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1. Introdução

1.4. Peptídeos antimicrobianos

O aparecimento de cepas bacterianas Gram-positivas e Gram-negativas multirresistentes conhecidas como “super bugs” ou superbactérias induziu a necessidade imediata para o desenvolvimento de novas classes de agentes antimicrobianos como, por exemplo, os peptídeos antimicrobianos (Gwynn et al., 2010; Nguyen et al., 2011). Estas moléculas vêm demonstrando a possibilidade de utilização como importantes ferramentas moleculares no uso como antimicrobianos. Exaustivas pesquisas nas últimas décadas, em relação a sua biossíntese, atividade contra microrganismos, mecanismo de ação e potencial aplicação clínica tem sido realizados (Lofgren et al., 2008; Nguyen et al., 2011).

Peptídeos antimicrobianos (PAMs) simbolizam uma nova classe de antibióticos e são definidos como pequenas moléculas proteicas que contém até 100 resíduos de aminoácidos e oferecem uma rápida e imediata resposta ao micro-

organismo invasor (Bartlett et al., 2002; Huang et al., 2010). A maioria destas moléculas possui cargas líquidas positivas de 2-9, devido à ausência ou pequeno número de resíduos ácidos (glutamato ou aspartato), excesso de resíduos catiônicos (arginina ou lisina e/ou histidina), cerca de 30-50% de resíduos hidrofóbicos e uma baixa frequencia de resíduos de prolina ou glicina (Hancock et al., 2006; Huang et al., 2010).

Apesar das variações na estrutura tridimensional, massa, tamanho e características biológicas, a maioria dos peptídeos antimicrobianos pode ser anfifílica, apresentando superfícies hidrofílicas e hidrofóbicas (Tincu e Taylor, 2004; Brogden e Brogden, 2011). As características anfifílica e catiônica são importantes para sua capacidade antimicrobiana de se ligar a superfícies microbianas aniônicas, tais como, lipopolissacarídeos (LPS) (Wang et al., 2010). Duas características físicas para PAMs são comuns: uma carga catiônica e uma proporção significativa de resíduos hidrofóbicos. A cationicidade dos PAMs requer interações com porções carregadas negativamente sobre outras biomoléculas tais como lipídeos da membrana externa, ácidos nucléicos e proteínas fosforiladas (Nguyen et al., 2011).

A classificação dos PAMs (Figura 3) sugerida por Lai & Gallo (2009) baseia- se na composição de seus resíduos de aminoácidos, tamanho e estruturas conformacionais sendo divididos em: (1) peptídeos com uma estrutura α-hélice como as cecropinas, metilinas, magaininas e dermaseptinas; (2) peptídeos com estrutura folha-β estabilizada por pontes dissulfeto entre resíduos Cys conservados como as β-defensinas humanas. Alguns peptídeos desta classe perturbam as membranas bacterianas por meio da formação de poros toroidais como descrito no peptídeo protegrina 1 porcina. Nesse peptídeo, a parte hidrofóbica interage com o núcleo hidrofóbico da bicamada permitindo que as cadeias laterais catiônicas de arginina possam interagir com os grupos fosfato aniônicos. Na protegrina, os resíduos de arginina estão localizados nas extremidades da folha-β o que torna a molécula anfipática; (3) peptídeos de estrutura estendida que muitas vezes possui um único aminoácido predominante sendo arginina, triptofano ou resíduos de prolina em altas proporções, como a Indolicidina extraída a partir de grânulos citoplasmáticos de neutrófilos bovinos constituído por apenas 13 resíduos ricos nos aminoácidos: triptofano (cinco resíduos), prolina (três resíduos e arginina (dois resíduos); (4) peptídeos com pontes dissulfeto formando estruturas loop como a bactenecina, peptídeo catiônico de neutrófilos bovinos que apresenta 12 resíduos de aminoácidos

sendo quatro resíduos de arginina, dois resíduos de cisteína e seis de outros resíduos hidrofóbicos. Os dois resíduos de cisteína são responsáveis pela ligação dissulfeto formando uma estrutura em loop (Subbalakshmi e Sitaram, 1998; Friedrich et al., 1999; Oren et al., 1999; Wu e Hancock, 1999; Tavares, 2000; Staubitz et al., 2001; Brogden, 2005; Lai e Gallo, 2009; Nguyen et al., 2011).

Figura 3. Classificação dos PAMs sugerida por Lai & Gallo (2009) qual é baseada na composição de seus resíduos de aminoácidos, tamanho e estruturas conformacionais. (1) Magainina, peptídeo com estrutura α-hélice; (2) β-Defensina humana, peptídeo com estrutura folha-β estabilizada por pontes dissulfeto; (3) Indolicidina, peptídeo de estrutura estendida; (4) Bactenecina, peptídeo com pontes dissulfeto formando estruturas em loop.

Fonte: Hancock (2001).

Durante o dobramento do peptídeo, sugere-se que PAMs sigam uma orientação paralela à membrana. Para isso, vários mecanismos de ação têm sido propostos para explicar essa permeabilização das membranas lipídicas e membrana alvo de antimicrobianos (Jenssen et al., 2006; Lopez et al., 2006; Bocchinfuso et al., 2009; Huang et al., 2010).

Os mecanismos de ação dos PAMs, apesar das diferenças existentes, estão relacionados com a alteração da permeabilidade da membrana plasmática dos

micro-organismos. Esta capacidade de interagir com as membranas lipídicas está relacionada com diversas características dessas moléculas como as propriedades bioquímicas definidas pela sequencia de aminoácidos (carga, estrutura anfipática e hidrofobicidade) e conformação tridimensional (geometria, ângulo polar e conformação molecular). Em todos os modelos clássicos de interação dos PAMs com membranas celulares, aparentemente, pode ser necessária uma atração do peptídeo pela superfície da membrana microbiana por força eletrostática ou devido à presença de cargas residuais presentes na superfície do micro-organismo. Após essa atração, o peptídeo se insere na cápsula polissacarídica e finalmente alcança a membrana citoplasmática. A partir desta interação com os lipídios da bicamada, o peptídeo altera a organização e a permeabilidade da membrana fosfolipídica causando a despolarização e desequilíbrio osmótico celular por meio da sua interação (Brogden, 2005).

Ainda que o modo de ação possa envolver a perturbação da integridade da membrana citoplasmática bacteriana de muitas maneiras (Figura 4), outros mecanismos foram caracterizados tendo como alvo os principais processos celulares, incluindo DNA e síntese protéica, enovelamento de proteínas, atividade enzimática e síntese da parede celular. Em alguns PAMs conhecidos, como a magainina e a indolicidina, foi constatado que eles podem ter vários modos de ação a fim de aumentar a sua eficiência e evitar potenciais mecanismos de resistência (Nguyen et al., 2011).

Figura 4. Modos de interação dos PAMs com as membranas celulares.

Fonte: Adaptado de Nguyen et al. (2011).

O modelo barril (Figura 4) também conhecido como “barrel-stave” descreve a topologia global do canal da membrana formado no mecanismo de permeabilização da membrana. Este modelo foi inicialmente descrito para alameticina, um peptídeo do fungo Trichoderma viride descoberto no final dos anos 60 e comercialmente disponível nos anos 1970 (Elgar et al., 2006; Huang, 2006). Nesse modelo, o peptídeo forma um feixe de membrana com o lúmen central, muito parecido com um barril composto por peptídeos. As regiões do peptídeo hidrofóbico alinham com a região do núcleo lipídico da bicamada e regiões peptídicas hidrofílicas formam a região do interior dos poros (Brogden, 2005). A formação de poros ou de canais é um processo dinâmico que segue com a transição de fase conformacional na qual as regiões hidrofóbicas de peptídeos incorporam-se na membrana devido à interação com componentes hidrofóbicos complementares de membrana (Huang et al., 2010). Neste mecanismo, as superfícies hidrofóbicas de α-hélice ou folha-β viram-se para fora, em direção a cadeias acila da membrana, enquanto as superfícies hidrofílicas formam o revestimento dos poros (Yeaman e Yount, 2003).

As α-hélices anfipáticas inserem o núcleo hidrofóbico da transmembrana e formam poros (Shai, 1999).

O modelo de poros toroidal ou “toroidal model” (Figura 4) foi proposto pela primeira vez para o peptídeo magainina encontrado na pele de rã da espécie Xenopus laevis (Elgar et al., 2006). Outros peptídeos na qual esse modelo pode ser aplicado são protegrina, LL-37 e MSI-78 (Brogden, 2005). A proposta desse modelo foi construída com base em evidências indiretas, incluindo o tamanho e a densidade dos poros, orientação do peptídeo, dentre outros (Huang, 2000). Este modelo descreve uma das melhores interações observadas e caracterizadas de peptídeo- membrana onde as hélices de peptídeos antimicrobianos são inseridas dentro da membrana e induzem as monocamadas lipídicas a dobrar continuamente por meio dos poros de modo que o núcleo de água seja alinhado pela inserção do peptídeo e grupos lipídicos. Esses poros têm uma curvatura positiva na direção da membrana normal. Nesse modelo os peptídeos são reorientados com a membrana lípidica e na formação de um poro toroidal, as regiões polares dos peptídeos são associadas com a cabeça polar de grupos lipídicos (Matsuzaki, 1999; Yeaman e Yount, 2003; Brogden, 2005; Huang et al., 2010).

Uma diferença no modelo toroidal diz respeito aos lipídios que são intercalados com o peptídeo no canal de transmembrana (Yeaman e Yount, 2003). Quando comparado ao modelo barril, difere-se no que diz respeito aos peptídeos que são continuamente associados à cabeça polar (fosfolípidio) até mesmo quando eles estão inseridos perpendicularmente na bicamada lipídica (Yang et al., 2001). Segundo (Huang et al., 2010), em relação à semelhança com o modelo barril, os peptídeos inserem-se perpendicularmente à membrana para formar um poro, enquanto as regiões hidrofílicas dos peptídeos mantém associação com grupos lipídicos e as regiões peptídicas hidrofóbicas associadas com o núcleo hidrofóbico dos lipídeos da membrana. Dessa forma, os peptídeos e lipídeos juntos formam poros bem definidos, com as regiões hidrofílicas dos peptídeos e os grupos fosfolipídicos voltadas para o centro do poro determinando um poro aquoso. O modelo de poros toroidal é bem aceito por estudos recentes que certificaram que os poros são formados por peptídeos, tais como as maganinas. As características gerais dos poros toroidais incluem poros que são construídos com peptídeos e lipídios, na qual o primeiro componente orienta perpendicularmente e o segundo

formador de poros, altera as suas posições relativas para a membrana da bicamada (Huang et al., 2010).

O modelo formação de carpete ou “carpet model” foi proposto pela primeira vez para descrever o modo de ação da dermaseptina S (Shai, 1999), um peptídeo antimicrobiano isolado a partir de secreções da pele de sapo do gênero Phyllomedusa (Elgar et al., 2006). Outros peptídeos que apresentam esse tipo de modo de ação são cecropina, caerina e ovispirina. Este modelo explica a atividade antimicrobiana de peptídeos que orientam paralelamente ("in-plane") na superfície da membrana (Figura 4). Segundo (Huang et al., 2010) a orientação do peptídeo desestabiliza o “pacote” de fosfolípidos gerando uma alteração na fluidez da membrana no que diz respeito à deslocação de fosfolipídios por peptídeos. Dessa forma, a estabilidade da membrana local é instável. Peptídeos são atraídos eletrostaticamente para o fosfolipídeo aniônico em inúmeros locais que cobrem a superfície da membrana como forma de carpete.

Ao contrário do modelo barril, os peptídeos não são inseridos no núcleo da membrana hidrofóbica, nem se reúnem com suas superfícies hidrofílicas voltadas uma para a outra (Shai, 1999). Neste modelo, os peptídeos estão em contato com o grupo de fosfolipídeos em todo o processo de permeação da membrana. A permeabilidade da membrana ocorre quando a sua superfície inteira é coberta com monômeros do peptídeo ou quando alternativamente, existe uma associação entre os peptídeos ligados à membrana, formando um carpete (Elgar et al., 2006). Neste modelo os peptídeos não precisam, necessariamente, adotar a estrutura α-hélice, pois estão em contato com a cabeça de grupo de lipídios durante todo o processo de permeação da membrana e não se inserem no núcleo hidrofóbico da membrana (Shai, 1999). Em altas concentrações, a superfície orientada de peptídeos é disposta a fim de interromper a bicamada como um detergente, eventualmente levando à formação de micelas (Brogden, 2005).

Outro modelo conhecido como modelo Shai-Matsuaki-Huang (Figura 5) incorpora os três modelos acima, que incluem modelos de interação do peptídeo com a membrana, o rompimento da membrana, a difusão do fluido intracelular e a focalização de alvos intracelulares pelos peptídeos. O modelo propõe a interação do peptídeo com a membrana, seguido pelo deslocamento de lipídios, alteração da estrutura da membrana e, em determinados casos a entrada do peptídeo no interior da célula-alvo. Acredita-se que ocorra aumento da força iônica, o que em geral

reduz a atividade da maioria dos peptídeos antimicrobianos pelo enfraquecimento das interações de carga eletrostática necessária para a interação inicial (Zasloff, 2002).

Figura 5. Mecanismo de ação de peptídeos- Modelo Shai-Matsuaki-Huang. Um peptídeo em α-hélice é representado em equilíbrio. As partes catiônicas estão em vermelho e as regiões hidrofóbicas em verde. (A) Interação superficial do peptídeo com a superfície externa da membrana; (B) Adsorção do peptídeo na membrana. As setas verdes indicam uma expansão da face externa em relação à interna, resultado da tensão dentro da bicamada; (C) Formação de poros transientes; (D) Transporte de peptídeos da face externa para a face interna da membrana; (E) Difusão de peptídeos com alvos internos (em alguns casos); (F) Colapso e fragmentação da membrana celular. Fosfolipídios com cabeças amarelas são ácidos ou com carga negativa enquanto os neutros estão representados em preto.

Fonte: Adaptada de Zasloff (2002).

Desta maneira, independente do modelo, a maioria dos PAMs aparentemente age diretamente contra micro-organismos por meio de um mecanismo que abrange a ruptura da membrana e a formação de poros, o que permite o efluxo de íons e nutrientes fundamentais. O efluxo é um mecanismo de defesa celular generalizada com consequencias clínicas para tratamentos antimicrobianos. A interação inicial entre os peptídeos e a membrana da célula microbiana permite adentrar na célula

Exterior

Interior

Difusão da membrana em alvos intracelulares

para se unir a moléculas intracelulares, resultando na inibição da biossíntese da parede celular inibição da atividade enzimática, DNA, RNA e síntese de proteínas (Peters et al., 2010; Wood e Cluzel, 2012).

Uma condição necessária para qualquer agente antimicrobiano consiste na presença de toxicidade seletiva para o alvo microbiano, sendo uma característica importante assim como o seu contato com células microbianas não apresenta toxicidade para as células de mamíferos (Peters et al., 2010). Muitos PAMs mostram especificidade notável para procariontes com baixa toxicidade para as células eucarióticas (Zasloff, 1992; Tincu e Taylor, 2004). A toxicidade de PAMs contra células eucarióticas pode ser o principal obstáculo para a sua aplicação clínica (Huang, 2000). Muitos peptídeos atuam em membranas bacterianas ou outros alvos generalizados, contrariando a maioria dos antibióticos que geralmente têm como alvo proteínas específicas (Nguyen et al., 2011).

Com o passar dos anos, foram realizadas diversas pesquisas e novos PAMs foram descobertos e identificados. Dependendo do tamanho e estrutura primária do peptídeo, é possível por meio de técnicas moleculares sintetizá-los em laboratório e utilizá-los como fármacos. Uma das estratégias utilizadas na síntese de PAMs é o desenho in silico baseado em sequencias de PAMs depositados em bancos de dados. Outra forma de obtê-los é retirando-os de uma proteína maior, como foi realizado por Okubo e colaboradores (2012). A proteína BmLAO, uma enzima multifuncional L-amino oxidase (LAO) com ação antibacteriana foi isolada da serpente Bothrops mattogrosensis e possui elevada atividade contra as bactérias Gram-negativas K. pneumoniae e P. mirabilis. Os autores por intermédio de análises in silico estruturais desta molécula demonstraram que a atividade da enzima era devido a três peptídeos que eram importantes para a atividade da mesma. Estes, depois de sintetizados continuaram a ser funcionais contra as mesmas bactérias. É importante ressaltar que os peptídeos oriundos da enzima são fortes candidatos a produtos biotecnológicos, devido ao baixo custo e por seu pequeno tamanho podendo ser facilmente sintetizado (Okubo et al., 2012).

Além da distribuição, estudos recentes apontam para uma nova função dessas biomoléculas: a promiscuidade. Ao que se assemelha uma tática fundamental na evolução do peptídeo, esta provoca a disseminação de novas e múltiplas funções que podem ser integradas com uma única estrutura resultando na

evolução de proteínas com novas funções. Com isso, a promiscuidade protéica é uma concorrente atrativa a ser adicionada ao complexo de defesa que é usado por organismos superiores, como as plantas, para combater e/ou controlar patógenos e pragas da lavoura (Franco, 2011; Silva et al., 2011).

Ainda que uma significativa função dos PAMs seja a sua capacidade para matar ou inibir o crescimento de micro-organismos, outros estudos indicam que o papel dos PAMs não é restringido a antibacteriano efetores da resposta imune inata, mas também como peptídeos antivirais (Wang et al., 2010). Alguns PAMs também apresentam uma tendência a serem hemolíticos, e outros podem ainda ter atividade inseticida e para células cancerígenas (Hancock et al., 2006; Lai e Gallo, 2009; Nguyen et al., 2011). Além disto, alguns apresentam atividade imunomodulatória como observada em hepicidina amplamente distribuído nos tecidos e sintetizada no osso do peixe pargo dourado, que desempenha um papel fundamental na imunidade inata contra bactérias patogênicas (Cuesta et al., 2008) apud (Otero-Gonzalez et al., 2010). A atividade imunomodulatória também foi observada em PAMs denominados crustinas extraídas do camarão Litopenaeus vannamei (Shockey et al., 2009) apud (Otero-Gonzalez et al., 2010).

A utilização de imunomoduladores para controle e prevenção de infecções parece ser promissora uma vez que existe um interesse significativo gerado na pesquisa sobre moléculas bioativas de origem marinha designada como agentes imunomoduladores em sistemas alternativos na medicina (Chandraraj et al., 2010).

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