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O problema do surgimento de mecanismos de resistência em microrganismos patogênicos aos medicamentos convencionais foi significativamente agravado na última década, demonstrando uma necessidade urgente para a busca de novos e eficientes medicamentos. Uma classe potencial de substâncias para serem usadas com esta finalidade são os peptídeos, antifúngicos ou imunomoduladores, que podem apresentar tanto uma atividade antimicrobiana quanto imunoprotetora (Hilpert et al., 2007).

Esses peptídeos estão presentes em todas as formas de vida: desde bactérias e fungos até plantas, invertebrados e vertebrados (Hilpert et al., 2007). Podem ser originados de metabólitos secundários ou, como a maior parte deles, codificados por genes conservados ao longo da evolução (Brand et al., 2002; Vanhoye et al., 2003; Brahmachary et al., 2004). Episódios de resistência aos antibióticos naturais são raros; possivelmente o

mecanismo de ação destas moléculas na natureza seja diferente daquele que ocorre com o uso de antifúngicos não-naturais. Os insetos, por exemplo, raramente são afetados pelos mecanismos de resistência desenvolvidos pelos microrganismos contra seu potente sistema de defesa antimicrobiano (Haine et al., 2008).

Os peptídeos antimicrobianos apresentam seqüências e estruturas variadas. São geralmente anfipáticos, formados por cerca de 50 resíduos de aminoácidos, e pelo menos dois resíduos são de cargas positivas, tais como arginina e lisina (Mookherjee & Hancock, 2007). Eles podem ser classificados com base na presença de certos resíduos de aminoácidos como Pro, Trp, Arg e His (tais como as profeninas, indolicidinas e histatinas); pela estrutura predominantemente -folha e presença de pontes dissulfídicas intramoleculares que levam à formação de um anel heptapeptídico na região C-terminal (tais como as defensinas e protegrinas); e pela presença de peptídeos de estrutura α-hélice em região anfifílica (tais como as magaininas e cecropinas) (Mangoni et al., 2000; Kamysz et al., 2003).

Estes peptídeos são importantes constituintes do sistema imune inato de muitas espécies e estão presentes em eucariotos, incluindo mamíferos, anfíbios, insetos e plantas, e também em procariotos (Brahmachary et al., 2004). Eles são apontados como potenciais candidatos para serem usados como antifúngicos, principalmente por sua baixa toxicidade em células de mamíferos (Kamysz et al., 2003; Mookherjee & Hancock, 2007). Por apresentarem tamanho reduzido (cerca de 30 resíduos de aminoácidos) e em função de mecanismos de regulação, eles são rapidamente produzidos e processados, promovendo uma rápida e eficiente ação contra micróbios (Kamysz et al., 2003; Brahmachary et al., 2004). Devido ao seu caráter catiônico, tais peptídeos apresentam uma interação preferencial com os fosfolipídeos aniônicos das membranas de alguns microrganismos, induzindo a formação de poros. Eles podem adotar uma estrutura anfipática em α-hélice em meios hidrofóbicos, o que perturba a camada fosfolipídica da membrana (Mangoni et al., 2000; Brahmachary et al., 2004; Prates et al., 2004), inviabilizando a célula do patógeno.

Muitos dos peptídeos antifúngicos conhecidos foram identificados em diversos seres vivos, inclusive em fungos. São exemplos a aureobasidina e a micafungina, ambos com alta atividade antimicrobiana (de Lucca & Walsh, 2000; Barrett, 2002). Alguns deles podem apresentar tanto atividade antifúngica para ser usado no tratamento como é o caso do “Killer Peptide” (Polonelli et al., 2003; Travassos et al., 2004) quanto para uso como imunomodulador como é o caso do P10 (Taborda et al., 1998). Eles atuam, portanto, ou matando diretamente o patógeno, provocando a formação de poros na membrana e atacando alvos intracelulares ou pela modulação positiva do sistema imunológico do hospedeiro para inviabilizar a ação do patógeno (Hancock & Sahl, 2006).

Diversas são as técnicas empregadas para a identificação destes peptídeos. Muitos grupos de pesquisa desenham seqüências peptídicas com o propósito de mimetizar segmentos transmembrânicos de proteínas integrais de membranas plasmáticas, modificando alguns resíduos com o intuito de facilitar a sua solubilização em meio aquoso para sua aplicação e para aumentar a sua atividade antimicrobiana (Burrows et al., 2006). A predição de seqüências peptídicas em bancos de dados genômicos e a identificação de seqüências dentro de proteínas são técnicas empregadas com sucesso, as quais serão abordadas a seguir.

3.1. Predição e identificação de peptídeos antimicrobianos in silico

Os bancos de dados genômicos são uma fonte valiosa para identificar seqüências gênicas envolvidas na biosíntese de antibióticos (Bruijn et al., 2007). As análises in silico de seqüências de proteínas ou diretamente em bancos de dados genômicos, podem ser interessantes fontes para se fazer predições sobre peptídeos de interesse terapêutico (Lata et al., 2007).

Essas análises são realizadas pelo uso de programas computacionais, nos quais são inseridas as características, previamente descritas na literatura, apresentadas pelos peptídeos antimicrobianos. Uma vez que as características principais dos peptídeos antimicrobianos já são conhecidas (anfipáticos e presença de resíduos de aminoácidos de

cargas positivas), a busca destas similaridades in silico nestes bancos de dados é uma ferramenta capaz de abreviar a identificação e seleção de novos antibióticos (Doytchinova et al., 2004; Lata et al., 2007).

Com base nas seqüências de resíduos de aminoácidos obtidas por estas análises, é possível fazer modificações nas suas estruturas primárias para potencializar a sua atividade antimicrobiana. A substituição de resíduos de aminoácidos ou sua mudança de posição pode melhorar a sua ligação com a membrana ou alvos intracelulares do microrganismo (Lata et al., 2007). Para validar estas informações, as seqüências selecionadas são sintetizadas por síntese química e são realizados testes in vitro contra uma variedade de microrganismos para investigar o seu efeito antimicrobiano (Bruijn et al., 2007; Hilpert et al., 2007).

3.2. Peptídeos imunomoduladores - P10

Na categoria de peptídeos imunomoduladores está inserido o peptídeo P10 que é composto por 15 resíduos de aminoácidos e foi identificado na seqüência da glicoproteína gp43 do fungo Paracoccidioides brasiliensis, agente causador da Paracoccidioidomicose – PCM (Taborda et al., 1998). Esta glicoproteína é um componente exocelular secretado pelas células deste fungo quando na fase de levedura e é o principal antígeno para detectar esta micose (Puccia et al., 1986). Ela contém trechos específicos, os epítopos, que são reconhecidos pelos linfócitos T, que desencadeiam a produção de anticorpos para destruir o fungo (Taborda et al., 2004; Iwai et al., 2007).

Animais previamente imunizados com o P10 foram capazes de gerar uma resposta protetora contra a infecção intratraqueal com isolados virulentos de P. brasiliensis, em modelo experimental murino (Taborda et al., 1998). Essa resposta protetora é observada pela drástica redução no número de células fúngicas recuperadas dos pulmões dos animais previamente imunizados e infectados com o fungo e, foi desencadeada principalmente pela indução da secreção da citocina interferon-gama (IFN- ) pelos linfócitos Th1. O IFN- ativa macrófagos para aumentar a atividade fungicida contra este patógeno, diferentemente da

gp43 completa, a qual induz uma resposta de produção de anticorpos do padrão Th2, o que não é eficiente contra o fungo e é acompanhada por uma imunossupressão e anergia em pacientes acometidos pela PCM (Taborda et al., 1998; Iwai et al., 2007). As características do padrão de resposta imunológica na PCM será melhor detalhada a seguir.

A resposta protetora em modelo experimental murino também foi observada com a utilização de peptídeos sintéticos preparados com base na seqüência do P10, denominado de M10 (Taborda et al., 2004). O M10 é uma construção sintética que agrega várias seqüências do P10 ligadas a uma molécula iniciadora, formando uma estrutura ramificada. Os resultados obtidos em relação a proliferação dos linfoblastos, que é um indicador da capacidade do hospedeiro responder ao estímulo, foram iguais quando se utilizou 1µg/50µL de M10 ou 20µg/50µL do P10, indicando que o M10 apresenta uma atividade 20 vezes superior ao P10 devido provavelmente à maior estabilidade da molécula M10. Isto evidencia fortemente a necessidade de se buscar novas alternativas de formulações para estes peptídeos buscando melhorar a sua estabilidade. Entretanto, embora a sua atividade imunoestimulatória tenha sido melhorada, a síntese do M10 é extremamente difícil de ser obtida (Taborda et al., 2004).

A utilização deste peptídeo para melhorar a terapia em sinergia com as drogas utilizadas no tratamento do modelo experimental murino da PCM, sugere a sua importância para melhorar a resposta ao tratamento e reduzir a duração da terapia (Marques et al., 2008). Entretanto, resta ainda a questão da instabilidade fisiológica destes peptídeos, pois eles são facilmente degradados pelas peptidases dificultando a sua utilização terapêutica. Deste modo, torna-se relevante desenvolver novas formulações para este peptídeo de modo a aumentar a sua estabilidade para aplicações in vivo.

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