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2. O MERCADO DE GÁS NATURAL NO BRASIL

4.1 Desenho típico da contratação de gás natural e de energia elétrica em ambiente livre

4.1.5 As penalidades contratuais

Segundo Marinangelo (2016, p. 226): “O cumprimento espontâneo das obrigações é pressuposto essencial para o bom desenvolvimento das relações negociais e do tráfico jurídico”. Ocorre que “quem contrata o faz ciente do risco do inadimplemento, seja ele absoluto ou relativo,

56 “6.4 – Deveres de Notificar e Mitigar. A Parte Pleiteante deverá, em até 48 (quarenta e oito) horas após conhecer o

evento de Caso Fortuito ou Força Maior, notificar por escrito a outra Parte sobre a respectiva ocorrência, descrevendo-a com informações que indiquem sua natureza, em que medida impede o cumprimento de suas obrigações nos termos do Acordo Comercial de Transação efetuada e, com base nas informações então disponíveis, fornecer uma estimativa, não vinculante, da extensão e duração de sua incapacidade de cumprir as obrigações.”

57 “6.3 – Dispensa de Obrigações. Se, por motivo de Caso Fortuito ou Força Maior, uma Parte estiver impedida de cumprir

suas obrigações, total ou parcialmente, em um ou mais Acordo(s) Comercial(is) de Transação(ões), porém cumprir os requisitos desta Cláusula (“Parte Pleiteante”), esta Parte não incorrerá em inadimplemento contratual e ficará dispensada de cumprir as obrigações diretamente afetadas pelo evento, durante o tempo e na medida em que o evento impedir sua execução. Para as hipóteses contempladas nesta Cláusula, não serão devidas quaisquer compensações em relação às quantidades contratadas não entregues, não aceitas, não registradas ou não validadas.”

58 6.9 – Rescisão Antecipada por Caso Fortuito ou Força Maior. O presente Acordo poderá ser rescindido por qualquer

das Partes, caso um evento comprovadamente de Caso Fortuito ou Força Maior, ou seus efeitos, subsistam por um período ininterrupto de 30 dias, impedindo qualquer das Partes de cumprir suas obrigações previstas no presente Acordo Comercial de Transação. Com tal rescisão, ambas as partes estarão isentas e liberadas de todas as obrigações e responsabilidades advindas do Acordo, com exceção do pagamento de quaisquer importâncias já devidas anteriormente à época da ocorrência do evento de Caso Fortuito ou Força Maior”.

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sem que tal risco seja, necessariamente, impeditivo à formação do contrato” (MARINANGELO, 2016, p. 207).

De tal modo, configura-se o descumprimento relativo por um dos contratantes quando, mesmo após o inadimplemento contratual, a obrigação permanecer viável, possível e útil ao credor (art. 394, do Código Civil). No descumprimento absoluto, a prestação devida deixa de ser passível de realização ou passa a não mais interessar ao credor (CUNHA, 2015, p.76).

Neste contexto, conforme disposição do art. 409, do Código Civil, com a finalidade de fixar o valor das perdas e danos a ser pago pela parte infratora à parte inocente previamente à ocorrência do dano, as partes podem estabelecer contratualmente cláusulas penais59, moratórias ou

compensatórias. Percebe Daniel Ustárroz (2015, p. 22), que “trata-se de uma previsão acidental nos contratos, que surge do interesse dos contratantes em regrarem de antemão os efeitos oriundos do inadimplemento”.

Judith Martins Costa (2009, p. 614) descreve as finalidades apresentadas pelas referidas cláusulas:

A cláusula penal pode ter duas finalidades: (a) indenizar – estabelecendo, prévia e substantivamente, o valor das perdas e danos para o caso de inadimplemento culposo da prestação – ou (b) coagir ao cumprimento, mediante um “estímulo”, “pressão” ou “ameaça” ao devedor. Essa pressão pode ser feita por dois modos, ou formas: (b.1) ou o devedor é pressionado ao cumprimento porque, se não cumprir, o credor terá a faculdade de exigir, em vez da prestação que o devedor se recusa a cumprir, uma outra prestação, visando contemplar a satisfação do interesse do credor, que, então, substituirá a prestação devida; ou (b.2) por meio da dação, ao credor, de um plus, como algo que acresce à execução específica da prestação ou à indenização pelo não cumprimento.

Em visa da distinta finalidade que as partes podem atribuir à cláusula penal que decidam pactuar, são oferecidas, pela doutrina, duas respostas que se refletem na qualificação de sua natureza jurídica, na discriminação de suas espécies (há duas espécies, ou apenas uma, hídrida?) e do seu regime, carreando alguns importantes problemas de ordem prática conforme a tese adotada.

Convém considerar que, segundo estipula o art. 416, do Código Civil “para exigir a pena convencional, não é necessário que o credor alegue prejuízo” material. Assim, o credor pode se aproveitar da cláusula penal como “sucedâneo predeterminado das perdas e danos, eximindo-se da comprovação dos efetivos prejuízos a que estaria obrigado caso o contrato não contivesse o mencionado pacto acessório”.

Especificamente em relação às cláusulas penais moratórias ensina Rafael Marinangelo (2016, p. 227):

59 O valor da cominação imposta na cláusula penal não pode exceder o da obrigação principal, nos termos do art. 412, do

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Na mora, a despeito do cumprimento imperfeito da obrigação, subsiste a utilidade para o credor, motivo pelo qual ainda se interessa pelo recebimento da prestação, acrescido dos consectários legais previstos no art. 395, do Código Civil, quais sejam: Indenização dos prejuízos por perdas e danos, juros correção monetária e honorários de advogado (se a pretensão for satisfeita com o concurso da ajuda profissional).

Por conseguinte, Christiano Cassettari (2017, p. 69) conceitua as cláusulas penais compensatórias:

A cláusula penal compensatória possui como característica a substitutividade, em que o credor, em razão do inadimplemento total da obrigação, poderá exigir a cláusula penal no lugar da obrigação principal. Nesse caso, o pagamento da cláusula penal substitui o cumprimento da obrigação ajustada.

Adiciona Daniel Ustárroz (2015, p. 24) que

a cláusula penal compensatória pode ser útil, tanto para o credor quanto para o devedor. Ao primeiro, na medida em que lhe dispensa da prova de fatos constitutivos de seu direito. Ao segundo, porque limita a sua responsabilidade civil, oferecendo segurança em relação aos efeitos de seu próprio inadimplemento.

Essencial observar que o valor estabelecido entre as partes possa não corresponder à totalidade dos prejuízos sofridos pelo credor da obrigação. Caso os prejuízos sejam menores do que o valor estabelecido na cláusula penal, entende-se que a cláusula predeterminou o montante indenizatório. Na hipótese de a indenização superar os prejuízos ocasionados pelo infrator, se “diz que a cláusula penal exerce dupla função: de prefixação indenizatória e de reforço da obrigação (intimidação), desmotivando o devedor a descumprir a prestação continuada” (MARINANGELO, 2016, p. 231).

Convém sopesar que, de forma excepcional à referida regra, caso haja previsão expressa no contrato, as partes podem estipular o pagamento de indenização suplementar, superior ao montante determinado na cláusula penal, competindo ao credor a comprovação do prejuízo excedente (art. 416, parágrafo único, do Código Civil).

A título de exemplificação, consoante especificado na cláusula 15.160, do CCVEE, nos casos de atraso de pagamento pela energia elétrica, fica caracterizada a mora em pagamento. Nesta hipótese, a parte compradora inadimplente fica sujeita ao pagamento dos “encargos por mora de pagamento”, nos termos da cláusula 15.2, do CCVEE (cláusula penal moratória), a seguir transcrita:

15.2 –Encargos por Mora de Pagamento. A não ser se disposto de outra forma pelas Partes no Acordo Comercial de Transação, no caso de Mora, sobre as importâncias devidas serão cobrados os seguintes encargos:

60“Cláusula 15.1. Mora em Pagamento. Será caracterizada a mora em relação a uma Parte quando esta deixar de realizar

(integral ou parcialmente) quaisquer pagamentos vinculados a uma ou mais Condições Comerciais, até a data de seu vencimento (a “Mora”)”

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(a) Multa moratória de 2% (dois por cento);

(b) Juros de mora equivalentes a 1% (um por cento) ao mês, calculados pro rata die, pelo período entre a data do inadimplemento e a do efetivo pagamento, exclusive;(c) Atualização monetária pro rata die pela variação do IPCA, se positivo, ou de outro índice que vier a substituí-lo em caso de sua extinção, ou de índice que vier a ser pactuado pelas Partes, sobre a importância principal, acrescida da multa e dos juros definidos nas alíneas (a) e (b) acima.

Ainda, em caso de inadimplemento contratual por qualquer das partes no cumprimento das demais obrigações, é cabível a aplicação das condições previstas nas cláusulas penais compensatórias. Nomeadamente na hipótese de “não entrega, não registro ou ausência de ajuste de energia contratada”, a parte vendedora deve ressarcir à parte compradora “o valor correspondente à sua exposição” no MCP (cláusula 8.1.1, do CCVEE). Além disso, considerando a falta de lastro decorrente do inadimplemento da vendedora em relação à compradora, torna-se necessário o ressarcimento tanto para a aquisição do volume no MCP (cláusula 8.1.3, do CCVEE), quanto ao pagamento das penalidades aplicadas pela CCEE à compradora (cláusula 8.1.3.1), do CCVEE.

Também, na hipótese de ausência de aporte de garantia financeira pela vendedora, conforme obrigação descrita nas Regras e Procedimentos de Comercialização da CCEE, esta deve ressarcir integralmente a parte compradora, sem prejuízo do pagamento por todas as penalidades as quais a parte inocente venha a ser submetida, conforme dispõe os itens (i) e (ii), da cláusula 8.1.2:

Cláusula 8.1.2. Ausência de Aporte de Garantia. A falta de aporte de garantias pela Parte Vendedora, nos termos das Regras e Procedimentos de Comercialização da CCEE que expuserem a Parte Compradora em decorrência do não aporte da garantia financeira pela Parte Vendedora na CCEE, nos termos da Legislação Aplicável, deverá ser integralmente ressarcida pela Parte Vendedora, sem prejuízo das demais penalidades e indenizações decorrentes deste Acordo Comercial de Transação, nos seguintes termos:

(i) Ressarcimento integral da exposição negativa do mercado de curto prazo para o mês de referência, a que a Parte Compradora eventualmente ficar exposta em decorrência da não efetivação do respectivo Acordo Comercial de Transação/Registro, até o 5º (quinto) dia útil após a publicação pela CCEE do valor da exposição financeira negativa da Parte Compradora, se o caso;

(ii) Ressarcimento integral das despesas (aqui consideradas como o Ágio ou Deságio do mercado praticado à época da recomposição) referentes à recomposição de lastro que a Parte Compradora ficou exposta em decorrência da não efetivação do respectivo Registro;

Em relação à compradora, designadamente na hipótese de “falta de aceite, não validação ou não validação de ajuste”, esta fica “obrigada a efetivar o pagamento dos montantes de energia elétrica correspondentes” (cláusula 8.1.4, do CCVEE), sem prejuízo do pagamento das demais penalidades e indenizações previstas no CCVEE, conforme detalhado na cláusula 8.1.5, do CCVEE:

Cláusula 8.1.5 - Penalidades por Falta de Entrega, não Registro ou ausência de Ajuste. Independentemente do Ressarcimento acima exposto, bem como da Multa Rescisória e da Indenização dos prejuízos experimentados, o valor a ser pago pela Parte Vendedora deverá ser acrescido de todas as penalidades incorridas pela Parte Compradora em virtude da não Entrega, não Registro ou ausência de Ajuste, incluindo, mas não se limitando, às penalidades por falta de lastro de energia e potência.

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Ademais, cabe sobressair que, nas hipóteses de inadimplemento contratual, por qualquer das partes, independentemente da rescisão do CCVEE, cabe o pagamento da multa apresentada na cláusula 8.1.6, do CCVEE, correspondente a 10% do valor total do CCVEE:

Ressalvadas as disposições que estabelecem penalidade própria, a Parte que infringir este instrumento incorrerá no pagamento de uma multa no importe de 10% (dez por cento) do valor total deste Contrato, sem prejuízo das perdas e danos porventura sofridos pela Parte inocente, bem como não acarretara a rescisão deste instrumento.

Caso o inadimplemento da parte infratora seja mantido e haja a opção da parte inocente pela rescisão do CCVEE, aplicam-se as penalidades descritas no item 4.3.7, “multa rescisória”, desta pesquisa.

Cumpre observar que, no cenário de transações em ambiente de contratação livre, tanto de energia elétrica quanto de gás natural, assume evidente relevância a discussão concernente aos mecanismos contratuais de que dispõem os contratantes para se protegerem da deliberada decisão da contraparte de deixar de honrar suas obrigações em razão da volatilidade dos preços comercializados nos mercados de curto prazo. Entende-se ser indispensável a determinação prévia das consequências para o ressarcimento dos prejuízos, a fim de evitar a quebra injustificada dos contratos para a obtenção de benefícios econômicos.