritarismo, da autoridade contra a licenciosidade [...], professor a favor da esperança” que o anima, apesar de tudo. Para quem sofreu tamanha humilhação, como eu, é ainda difícil confessar que vergonhosamente reproduzíamos a prática educativa antipedagógica em maiores proporções. Sem escrúpulo nenhum castigávamos violentamente os educandos e compatriotas. Sem que percebêssemos, talvez, de maneira consciente ou inconsciente, expandíamos uma prática docente que, nos dias de hoje, qualificamos de criminosa e desumana. Caberia, inclusive, uma intervenção policial.

Dói na alma e na mente admitir que de maneira consciente ou inconsciente tivéssemos submetidos tamanha violência as crianças indefesas. E, por incrível que possa parecer, essa prática de ensino ainda continua viva e fazendo suas vítimas no interior de muitos colégios ou educandários pelo Brasil e pelo mundo afora. Ainda é possível ver a repetição de tristes experiências como estas, talvez porque “a descolonização é um processo lento, difícil e doloroso, comparável à convalescença de uma longa e grave enfermidade”, lembra-nos Memmi (1967, p. 2).

Vale ressaltar que as sequelas de um sistema educacional seletista e anacrônico continuarão por muitos anos fazendo suas vítimas, porque “o colonialismo não só perdura nas antigas colônias, hoje convertidas em nações politicamente soberanas, mas permanece também, na forma de segregação social” (MEMMI, 1967, p. 3), uma realidade presente em vários países chamados democráticos como é o caso da realidade vivenciada pelos negros norte-americanos, bem como o comportamento de alguns países latino-americanos, inclusive

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o Brasil, onde o racismo velado se expressa na forma de brincadeira como neguinho, negão,

negro de alma branca, moreno, nordestino, bonitinho, entre outros atributos.

De posse dos relatos históricos já mencionados, podemos afirmar: éramos angolanos de direito, mas de fato éramos estrangeiros, e tão estrangeiros éramos que nem o kikongo, o único código de comunicação com os demais angolanos e bakongos, escapou da interferência dos colonizadores. É óbvio que os portugueses e invasores da pátria alheia usurpavam os direitos alheios, mas ninguém podia enfrentá-los com medo de represálias. É desencorajador e deprimente saber que o estrangeiro, chegado a Angola pelos acasos “da história, conseguiu não apenas um lugar, mas tomar do habitante, e outorgar-se privilégios surpreendentes em detrimento dos que a eles tinham direito” (MEMMI, 1967, p. 25). Enquanto faltavam privilégios para os angolanos, sobravam direitos e privilégios para os portugueses e colonizadores.

A partir de uma análise crítica podemos reafirmar que escravizar os angolanos nativos, de maneira proposital, fora contemplado no projeto educacional português. Desde o conteúdo programático às disciplinas contidas na grade curricular, preservavam-se a cultura e os costumes que de maneira velada eram impostos aos angolanos. Por vezes com a justificativa de educar os iletrados e colonizados, que no caso éramos nós, sutilmente manipulavam a nossa cultura impondo-nos seus ideais, e usando da falsa generosidade confundiam-nos ainda mais com o humanismo inexistente, porque não estava no plano do opressor transformar o mundo, mas satisfazer e manter seus próprios desejos.

A humilhação provocada pelos colonizadores extrapolava limites, mas nenhuma reação radical da parte do colonizado poderia ser cogitada, isto porque, em todas as esferas da vida social, os portugueses insinuavam ser superiores. O espírito de superioridade era perceptível tanto em atitudes como em ações. Passavam a falsa ideia de que eram detentores da melhor educação e da cultura superior à dos nativos. Como bem lembrou Memmi (1967, p. 9), “ao fabricar a ideologia do colonialismo, ao tentar estabelecer sua tese da superioridade, que é puramente circunstancial e histórica, o colonizador desemboca inevitavelmente no racismo”.

Parece cômico afirmar que o sistema educacional arquitetado pelo colonizador não compreendia que “nem a cultura iletrada é a negação do homem, nem a cultura letrada chegou a ser sua plenitude. Não há homem absolutamente inculto: o homem humaniza-se expressando, dizendo o seu mundo”, como salienta Freire (2005, p. 20). Nesse aspecto, o pensamento de Dermeval Saviani converge com o de Paulo Freire. Saviani acredita na

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possibilidade de a educação contribuir para a transformação social. Segundo Saviani (2003), a educação pode interferir sobre qualquer grupo social, mas, no caso dos angolanos, tal interferência repercutiu de forma negativa porque nem a história nem a identidade desse povo com características próprias e peculiares foram respeitadas.

Ao ignorar a história de um povo, o colonizador assumiu que seu maior desejo era poder e status quo. E, para perpetuar o seu domínio sobre as colônias, passou a oferecer aos nativos uma educação na forma de treinamento para que pudessem exercer ofícios básicos como pedreiros, sapateiros, ferreiros, alfaiates, entre outros. Agindo dessa forma, torna-se perceptível que o propósito dos portugueses consistia em destruir conquistas históricas e milenares que vigoravam desde os primórdios entre os angolanos, transmitidas de geração em geração.

Faltava aos colonizadores a humildade para perceberem a riqueza de toda uma cultura milenar que também se diversificava de acordo com as múltiplas etnias. Com essa atitude os portugueses depreciaram a ancestralidade, chamando os antepassados de pagãos, isto é, pessoas não salvas do pecado; portanto, a adoração por eles prestada recebia o nome de idolatria. Por conta disso, os angolanos perderam sua identidade e seus nomes nativos foram substituídos por outros de origem ocidental. Para completar a desgraça, os negros empilhados em navios rumavam às terras distantes que os esperava como escravos, e sendo escravos não passavam de uma simples mercadoria disponível para ser comercializada e levada a terras longínquas sem direito nenhum.

Já foi dito de outra forma que a educação escolar sistematizada pode ajudar na transformação de uma sociedade. Mas a educação proposta pelos colonizadores não levou em conta essa premissa. A propósito, os portugueses transformaram a educação num processo de desafricanização. Ao invés de libertar os sujeitos do pensar ingênuo, tornava-os escravos do próprio sistema. Desse modo, o projeto educacional português perdeu sua principal função, que consistia em formar sujeitos e cidadãos críticos. Nessas condições, a educação portuguesa pouco contribuiu para a superação da consciência ingênua e alienada que dominava os angolanos, retardando, dessa forma, a transformação social. Gramsci, por exemplo, fala da transformação social como prática pedagógica educativa. Para tal a nova hegemonia se faz necessária, como relação pedagógica (GRAMSCI apud FREIRE, 2008).

Foi gratificante e terapêutico descrever a memória e a história críticas destacando fatos profissionais relevantes, pois o conhecimento só é pertinente quando se preocupa em situar os sujeitos do processo em seu contexto social. Trata-se de um conhecimento que capacita os

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sujeitos, sem, contudo, ignorar as experiências vividas. Com base nas experiências relatadas, Paulo Freire nos contagia com o seu otimismo, dizendo: “Minha segurança se alicerça no saber confirmado pela própria experiência de que, se minha inconclusão, de que sou consciente, atesta, de um lado, minha ignorância, me abre, de outro, caminho para conhecer” (FREIRE, 1996, p. 135). Nessa linha de raciocínio, todo o conhecimento que exclui a realidade e as experiências dos sujeitos é abstrato. Uma farsa que pode ser resumida numa ilusão intelectual, condenável por Paulo Freire.

Vale ressaltar que o conhecimento não se dá pela sofisticação das estruturas físicas e muito menos pela formalização e abstração. Segundo Morin (2006, p. 15), “o conhecimento progride não tanto por sofisticação, formalização e abstração, mas, principalmente, pela capacidade de contextualizar e englobar”. É desrespeito fragmentar a cultura de um povo, impondo-lhe uma nova ideologia velada nas matrizes curriculares da educação. Usando essa estratégia, os portugueses transformaram a educação num poderosíssimo instrumento para expandir e reproduzir sua ideologia. A propósito, desejavam inculturar os angolanos, impondo-lhes seus ideais e seus costumes.

A intenção era desestabilizar as relíquias culturais angolanas, cujo valor sentimental e econômico é imensurável. É triste afirmar que os portugueses consideravam a cultura e os costumes tradicionais de Angola repugnantes e maléficos. Paulo Freire sempre criticou duramente a invasão cultural do povo alheio. Segundo Freire (2005, p. 173), invadir a cultura alheia é uma violência do invasor contra o invadido na medida em que se desrespeita a identidade de um povo. É uma violência porque o invadido “perde sua originalidade ou se vê ameaçado de perdê-la”. É também uma invasão cultural, “a penetração que fazem os invasores no contexto cultural dos invadidos, impondo a estes sua visão de mundo, enquanto lhes freiam a criatividade, ao inibirem sua expansão”.

Devemos ainda observar que a imposição e o autoritarismo estavam mascarados em todo o sistema de ensino português. Com o autoritarismo os portugueses impunham sua cultura tida como superior e ridicularizavam a cultura dos povos invadidos, conhecida como a cultura inferior. A falsa superioridade perpetuada pelos portugueses nos faz indagar: existe uma cultura superior e outra inferior? Nida (1985, p. 7) afirma: “Nenhuma cultura conseguiu ainda uma expressão perfeita [...], mas cada uma tem sua própria contribuição a dar, que deve ser feita com liberdade”. Ao subestimarem a cultura dos angolanos, os portugueses perderam a oportunidade de aprender com este povo que, embora tido como iletrado, tinha muito a ensiná-los. Pensando como Nida, diríamos que a arrogância intelectual dos portugueses os

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induziu a erros grosseiros, prejudicando outros povos. Tal arrogância era perceptível até na forma desrespeitosa com que eles aboliram o kikongo, a única língua materna que nos permitia comunicar entre os bakongos. Sem nenhuma explicação, ceifaram a identidade, a cultura e a história de um povo.

Os portugueses abominavam veementemente todos os legados históricos dos ancestrais, porque, segundo eles, não passavam de uma expressão dos atrasados. O autoritarismo e a arrogância do colonizador estavam implícitos na maneira de ser e de agir, principalmente no exercício do magistério. Faltava humildade aos portugueses, por isso o tempo todo, ancorados na falsa superioridade, transgrediam a vocação humana do ser.

Somos autoritários e arrogantes, porque a educação da qual fizemos parte estimulava os professores a exercerem esse tipo de autoridade. O professor era instigado a agir sobre os outros de maneira truculenta e opressora, sem a mínima possibilidade do diálogo como uma ferramenta pedagógica alternativa a serviço da educação. O diálogo confundido com a ausência de autoridade do professor era praticamente banido no processo educacional. Tinha-se a falsa ideia de que o educador que priorizasTinha-se uma prática pedagógica dialógica não possuía autoridade. Por conta disso, foi necessário buscarmos ferramentas pedagógicas que pudessem ajudar na superação dos estigmas das relações escolares entre educadores e educandos. Daí porque adotar a concepção educativa de Paulo Freire pareceu-nos um caminho solido para fortalecer nossa prática pedagógica. Aliás, a defesa de Paulo Freire sempre foi por uma prática docente libertadora e dialógica.

Estamos diante de uma realidade perplexa, por isso recorremos à concepção freireana de ensino, visando fortalecer a prática docente alternativa em favor dos sujeitos do processo em atividade e, também, em formação. No campo da educação é perceptível que o momento é delicado e complexo, portanto requer o empenho conjunto, que consiste no partilhar as experiências políticas abertas e originais com a articulação de vivências profissionais sólidas, a fim de contribuir para o enriquecimento da educação como prática da liberdade.

Educação é práxis. É um fazer contínuo e refletido que impele o educador e os educandos a interagirem entre a prática e a teoria. A prática é o princípio fundante de uma teoria crítica que permite a leitura consciente do mundo e de suas relações naturais e sociais. Em se tratando de uma prática educativa conscientizadora, as experiências do educador e dos educandos não podem ser ignoradas, pois os fatos da vida real oferecem relevante contribuição, fazendo com que a teoria consiga abranger o cotidiano das pessoas. Assim, inserir a história de vida dos integrantes, levando em contas as experiências próprias,

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solidifica a educação como prática da liberdade, e, também, fortalece a democracia nas relações sociais e profissionais dos sujeitos. Ancorados nessa premissa, compreendemos a prática docente como práxis, o que exige que o educador e os educandos unam os conceitos teóricos com a prática, a partir da realidade que os cerca, fazendo da educação uma ação pedagógica permanente e reflexiva com vistas a aperfeiçoá-la cada vez mais.

A prática docente emancipatória não é estática, mas dinâmica, ela não se restringe a um mero ativismo pedagógico, mas permeia a reflexão crítica contínua e permanente, desafiando os sujeitos do processo a compreender e a questionar a própria realidade da qual fazem parte. No campo da educação a prática educativa sob a perspectiva pedagógica freireana instiga homens e mulheres a agir criticamente na realidade em que estão inseridos.

Mais uma vez reafirmamos que a pesquisa encontra o respaldo teórico nas obras de Paulo Reglus Neves Freire e nas demais literaturas de autores que com suas pesquisas investigativas contribuíram para o enriquecimento do debate. Após justificarmos a sustentação teórica da pesquisa, pareceu-nos oportuno indagar: No quê o pensamento de Paulo Freire pode ajudar hoje a acentuar a crítica à tradição autoritária e no quê seu pensamento pode ajudar a engendrar práticas de autonomia e emancipação?

É imperiosa a emancipação da educação brasileira, emancipação que se faz necessária por conta do autoritarismo pedagógico reinante no interior das salas de aulas e em todos os níveis de escolaridades. Conhecendo bem as realidades que cercam os sujeitos, é possível superar as situações-limites decorrentes de uma prática pedagógica anacrônica e mnemônica.

A pesquisa é bibliográfica e ao mesmo tempo documental. Nela constam as referências teóricas publicadas em documentos históricos e livros, e após a escolha e a delimitação do tema, efetuamos o levantamento bibliográfico das referências, uma fase caracterizada pela consulta de materiais escritos, localizados em bibliotecas disponíveis. Essa fase de pesquisa, também conhecida como a etapa do levantamento de dúvidas, é, de fato, a fase em que as próprias dúvidas geram problemas que acabam se tornando o objeto principal de pesquisa, cujo tratamento se transformará em relatório escrito, a fim de que a execução da proposta preconizada se torne uma realidade.

Esta pesquisa, como as demais pesquisas, exige que os sujeitos invistam tempo considerável no estudo das referências e no fichamento dos livros. Nessa fase de investigação científica leva-se em conta a análise criteriosa de toda a documentação bibliográfica, sem ignorar todo o acervo de informação sobre os livros, artigos e demais trabalhos que podem corroborar no entendimento do assunto pesquisado.

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Com base na fundamentação teórica pautada na concepção pedagógica freireana, descartamos toda e qualquer prática educativa de imposição que ofusca a liberdade criativa dos educandos, reduzindo-os a meros objetos do processo ensino-aprendizagem. Eis aí, talvez, uma das razões por que a concepção pedagógica freireana valoriza os sujeitos do processo, instigando-os a trilhar caminhos próprios. Podemos afirmar que a pedagogia de Paulo Freire propicia aos sujeitos a elaboração do saber independente, a partir das experiências pedagógicas por eles mesmos vivenciadas, e de maneira consciente e crítica os educadores ou as educadoras e os educandos passam a pensar e a refletir a prática educativa com autonomia.

Com o objetivo de esclarecer as razões que deram a origem à temática em estudo, pareceu-nos importante e oportuno incluir na pesquisa o memorial descritivo do autor, apresentando as consequências provenientes de uma prática educativa autoritária herdada e a partir dela denunciar os estigmas autoritários das relações escolares reinantes na prática educativa brasileira, contrariando a concepção pedagógica da liberdade defendida por Paulo Freire e por todos os que comungam o ideário freireano.

O estudo está dividido em três capítulos. No primeiro capítulo a discussão gira em torno dos fundamentos históricos e das contextualizações políticas da conjuntura brasileira (1958-1996), sobretudo as contextualizações da relação autoritária na escola e autoritarismo político, econômico e cultural no Brasil. Ainda no primeiro capítulo, contextualizamos historicamente o sistema educacional brasileiro, diferenciando a educação emancipatória da

educação bancária. Discutimos analiticamente a biografia de Paulo Freire, na intenção de

compreender o pensamento freireano na tradição política da educação brasileira.

O segundo capítulo trata da articulação entre política, educação, sociedade, na perspectiva de desmitificar o estigma da relação autoritária na tradição escolar brasileira. Procuramos esclarecer a pergunta que não quer calar: por que somos autoritários? Fazemos uma leitura crítica do pensamento de Paulo Reglus Neves Freire, tentando estabelecer a relação autoritária na tradição da educação brasileira. Apresentamos uma breve análise de algumas de suas obras referenciais, destacando a educação emancipatória ou libertadora e a educação como prática da liberdade e a proposta da educação como prática de libertação dos oprimidos. Na discussão mencionamos a existência dos movimentos sociais e o surgimento dos novos sujeitos emergentes. Denunciamos e combatemos o sistema educacional anacrônico e mnemônico, por ser especialista em gerar dependentes intelectuais, resultado de uma educação para a obediência, como consequência de seus fundamentos autoritários orgânicos.

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O terceiro capítulo centra a discussão em torno das perspectivas e contradições da relação política, educacional e curricular na conjuntura brasileira. Destacamos as conquistas sociais já alcançadas pelos movimentos sociais, sem deixar de lado a presença dos novos sujeitos, suas culturas e suas vivências. Destacamos também os avanços advindos das legítimas lutas desses movimentos por um pedaço de terra para cultivar e de um teto para morar, entre tantos outros movimentos reivindicativos e propositivos. Estabelecemos a tipologia da relação pedagógica democrática e participativa, a partir de Paulo Freire e sua contribuição diante da relação autoritária na escola e sociedade. E, com base nos escritos da pedagogia freireana, elencamos algumas possíveis saídas protagonizadas por Freire em favor de uma prática educativa libertadora e humanizadora. Fazemos menção ao diálogo como metodologia alternativa de ensino, por ser uma excepcional ferramenta pedagógica que favorece a parceria entre educador-educandos e com ele dignificar e fortalecer as relações sociais, humanas e democráticas.

Em suma, devemos, sim, ter a humildade em reconhecer que o sistema educacional brasileiro parece estar em profunda crise de superação. É um momento novo que exige novas formas de interpretar o mundo, já que a presença dos movimentos sociais populares e o surgimento dos novos sujeitos é uma realidade quase irrevogável. A educação brasileira, de fato, vive um período conturbado e perplexo, mas não é o fim. Temos esperança sempre crítica de superar os paradigmas educacionais vigentes e desfrutar o porvir. Somos seres da esperança e sem ela a nossa luta está perdida. É a esperança crítica que nos permite vislumbrar um futuro melhor. Movidos por essa esperança sempre crítica, é possível que a história dos sujeitos do processo (educador-educandos) seja respeitada e a sua identidade como povo preservada.

O pensamento de Paulo Freire continua aberto, a influenciar os movimentos e as ideias sobre a educação como um direito, no Brasil e no mundo. Nossa intenção consiste em realizar essa releitura da potencialidade humanista e emancipatória do pensamento desse educador, que transcende sua trajetória, sua atuação e seu país, para tornar-se uma referência para todo o mundo.

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CAPÍTULO I - FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E MATRIZES POLÍTICAS DA CONJUNTURA BRASILEIRA (1958-1996) E A EMERGÊNCIA DA CRÍTICA

FILOSÓFICA E POLÍTICA DE PAULO FREIRE (1921-1997)

Para analisar um determinado fenômeno teremos sempre que buscar compreender suas bases econômicas e políticas, de modo a elucidar os dados de bastidores que condicionam, até mesmo determinam, tal estado de articulações estruturais. Assim se dá com a análise da educação. Somente poderemos entender a educação se logramos compreender as determinações econômicas, políticas e culturais que condicionam a materialidade de tais estruturas educativas. O sistema educacional brasileiro foi influenciado por movimentos ideológicos variados e, também, fundamentado em diferentes matrizes administrativas e políticas. Assim, a educação brasileira parece seguir uma trajetória cujos desafios são quase intermináveis. Ademais, a educação formal brasileira sempre buscou atender às necessidades de uma elite abastada e da vontade política do grupo que assumia o poder. Esse é o fundamento desta pesquisa de origem histórica e política que empreendemos nesta parte de nosso estudo.

1.1 MATRIZES HISTÓRICAS

A constante interferência política nas matrizes educacionais tem dificultado à educação no Brasil atual de alcançar os objetivos preconizados. O fracasso do sistema educacional inspirado pelos jesuítas talvez esteja atrelado ao uso de métodos antiquados de ensino e que ainda reproduzem suas matrizes, por não se desvencilharem da falsa ideia de que a escola é um espaço para uma pequena parcela da sociedade, perpetuando a educação aristocrática ministrada nos moldes antigos de educação reinantes anteriormente aos anos de 1930. Somente a partir do ano 1930 é que a educação passou a ter visibilidade e algum valor social.

Segundo Romanelli (2001), com o aumento da demanda social, o sistema educacional passou a influenciar o caráter da verdadeira luta de classe, embora não se possa afirmar com precisão que essa luta fosse consciente por parte dos estratos sociais em competição. Em contrapartida, a forma como a demanda social se expressava despertava a educação escolar a abrir-se para as camadas mais pobres da população com o propósito de engajá-las na luta por seus direitos de forma decisiva e, por conseguinte, galgar posições de maior relevo.

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Os avanços educativos no Brasil atual são perceptíveis graças à dialeticidade dessa pauta social recente de lutas e reivindicações, na qual a educação escolar esteve presente. A colaboração e a criatividade dos professores brasileiros nos diferentes níveis de escolaridade têm contribuído para essa conquista. Apesar de serem mal remunerados, na maioria de vezes, os professores assumem papéis que pertencem ao Estado. Ou seja, envidam o esforço a ponto de gastar suas economias pessoais. “Os professores confeccionam material didático, criam metodologias de ensino, compram papel e tiram cópias xerox (sic), frequentemente com dinheiro do próprio bolso” (NOSELLA, 1993, p. 159). Esse tipo de consciência e de desprendimento ajuda no fortalecimento da democracia no campo educacional. Fazem a sua parte com a intenção de lutar pelo progresso da educação brasileira.

À medida que a democracia se consolida, as conquistas tornam-se inegáveis. Com o avanço da democracia as marchas do movimento dos sem-terra e dos sem-teto na luta por uma moradia digna e por um pedaço de terra para cultivar ganharam visibilidade na política nacional. Graças à democracia, a luta dos movimentos sociais foi incluída nas reivindicações da política nacional, contribuindo para as conquistas dos direitos sociais, econômicos e políticos de uma minoria ignorada como é o caso dos negros, dos homoafetivos, das lésbicas, das prostitutas, dos novos sujeitos, das mulheres, entre outros, garantidos pela Carta Magna do país.

Apesar dos avanços obtidos no campo da educação, vale ressaltar que a democracia no Brasil atual ainda caminha a passos lentos, e a construção de uma escola democrática e cidadã torna-se complexa. Sobre esse aspecto, Forster (2008, p. 334) afirma: “Buscar uma educação de qualidade, em uma escola democrática, tem sido o desafio constante de todos aqueles que trabalham com a formação dos profissionais da educação”. A democratização do sistema educacional no Brasil não constitui uma tarefa fácil, pois “a educação e a escola não foram direitos universais nem no Império escravocrata (1822-1889) centrado nas cortes e as elites agrárias, nem na Primeira República (1889-1930) chamada República dos Coronéis ou do Café com Leite” (NUNES, 2013, p. 190).

Uma democracia consolidada fortalece as matrizes educacionais que garantem direitos e deveres dos cidadãos; a luta pela emancipação e pela igualdade social de gênero passou a ser discutida no trabalho e na política. A democracia, sem dúvida, tem colaborado no fortalecimento da liberdade religiosa, do respeito e da tolerância entre os diferentes e, consequentemente, a luta de classes sociais incluída na pauta das reivindicações populares.

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Com a democracia os direitos políticos são preservados, respeitados, e a igualdade de gênero discutida com equilíbrio.

Dada a importância do tema, o conceito democracia não escapou do debate de educadores como Anísio Teixeira, Darcy Ribeiro, Florestan Fernandes, Dermeval Saviani e Paulo Freire, entre outros. Com a democracia foi possível a crítica sobre o sistema educacional exclusivista no Brasil atual, a valorização do professor e de sua prática docente visando fortalecer a concepção pedagógica libertadora propagada por Freire e seus colaboradores.

À luz da pedagogia freireana, a democracia gera autonomia, e autonomia favorece o amadurecimento profissional dos sujeitos, e tal amadurecimento propicia o processo contínuo que procede da autonomia que o profissional dispõe. O próprio Freire (1992) afirma que a autonomia, como amadurecimento do ser, é um processo advindo das experiências dos sujeitos, portanto não ocorre em data marcada. É nesse sentido que uma pedagogia da

autonomia tem de estar centrada em experiências estimuladoras da decisão e da

responsabilidade, vale dizer, em experiências respeitosas da liberdade.

A democratização do sistema educacional brasileiro tem corroborado para que a educação, na atualidade, se distancie do modelo bancário de ensino por considerar os educandos meros objetos do processo. Na educação bancária os educandos são dependentes intelectuais desprovidos de quaisquer iniciativas ou autonomia pedagógica, por isso difere da educação democrática. Enquanto a educação bancária é contra a rebeldia intelectual dos educandos, a educação democrática estimula os sujeitos do processo a reinventarem as próprias práticas educativas. Dessa forma, na perspectiva pedagógica freireana de ensino educadores e educandos são sujeitos e parceiros inseparáveis na construção de uma prática educativa humanizadora, visando à formação de cidadãos conscientes de seus direitos e deveres.

Quanto à relação autoritária da escola como determinante do autoritarismo econômico, político e cultural no Brasil atual, destaca-se a educação ministrada pelos jesuítas que ao longo dos anos dominou e monopolizou o sistema educacional na sua totalidade. A contribuição jesuítica à educação brasileira é inegável. Foram eles os precursores de uma educação formal no Brasil. A influência desses profissionais na educação formal brasileira é notável, embora não estejam em discussão os métodos ou recursos pedagógicos por eles adotados e aplicados na educação brasileira.

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Os métodos pedagógicos jesuíticos vigoraram durante 210 anos (1549-1759). Com a expulsão dos jesuítas de Portugal e de suas colônias pelo Marquês de Pombal, a educação formal brasileira mergulhou na improvisação e no descaso. E para minimizar a crise o governo buscou nas aulas régias2 o subsídio literário, mas o caos continuou até que a Família Real, fugindo de Napoleão na Europa, resolveu transferir o Reino para o Novo Mundo. Por conta disso, implantar a educação em terras brasileiras tornava-se difícil. E para garantir no poder a permanência da Família Real no Brasil colônia, D. João VI inaugurou as Academias Militares, as Escolas de Direito e Medicina, a Biblioteca Real, o jardim Botânico e a Imprensa Régia, sua iniciativa mais marcante em termos de mudanças culturais e educacionais (1808).

Durante décadas os padres jesuítas dominaram e monopolizaram o sistema educacional brasileiro com o propósito de educar as elites coloniais, por força de sua identidade cristianizadora, junto à Coroa Mercantilista portuguesa. Foram eles os primeiros educadores a reproduzir no Brasil uma “educação anacrônica, elitista, memorística e formal, bem diferente do que acontecia nos países europeus de inspiração burguesa e protestante, nos quais a educação era tida como direito social e considerada uma virtude necessária para o exercício da liberdade” (NUNES, 2013, p. 190). Um comportamento como esse é que faz da prática pedagógica jesuítica alvo de severas críticas e questionamentos.

Analisando minuciosamente o sistema educacional brasileiro antes e depois da presença dos jesuítas, ainda que de maneira rudimentar, reconhece-se que a colaboração desses profissionais é inegável. Entretanto, o fato de a prática educativa e os métodos pedagógicos jesuíticos serem alvos de constantes críticas e questionamentos, não se pode fazer vista grossa e muito menos anular sua participação na história da educação brasileira. Sobre esse aspecto, o professor Nunes (2003) faz duras críticas à concepção educativa jesuítica por adotar uma postura conservadora, mnemônica, seletiva, discriminatória, interesseira e excludente. Segundo ele, a educação jesuítica que nos engendrou como uma nação e sociedade era marcadamente uma educação conservadora e reacionária, voltada para a restauração do pacto medieval e centrada nos valores que marcaram historicamente a tradição feudal aristocrata medieval. A educação para a obediência, para a disciplina, a educação retórica e memorística:

2As aulas régias foram criadas em Portugal e em suas colônias (1759) no contexto das reformas políticas,

administrativas, econômicas e culturais promovidas pelo ministro Sebastião José de Carvalho e Melo, futuro Marquês de Pombal durante o reinado de D. José I (1759-1777), e sob o controle da Igreja deram origem ao ensino público e laico.

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[...] a educação para a produção de corpos obedientes e servis, a anulação da originalidade pessoal, a resignação, a aceitação e a passividade, são elementos éticos circunscritos ao modelo pedagógico jesuíta conservador (NUNES, 2003, p. 4).

Toda prática pedagógica de ensino por mais conservadora e arcaica que possa parecer, possui adeptos que a defendem. Carlos Vasquez Posada, por exemplo, é um dos defensores da pedagogia inaciana. Segundo o entendimento de Posada, a pedagogia jesuítica constitui o caminho para que os professores acompanhem o crescimento e o desenvolvimento intelectual dos educandos com êxitos. Sob a óptica espiritualista do mundo, Carlos Vasquez Posada acreditava que a educação jesuítica pudesse ajudar na formação integral do cidadão que se pretendia formar. Para ele, a prática pedagógica inaciana é um processo consciente e dinâmico que poderia contribuir na formação efetiva dos educandos de maneira integral.

Opondo-se à visão pedagógica de Carlos Vasquez Posada, Nunes (2003) critica a educação jesuítica por se preocupar em demasia com a formação da elite, perpetuando assim a formação clássica aristocrática. Nesse aspecto, a educação escolar formal jesuítica tornava-se antimodernista, antipopular e ultraconservadora, restauradora da velha ordem medieval.

Versada na implantação da política para aculturação dos povos e das culturas diferentes, a educação dos jesuítas produzia corpos obedientes. Adotando esse método de ensino, a educação dos jesuítas cometia erros grosseiros. Durante o período da implantação da educação formal os erros ocorreram, mas não podem constituir a causa para excluir a participação dos jesuítas na história da educação brasileira.

Apesar das contradições, o sistema escolar jesuítico manteve sua inegável identidade. Abolir a participação dos jesuítas na educação brasileira pode até culminar na fragmentação da história da educação como um todo. Uma história fragmentada perde sua originalidade, abrindo um espaço para que as lacunas, além de prejudiciais, anulem a essência dos fatos históricos decorrentes. Seria o mesmo que mutilar a construção de uma história cujas conquistas são resultado de uma longa luta dos sujeitos.

Ora, fragmentar a história da educação de maneira leviana e precipitada pode, no mínimo, desestabilizar o processo do ensino que, consequentemente, inviabilizaria o pensar crítico sobre a relação conhecimento – sociedade e a contribuição que os saberes disciplinares podem oferecer às problemáticas humanas e sociais. Para não incorrermos no erro semelhante, o projeto coletivo e interdisciplinar da escola deve superar essa fragmentação.

Nenhuma história é feita somente de conquistas. A história se faz de processos históricos e decisões políticas marcadas por erros e acertos, e no campo da educação não é

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diferente. A contribuição consciente ou inconsciente dos jesuítas deve ser preservada, porque a participação desses profissionais muito colaborou com a educação formal brasileira, embora com maior ênfase na educação da elite. Como afirma Lukács (2003), nada ocorre sem uma responsabilidade e um responsável e nada acontece sem estar comprometido a algo ou alguém. Partindo dessa premissa, sentimo-nos no dever de defender a tese de que os erros não constituem motivo para anular a participação dos jesuítas na história da educação brasileira.

Os jesuítas que chegaram ao Brasil colônia, com o objetivo de aculturar os brasileiros nativos, impunham para os índios seus costumes e sua religiosidade. Catequizar os povos indígenas fazia parte da estratégia para dominá-los. A catequese era um excelente instrumento para converter ao cristianismo os povos diferentes tidos como pagãos. O ato de catequizar os povos indígenas, no fundo, preservava os interesses da elite. Para Romanelli (2001, p. 35), “a obra de catequese, que, em princípio, constituía o objetivo principal da presença da Companhia de Jesus no Brasil, acabou gradativamente cedendo lugar, em importância, à educação da elite”.

Os privilégios e o domínio das camadas abastadas eram preservados por meio de conteúdos e currículos escolares pensados e elaborados com o propósito de resguardar as necessidades econômicas, sociais e religiosas da elite, a partir do modelo europeu que trazia a concepção de mundo colonizador, formando o dirigente para a manutenção da sociedade de acordo com os seus interesses.

Dentre os integrantes da camada dominante recrutavam-se os homens que iriam engrossar as fileiras dos sacerdotes da Ordem. Procedendo assim o sistema educacional liderado por jesuítas atendia satisfatoriamente aos interesses das classes dominantes. Parece haver unanimidade entre educadores e filósofos quando afirmam que o sistema educacional jesuítico legitimava os interesses da elite dominante, já que, do ponto de vista da elite, a educação não passa de uma prática imobilizadora com o propósito de ocultar verdades.

O sistema educacional jesuítico pautando-se numa concepção pedagógica autoritária de ensino e na supervalorização da autoridade absoluta do professor estimulava o método competitivo, a disciplinação de corpos e mentes e preservava os interesses das camadas abastadas. O professor sendo o arquiteto e o detentor do conhecimento acadêmico, suas convicções pedagógicas e filosóficas não poderiam, em hipótese alguma, ser questionadas pelos educandos; a palavra final no processo ensino-aprendizagem era do professor.

A elite do Império formada por uma minoria abastada desfrutava de todos os privilégios que a educação proporcionava. Aliás, desde a infância os filhos da elite estudavam

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em escolas razoáveis porque seus familiares podiam arcar com os custos relacionados à formação. Nesse aspecto, o sistema educativo jesuítico parece ter por princípio oferecer uma educação escolar à elite que se beneficiava da formação intelectual destinada à liderança da sociedade colonial.

Valorizava-se o trabalho intelectual, enquanto o trabalho manual era desvalorizado. O universalismo e o europeísmo velados nos conteúdos escolares faziam dos estudantes corpos obedientes, porque não estimulavam os estudantes a confrontarem-se com a problemática da realidade brasileira concreta, tornando-se totalmente alienados da própria realidade.

Afirma Romanelli (2001, p. 34):

O ensino que os padres jesuítas ministravam era completamente alheio à realidade da vida da colônia. Desinteressado, destinado a dar cultura geral Básica, sem preocupação de qualificar para o trabalho uniforme [...], não podia, por isso mesmo, contribuir para a modificação de estruturas da vida social e econômica do Brasil, na época. Por outro lado, a instrução em si não representava grande coisa na construção da sociedade nascente. As atividades de produção não exigiam preparo, quer do ponto de vista de sua administração, quer do ponto de vista da mão-de-obra. O ensino, assim, foi conservado à margem, sem utilidade prática visível para uma economia fundada na agricultura rudimentar e do trabalho escravo.

A Companhia de Jesus, um nome oriundo de latim Societas Iesu, é uma ordem religiosa Católica Apostólica Romana. Fundada por Inácio de Loyola em 1540, a Companhia de Jesus consagrou-se como a maior ordem religiosa disposta a restaurar a fé católica e, também, fortalecer a Contrarreforma com todas as regiões da Terra. Além dos votos de castidade e pobreza, Loyola devia uma total obediência à figura do Santo Papa.

O padre Inácio de Loyola, o Superior Geral como era chamado pelos católicos, chegou a enviar dezenas de missionários para evangelizar os índios no Brasil. Em 1553 elevou o Brasil colônia à categoria de província jesuíta e nomeou Manuel de Nóbrega provincial e Luis de Grã, seu auxiliar direto. Antes de exercer o sacerdócio, Loyola serviu o exército (1516) e ocupou o posto da guarda pessoal de Antônio Henrique. Foi servindo o exército que passou a enxergar a vida sob uma óptica bem diferente, e adotou um estilo de vida regida pela disciplina militar. Seu estilo de vida fundamentado nas rígidas regras militares talvez tenha influenciado o sistema escolar jesuítico de um modo geral. Prova disso, aderiu a uma postura rígida, conservadora, reacionária e autoritária. Os inacianos, atualmente, espalhados pelo mundo afora dirigem várias universidades, centros de reflexão social, paróquias, colégios e casas para retiros espirituais pertencentes à Igreja Católica Apostólica Romana.

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A Companhia de Jesus, uma ordem religiosa formada por jesuítas, foi instituída pelo Papa Paulo III em 27 de setembro de 1540. No ano de 1549 os padres jesuítas desembarcaram no Brasil colônia, sendo o Padre Manoel da Nóbrega o primeiro jesuíta a colocar os pés no solo brasileiro. Em 1553 chegou ao Brasil o padre José Anchieta, o santo missionário da terra brasileira, o colonizador bandeirante e educador, o poeta e missionário. Na lista dos padres jesuítas que influenciaram a educação brasileira incluí-se o padre Antônio Vieira, o maior orador sacro do século XVII.

Em 1570, com a criação dos mais importantes colégios destinados à formação da elite nos centros urbanos, teve início a educação ministrada pelos jesuítas. Desde 1556, após o Concílio de Trento, já vigorava o Ratio Studiorum, tido por católicos como o conjunto de normas e prescrições morais de conduta que poderiam ser aplicadas a qualquer sociedade e em qualquer lugar e a qualquer povo. Ao adotar o Ratio Studiorum, um tratado moral que prescrevia os bons hábitos e os bons costumes, a educação dos jesuítas ansiava formar um homem perfeito que resultaria num bom cristão.

O Ratio Studiorum funcionava como um guia para orientar as atividades e as funções escolares, bem como estabelecia os métodos de avaliação acadêmica a ser adotada e aplicada em todos os colégios dos jesuítas. De maneira velada, nele constava também a educação para a obediência, a emulação e a supervalorização do saber do professor, tido como dono e mentor de todo o conhecimento acadêmico. César Nunes descreve a educação jesuítica nos termos seguintes: “maxima aeducatione facit oboedire sicut cadaverum. Perfecta aemulatio

inter pares correctio fraterna fortuit. De doctrina et similibus non est disputandum: magister dixit causa finita3”.

As reformas pombalinas (1759) realizadas em Portugal marcaram, também, o período da expulsão de jesuítas de todo o reino. Essa fase histórica foi caracterizada por um período de turbulência dentro do sistema educacional. Nesse período histórico ocorreu a desestabilização do sistema da educação no país, conforme escreve Romanelli (2001, p. 36):

Com a expulsão, desmantelou-se toda uma estrutura administrativa do ensino. A uniformidade da ação pedagógica, a perfeita transição de um nível escolar para outro, a graduação, foram substituídas pela diversificação das disciplinas isoladas. Leigos começaram a ser introduzidos no ensino e o Estado assumiu, pela primeira vez, os encargos da educação.

3A expressão em latim é uma transcrição fiel da fala do professor Dr. César Apareciddo Nunes proferida em uma

das aulas ministrada na FAFICOP, cidade de Cornélio Procópio-PR, em 15 de março de 2002, no Curso de Mestrado em Educação.

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